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segunda-feira, 19 de abril de 2021

Clínica criminosa funcionava a poucos metros da prefeitura


Clínica de implantes de silicone estava desde 2012 a mil metros da Prefeitura de Taboão da Serra

David da Silva

A Prefeitura de Taboão da Serra só se ligou no que acontecia no número 31 da Rua Marrocos depois que a Clínica Paulino virou caso de polícia. O estabelecimento, que fazia implantes criminosos de silicone, funcionava a três minutos da sede da administração municipal. A clínica foi interditada pela Vigilância Sanitária no último dia 2 de fevereiro. Mas a gestão do prefeito Aprígio não divulgou o fato, o que poderia servir de alerta para futuras vítimas. Quem não sabia o que faziam ali dentro, morreu sem ficar sabendo.

Foi o caso de Lorena Batista Muniz. O travesti de 25 anos veio de Recife (PE) para São Paulo no dia 17 de fevereiro deste ano com cirurgia marcada na Rua Marrocos, Parque Monte Alegre, para implante de silicone no peito por R$ 4 mil. Devido à interdição da clínica pela Prefeitura de Taboão da Serra a operação foi transferida para a Rua da Glória, no bairro Liberdade, região central de São Paulo. No endereço funciona a Clínica Saúde Aqui, quase uma referência nacional entre travestis pelos preços baixos dos procedimentos cirúrgicos. Ainda sob o efeito da anestesia Lorena foi abandonada na mesa de cirurgia pelos funcionários que fugiram de um incêndio na clínica. Morreu cinco dias depois por ter inalado muita fumaça tóxica.

Lorena não sabia o por quê da mudança de local para colocar seu silicone. “Se tivesse saído alguma coisa no jornal quando a prefeitura fechou a clínica, ela poderia ter se ligado que tinha coisa errada”, diz Thamirez, travesti que faz ponto na região do bairro Campo Limpo, vizinho a Taboão. “Muitas meninas daqui puseram peito e bunda lá”, refere-se à “Clínica do Paulino” como é conhecida no meio transsexual.

Não era a primeira vez que rolavam rumores sobre o fechamento da clínica. Em outubro de 2020, ainda na gestão do ex-prefeito Fernando Fernandes, correu forte o comentário de que “fecharam a Clínica do Paulino”. E isto começou a atrapalhar os negócios. A organização criminosa foi às redes sociais tentar se explicar (veja imagem abaixo). E, num ato falho, mostraram publicamente que a clínica de Taboão da Serra tinha tentáculos espalhados pela capital.

Clínica ironizava os comentários de que a prefeitura iria lacrar sua porta

Antecedentes criminais
Em abril de 2014 um transsexual colocou silicone no peito na Clínica Paulino em Taboão da Serra. “Fizeram só anestesia local. Fiquei apavorada. Eu escutava tudo”. Apesar do que passou, voltou para aumentar a prótese em 2017. “Fui cinco vezes em Taboão, eles sempre com desculpa que não tinha anestesista, outra hora que os 450 ml que eu queria não iam caber. Daí fui a outro cirurgião plástico, e ele descobriu que ao invés dos 300 ml que eu tinha pago, colocaram só 200 de outra marca diferente da que combinamos”. A ação corre na Justiça, mas os responsáveis pela clínica jamais vão às audiências.

Fugir dos fóruns é tática costumeira da Clínica Paulino. Desde 22 de fevereiro de 2017 Bianca Simões Pinto busca restituição dos R$ 2.500 que pagou por um serviço mal feito. Em 12 de setembro de 2019 foi a vez de Leidiane Aparecida de Assis abrir processo contra a clínica, que foi condenada a ressarcir R$ 4.500 por prejuízo material e R$ 5 mil por danos morais. Não recebeu até hoje.

Também há processos contra a Clínica Paulino na Justiça do Trabalho. Há exatos dois anos, em 11 de abril de 2019 a clínica teve sofás, poltronas, televisor, mesinha de centro e carrinho de anestesia confiscados do seu endereço em Taboão da Serra e leiloados para quitar dívidas judiciais.

Clínica Paulino lacrada no bairro Pq Monte Alegre

Golpista
Paulino de Souza se apresenta como médico, e gosta de ser chamado “doutor”. Mas não tem registro no CRM (Conselho Regional de Medicina).  Um de seus esquemas mais usados é abrir firmas com nomes diferentes. Nunca no nome dele. Assim abriu a Paulicorpus Estética Ltda, depois a Clínica Pauliplástica Estética Ltda – interditada pela Prefeitura de São Paulo em julho de 2013 – e ainda a Clínica Cirúrgica Paulino de Souza Ltda, esta última em Taboão da Serra. Aqui no município, onde o estabelecimento foi registrado em maio de 2012, a clínica estava a partir de janeiro de 2014 em nome de Denise Batista Scapucin e da técnica contábil Silvania Silvestre Gomes Rosa, que também surge como sócia da Diva’s Intermediação de Cirurgia Plástica Ltda.

Paulino de Souza 

Além das vítimas que faz dentro das suas salas de cirurgias, os dedos delituosos de Paulino atingem até quem nunca o viu pessoalmente. O aposentado Valmica Ramos Nogueira teve seus documentos roubados em 2004. Esses documentos foram parar nas mãos de Paulino de Souza, que abriu três clínicas em nome do aposentado. Quando a Clínica Paulino foi aberta em Taboão da Serra, usaram o nome de Valmica como sócio.

Porta de delegacia

Em 2019 um travesti abriu um boletim de ocorrência contra a Clínica Paulino no 39º DP (Vila Gustavo, zona norte de São Paulo). O B.O. virou inquérito que apura “exercício ilegal da medicina e falsificação de documento”. A investigação está em curso;  recentemente foi solicitado à Justiça mandado de busca e apreensão na clínica lacrada da Rua Marrocos, nº 31. A equipe do 1º DP de Taboão da Serra vai executar o serviço nos próximos dias.

Interdição

A interdição da Clínica Paulino em 2 de fevereiro pela Vigilância Sanitária de Taboão da Serra foi silenciosa. A gestão do prefeito Aprígio tratou o caso como assunto burocrático. Na data da ocorrência não foram distribuídas à imprensa informações sobre o que se praticava naquele local.

Os agentes da prefeitura encontraram instrumentos cirúrgicos sem data de esterilização, falta de produtos de limpeza, e materiais metálicos enferrujados. Não havia sabonete líquido, papel toalha, nem lixeira em ambientes de esterilização. A geladeira continha medicamentos vencidos, e sem controle de temperatura. O plano de gerenciamento de resíduos, ausente, assim como licença válida perante a Vigilância Sanitária.

Entre a data que a prefeitura fez esse flagrante e a publicação do Auto de Infração na Imprensa Oficial do Município, transcorreram 37 dias. Tempo suficiente para Lorena Muniz viajar de Pernambuco até a arapuca onde perdeu a sua vida.

Providência da Prefeitura de Taboão da Serra contra a clínica no dia 2 de fevereiro só foi publicada em 10 de março

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