A última vez que Binho e eu trocamos palavras foi na 3ª-feira, quando comentei a pesquisa sobre cidades violentas. Disse o poeta:
“Valeu David! Tomei um susto [com a notícia], mas depois aliviei, com [a leitura do comentário sobre] a pesquisa. Já estou teclando de Tunas [do Paraná]. Aqui o que vimos é pinus para toda obra. Chegaremos em Curitiba no Carnaval. Acho que iremos por Colombo, porque pegar a BR-116, tá fora de cogitação.
Um abraço, amigão.
Binho”
Neste instante quando escrevo, a Expedicións Donde Miras, tramada no Sarau do Binho, já deve ter feito sua entrada triunfal em Curitiba. É lá onde nasceu e mora o maior nome do conto brasileiro.

Como é Carnaval, poucos gatos pingados se aventuram aqui pelo Bar & Lanches Taboão – como se vê na pintura de Harry McCormick pendurada na nossa fachada. Estamos à vontade para penetrar no universo áspero e lírico do gênio da concisão.
Esqueci de pedir aos amigos e amigas da Caminhada Cultural pela América Latina, que me trouxessem uma foto da casa do Dalton Trevisan. Está feito aqui o pedido ao Binho e ao meu xará fotógrafo da aventura.
Escrevi “foto da casa” porque o homem é avesso a entrevistas, e foge feito demônio das câmeras. Só sei de uma entrevista dele à extinta revista Manchete em agosto de 1968. Mesmo assim, ele ironiza as dificuldades de quem o procura e não acha: "Não me acho pessoa difícil, tanto assim que esbarro diariamente comigo em todas as esquinas de Curitiba". Retratos do Vampiro de Curitiba, só à traição. Como a Donde Miras está se mostrando capaz de milagres, quem sabe...
Dalton vai completar 83 anos no próximo 14 de junho. É advogado e dono de uma fábrica de vidros. Em 1954 publicava seus contos em folhetos de papel jornal. Em 2001, voltou à mesma prática: lançou cinco livrinhos em produção artesanal, com ilustrações escolhidas por ele. São um pouco menores que os cordéis, e um tantinho maiores que os catecismos do Carlos Zéfiro. É um amigo de um amigo do escritor quem reproduz numa máquina xerox e os grampeia. O próprio autor distribui os exemplares. Toda a edição é enviada de presente a amigos e admiradores. Pelo correio.
Na escrita crua, direta e até violenta de Dalton Trevisan está todo o nosso cotidiano cheio de culpas, angústias e ressentimentos. O autor busca cada vez mais usar menos palavras. Tanto assim que agora não escreve contos: “são ministórias”, diz sobre suas tramas não raro contadas em duas ou uma linha.
Em 2003, dividiu com Bernardo Carvalho o maior prêmio literário do país — o 1º Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira — com o livro Pico na Veia.
O último livro dele que li foi Macho não Ganha Flor (2006), da Editora Record, por onde sai toda a sua obra, exceção da artesanal.
Petiscos daltonianos
Obrigação de boteco é ter uma boa petisqueira. Sirvo aqui pequenos aperitivos da obra deste homem colossal e inatingível. De tira-gosto, dois hai-kais:

o incêndio de uma rosa
vermelhíssima

no muro o caracol
se derrete nos rabiscos
da assinatura prateada
Nos contos de Dalton, o universo suburbano de Curitiba é dividido entre homens (que podem ser tigre ou touro), a mulher (donzela casadeira; esposa santa ou megera - que se vinga do marido pondo vidro moído no caldo do feijão). A descrição da decoração das casas não é menos ferina (folhas artificiais de avenca, o quadro da santa ceia, bibelôs de porcelana, o fio da lâmpada pontilhado por cocô de mosquito). O amanhecer de um puteiro – templo de iniciação do macho, rito de passagem obrigatório – é cruento (“Com a manhã, os homens se vão. A casa pestilenta de mil cigarros. Em cada canto boceja uma bandida”). O boteco, refúgio dos aflitos (“O único olho aceso na madrugada”).
Suas figuras de linguagem são as mais imprevisíveis (“Chorando, suando, tremendo, o coração tosse no joelho. Ele a beija da cabeça ao pé — mil asas de borboleta à flor da pele.”)
O corpo feminino (“Se não quer, por que exibe as graças em vez de esconder?”) é metaforizado com delícias (“Na pontinha da língua a mulher filtra o mel que embebeda o colibri e enraivece o vampiro”; “a palavra coxa uma laranja inteira na boca”; “Ah, o joelho... Redondinho de curva mais doce que o pêssego maduro”).
De saideira, uma de suas ministórias:
“Na porta da cozinha, joga a água suja da bacia. - Minha filha, foi Deus quem te matou!”
Na Trilha do Vampiro
Suas figuras de linguagem são as mais imprevisíveis (“Chorando, suando, tremendo, o coração tosse no joelho. Ele a beija da cabeça ao pé — mil asas de borboleta à flor da pele.”)
O corpo feminino (“Se não quer, por que exibe as graças em vez de esconder?”) é metaforizado com delícias (“Na pontinha da língua a mulher filtra o mel que embebeda o colibri e enraivece o vampiro”; “a palavra coxa uma laranja inteira na boca”; “Ah, o joelho... Redondinho de curva mais doce que o pêssego maduro”).
De saideira, uma de suas ministórias:
“Na porta da cozinha, joga a água suja da bacia. - Minha filha, foi Deus quem te matou!”
Na Trilha do Vampiro
Na foto abaixo, uma admiradora tenta em vão espiar alguma coisa na casa do escritor inexpugnável.

Olá meu povo,
ResponderExcluirjá chegamos a Curitiba, hoje à tarde.
Ainda não realizamos o sarau; ficou pra amanhã.
O importante é que chegamos bem e concluímos nossa caminhada.
Foi um sucessso! Contaremos detalhes nos próximos saraus.
Foi tudo muito bom e divertido.
Um abraço a todos,
Tula Pilar
Putz...
ResponderExcluirDeixem o Dalton em paz, respeitem o cara.
O que vale é a obra; é por ela que ele merece ser reconhecido.