Gilberto Becher. Foto: David da Silva - 03.ago.2024 |
Fiação
elétrica, janela de alumínio, relógio de luz, registro de água, disjuntores, box
do banheiro, motor da geladeira, lustres, porta de alumínio, gabinete da pia, forno elétrico, lavatório,
claraboia metálica, torneiras, motor do freezer, televisão, micro-ondas. Isto não é uma
lista de compras. É a lista das coisas furtadas do aposentado Carlos Gilberto
Saldanha Becher, 68 anos, que está há nove meses, três semanas e quatro dias
sem poder morar na sua casa, interditada pela Defesa Civil de Taboão da Serra
devido ao desabamento do sobrado vizinho.
Se
Gilberto não pode entrar, os ladrões podem. “Fui expulso da minha própria casa
pela Defesa Civil”, diz sobre o ocorrido em 09.out.2023. “Depois daquele dia,
nunca mais ninguém da prefeitura pôs os pés aqui, e a insegurança da rua piorou”,
resume contrariado ao ver seus pertences subtraídos dia após dia.
Em
outubro do ano passado, um sobrado de três pavimentos desabou por inteiro no
número 336 da Rua David da Silva Meireles, no bairro Jd Maria Luíza, afetando
as estruturas das duas casas ao lado – a de Gilberto é a de número 344.
Com
o desabamento da casa do vizinho, a saúde de Gilberto também despencou. A diabete
aumentou, sua pressão acelerou, está com problema urinário, dificuldade de
enxergar, joelhos inchados. “Doenças psicossomáticas ocorrem após um estresse
ou trauma emocional. Causam uma série de desconfortos e problemas em diferentes
partes do corpo”, explica a médica Lívia Beraldo, mestre em Psiquiatria pela
Faculdade de Medicina da USP.
O
joelho encrencado tirou Gilberto do transporte de passageiros por aplicativo,
com que completava a aposentadoria. Seus últimos anos de serviço foram na
Sabesp e numa terceirizada daquela companhia. “Comecei a trabalhar com 13 anos,
fazendo faxina em farmácia, depois fui encarregado de obras e técnico em
saneamento”, enumera ao passar com o repórter pela porta por onde entrou pela
primeira vez há 44 anos. “Mudei pra essa casa no feriado de Finados de 1980. Foi
tudo sendo comprado e pago aos pouquinhos. Aqui dentro nasceram e cresceram
minhas duas filhas [ambas professoras e hoje com 40 e 35 anos]. Isso aqui era a
alegria dos meus cinco netos, que quando vinham para cá corriam esta casa
inteira. Quando me aposentei em 2020, fiz boas modificações, deixando a casa cada
vez mais do jeito que sempre sonhei”.
A
paz de aposentado foi violentamente interrompida no início da manhã do 9 de
outubro. “Estava dirigindo o Uber, minha filha me ligou avisando da tragédia”.
O chefe da Defesa Civil Carlos Hueb, que também é subsecretário de Governo da gestão Aprígio, mentiu para a imprensa ao dizer que “a Defesa Civil foi acionada rapidamente, e, ainda por telefone, orientou a moradora que fez contato para que todas as pessoas fossem retiradas do imóvel imediatamente, graças a isso, ninguém se feriu” (Jornal na Net). Na realidade, "a Defesa Civil só chegou depois do desabamento. Teve vídeos provando que não tinha ninguém [da prefeitura] no local, a não ser os familiares nossos. Só após todo o incidente a Defesa Civil chegou lá, para interditar as casas”, esclarece Suzy Mary Norbiato de Souza, ex-moradora do sobrado destruído.
A rua do medo
Com
os proprietários desalojados, as casas interditadas se tornaram um paraíso para
os ladrões.
“Estamos
enfrentando um problema sério de invasões e furtos frequentes em nossos
domicílios, especialmente após um incidente em outubro de 2023, quando uma casa
desabou, afetando outras ao redor”, narra uma moradora da Rua David da Silva
Meireles. “Reunimos 93 assinaturas e, através de uma Nota de Repúdio e
Solicitação, pedimos que algo fosse feito. Foram realizados protocolos para o
Gabinete do Prefeito, Ouvidoria Municipal, e outro para a Secretaria de
Segurança Pública Municipal de Taboão da Serra. Até o momento, nada foi feito e
as invasões continuam. Estamos com medo, não conseguimos dormir à noite, e não
há nenhum policiamento”.
O
2º Distrito Policial fica na mesma quadra da ‘rua do medo’. “Os invasores são,
provavelmente, as mesmas pessoas que transitam pela rua durante o dia espiando
pra dentro dos portões, querendo avaliar se é possível entrar, em que horários
os moradores saem, se há cachorros. Isso porque estamos literalmente na rua atrás
do 2° DP, imagina se fosse um lugar sem nem sinal de polícia”, critica Aline
Medeiros.
Para
Danielle Gerbaka, ir ao distrito fazer B.O. só aumenta a decepção: “Eu já
desisti de ir nesse DP. A última vez que fui, parecia que eu era o próprio
bandido. Moro há 30 anos no começo da [rua] David. Eu e meus pais já passamos
por poucas e boas aqui”.
Um
ingrediente esquisito se soma à essa receita de caos. “Adicionalmente,
enfrentamos a dificuldade de registrar novos boletins de ocorrência na
delegacia situada na Estrada Kizaemon Takeuti, pois nos informam que um único
boletim é suficiente, mesmo diante de múltiplas invasões”, diz um texto
divulgado no Facebook na noite do último dia 3 de julho.
Uma
moradora que pede para não ter a identidade revelada denunciou ao jornalista
Adilson Oliveira, do portal Verbo Online e do podcast Roda de Fogo, que “hoje
nós temos quase 40 ocorrências de furtos das fiações elétricas nas casas aqui da
rua. O que nos angustia é que eles podem voltar”, diz a vítima em cuja casa os
ladrões entraram pelo telhado, cortaram os fios, e a deixaram sem luz por três
dias, até ter condições para refazer a instalação.
Uma
comissão de moradores esteve com o delegado Seccional Hélio Bressan no último
dia 29 de julho, pedindo intensificação de rondas na Rua David da Silva
Meireles.
R. David da Silva Meireles - Foto: David da Silva - 01.ago.2024 |
O
contabilista Ed Carlos Castro Souza é dono da propriedade onde fazia a remoção
de terra que trouxe abaixo o sobrado e comprometeu as duas residências
vizinhas. Pelo episódio, a Justiça Pública move contra Ed Carlos um processo na
2ª Vara Criminal da Comarca de Taboão da Serra. A ação foi aberta em
30.nov.2023, e sua movimentação mais recente foi em 19.julho.2024.
Segundo
Gilberto Becher, os três vizinhos prejudicados movem ação conjunta de
indenização por danos morais, materiais e outros tipos de reparações que
couberem.
Gaúcho
de São Sepé (RS), Gilberto vai fazer 69 anos em 20 de novembro. Quando foi
impedido de continuar na sua casa própria, passou a morar de aluguel pago pelo empresário
que causou a catástrofe.
“No
dia do desastre, o pessoal da prefeitura queria mandar a gente para um albergue”,
relembra. “Única coisa que nos deram foi uma cesta básica”.
No
começo de janeiro, Gilberto ligou para a prefeitura para saber da sua situação perante a administração municipal. O então secretário de Assistência
Social [que já deixou o cargo para disputar eleição] pediu para Giba, como é
conhecido, aguardar um momento:
Casa do Gilberto (na seta) no dia do desabamento |
Um comentário:
Quem irá pagar os objetos furtados?
- A Defesa Civil.
- A segurança pública.
- Ou a vítima.
Lamentável a situação desse cidadão!!!!
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