sexta-feira, 29 de junho de 2007

A crítica de João Antônio na Tribuna da Imprensa

Dissertação de Mestrado de Cleide Durante Assis de Jesus, apresentada à Faculdade
de Ciências e Letras de Assis – UNESP, em 2001.




À memória do escritor João Antonio Ferreira Filho,
que partia do princípio de que
“um homem saciado não pode entender um faminto...”
e acreditava que
“ ... uma literatura de verdade não pode existir
apenas para o pó da vaidade de uma sociedade e,
quando se preza, põe o dedo na ferida...”.



1. Introdução

Encontra-se certa dificuldade em tentar definir João Antônio – escritor, contista, cronista, repórter, crítico – e tal dificuldade deve-se à pouca possibilidade de rotulação da produção do escritor e ao fato de sua fortuna crítica estar ainda se fazendo. Em contrapartida, temos vasto material espalhado por revistas literárias, periódicos, ensaios, coletâneas, referindo-se ao escritor, material de trabalhoso acesso, devido ao caráter de pesquisa, sistematização bibliográfica e conservação que a própria natureza desses meios de comunicação oferecem. Entretanto, é justamente no referido material que nos fundamentamos para apresentar João Antônio Ferreira Filho, bem como nas palavras registradas pelo próprio escritor sobre sua pessoa e sua atividade literária, em artigos, prefácios, entrevistas.
João Antônio nasceu em São Paulo, em 27 de janeiro de 1937, em uma família humilde. O pai, João Antônio Ferreira, era dono do bar-armazém Beco da Onça, no morro do Wilson, que o escritor só chamava de morro da Geada. O pai era emérito cultivador de orquídeas e exímio tocador de banjo e de cavaquinho, resultando no gosto que o filho desenvolveu pelo chorinho, pois cresceu entre violões, cavaquinhos e banjos. A mãe era uma mulata carioca, chamada Irene Gomes. A infância e a adolescência, vividas nos bairros operários e subúrbios paulistas, ensinaram-lhe o convívio com a camada simples e pobre da população brasileira.
Trabalhou, desde cedo, como office-boy, bancário, estafeta e caixeiro de mercearia. Estudou à noite, cursou a Escola Normal e a Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Também freqüentou o curso de Teatro e Cinema da Universidade de São Paulo, o qual não terminou. Ligou-se ao Teatro de Arena da capital paulista. Chegou a lecionar Português e Geografia na Escola de Polícia de São Paulo (Cabello, 1984).
O escritor mudou-se de São Paulo para o Rio na esperança de encontrar maiores possibilidades de realização como escritor e, segundo João Antônio, encontrar um ambiente menos provinciano.
Conforme declaração de João Antônio à amiga Ilka B. Laurito (1999, p.26, 30,47), ele gostava de escrever à mão para “ter o gosto físico de sentir as palavras saindo diretamente de seus dedos para o pouso no papel, prolongamento da ebulição artística que implodia de seu corpo”. Acrescentando: “... só escrevendo sou inteiro. Tudo é meu, então. (...) Se não escrevo não sou ninguém. Se não amar o que escrevo, não escrevo”. Concluindo: “... eu me devo uma porção de coisas e se não escrever também não me pago. E escrever é esta renúncia e esta solidão.”
Em outra entrevista, João Antônio (Apud Hollanda, 1979, p. 58) declarou: “Escrevo apenas sobre o que conheço e sinto. Parto do princípio de que um homem saciado não pode entender um faminto. Tenho procurado dar voz a quem não tem nenhuma no mundo brasileiro de hoje...”.
Na entrevista concedida a Lurdes Gonçalves (1983, p.3), foi-lhe perguntado se vivia de literatura. A resposta foi curta e bem ao estilo do escritor: “seria mais certo dizer, talvez, que eu existo para ela. Vivo de direitos e de tortos. Especialmente de tortos” (reportagens, artigos). Complementado a idéia, em outra oportunidade, o escritor afirmou: “... o jeito é ir continuando com o jornalismo e a publicidade. Apesar deles, nunca cheguei a deixar de escrever.” (Coelho,1968, p.6).
A Jácomo Mandatto – que o enquadrou na literatura utilizando palavras de Dostoiévski: “Para escrever bem é preciso sofrer, sofrer” – João Antônio (1981, p.4) declarou que “um escritor escreve para não explodir. E isso é tudo. O mais são firulas e lantejoulas. Um escritor escreve porque não agüenta mais. Quem suporta um pouco mais, não escreve. Simplesmente vai para casa, janta, vê televisão e dorme em paz. Dorme o sono dos justos, dos ignorantes ou dos otários. Não sei. Sei que dorme.” Em outra entrevista ele complementa: “... uma literatura de verdade não pode existir apenas para o pó de vaidade de uma sociedade e, quando se preza, põe o dedo na ferida...” (João Antônio, 1979, p. 52).
Mas foi a dedicação à ficção que definiu sua vida. Em entrevista concedida a José Edson Gomes, para a revista Leitura, afirmou que, se pudesse, teria dedicado todo seu tempo somente à ficção. Não escreveria nem mais um artigo, isto sem falar de que jamais faria outro tipo de redação que não fosse o de sua prosa literária. O jornalismo veio como conseqüência e sobrevivência. Entretanto, o que João Antônio produziu e foi veiculado em jornais trata-se de um material vasto, rico e pronto a ser explorado e estudado para que o escritor também se torne conhecido e reconhecido neste outro aspecto que permeou toda a sua vida.
Mas voltemos ao ficcionista. A partir de seu livro de estréia, Malagueta, Perus e Bacanaço, com primeira edição em 1963, a obra do escritor impõe-se como destaque, conquistando praticamente todos os prêmios disponíveis à época, como reconhecimento de uma obra e autor que incorporariam, a partir desta obra, “a marginalidade paulista à literatura” e adiantava o que se configuraria em traço característico de suas criações: não trazer para nós a realidade e sim colocar-nos dentro dela.
Ao longo dos anos foi colhendo, pesquisando ou transpondo o material organizado e/ou vivenciado, externando, em suas obras, o “universo da malandragem”, “das categorias humanas menos legitimadas”, analisando-o interiormente, registrando a autenticidade e reconhecendo o aspecto lingüístico deste contingente de pessoas que a sociedade marginaliza, segundo afirma Fábio Lucas, em seu ensaio Reflexões, incluído no número especial que a revista Remate de Males lhe dedicou em 1999.
A Malagueta, Perus e Bacanaço seguiram-se outras obras, centralizadas no universo espacial do Rio e especialmente de São Paulo, flagrando a realidade paulista urbana e suburbana, mas o coração de João Antônio, nas palavras de Flávio Aguiar (1999, p.114), “tinha o tamanho do Grande Rio, da Grande São Paulo, da América desamparada, sua linguagem era a de uma livre adaptação do ecce homo, seu abraço era com os miseráveis do mundo inteiro, e seu olhar abarcava tudo, reconhecendo, na opulência, a presença da miséria, e na miséria, a força da dignidade ou mesmo apenas da lealdade...”.
Para o crítico Antonio Candido (1999, p. 83), os contos de João Antônio representam, na literatura contemporânea, um incrível banho de humanidade.
Por outro lado, segundo Jorge Amado, um tempo conturbado como o período em que João Antônio viveu exige um escritor não apenas de pulso e de determinação mas também capaz de recolher e restituir os derradeiros grãos de ternura, de estabelecer um novo humanismo e João Antônio é esse escritor. (Apud Aguiar, 1999, p.117).
Segundo Lurdes Gonçalves (1983, p.3), João Antônio trabalha com “o lixo da vida” e com ele constrói beleza e poesia, somando ao talento e à experiência, o amor, a paixão pela gente que povoa seus livros admiráveis.
De acordo com Nelly Novaes Coelho (1968, p.7), João Antônio é poeta que olha devagar para seus irmãos e para o mundo e vê muito além dos simples contornos exteriores; é o escritor que redescobre o diálogo entre os homens e as coisas. Apesar de todas estas declarações, os críticos concordam, no entanto, não ser tarefa fácil a classificação do escritor e de sua produção.
De acordo com Fábio Lucas (1999, p.92), primeiramente João Antônio foi analisado pela temática abordada em suas obras, ou seja, pela fixação de tipos, personagens da marginalidade social. Em seguida, centralizaram-no na perspectiva da história da literatura, denominando-o “o Lima Barreto de São Paulo”, da fase de expansão industrial. Atualmente, é possível admiti-lo como um escritor acabado, dono de um estilo próprio, de uma profunda consciência literária, ou ainda, como afirma Nelly Novaes Coelho: “A arte de João Antônio é só sua: não há aparentes dívidas com ninguém”. (1968, p.7).
Devido à dificuldade encontrada na classificação da obra de João Antônio, invocaremos ainda mais dois críticos: Antonio Hohlfeldt (1986) e Malcolm Silverman (1981). Tanto um como o outro propõem uma certa classificação para a produção do ficcionista. O primeiro divide-a em “produção de ficção, do jornalismo e biografias”, e, por fim, “um misto de conto e reportagem”. (p.73). O segundo opta pelo critério do que seria “ficção ou realidade”, uma ficção de mãos dadas com o jornalismo, denunciando um Brasil que nem sempre é visto a olho nu e que é inenarrável pela grande imprensa. (p.118).
Hohlfeldt (1986, p.93) não se arrisca sozinho na qualificação da obra de João Antônio, servindo-se do conceito de Fausto Cunha, com quem está de acordo, quando afirma que “já em 1970, João Antônio surgia como uma das maiores revelações do conto destes últimos tempos”.
O crítico aponta que João Antônio, marcadamente a partir dos anos 70, aderiu a uma tendência que consiste em se fazer uma literatura “parajornalística”, próxima do realismo, levando a ficção a ter como modelo o jornalismo e mantendo esta grande influência até o fim de sua produção artística. Para João Antônio, o parajonarlismo tem como marco mais vivo o ano de 1975 e é através desse trabalho que se “poderia lançar muita luz sobre a compreensão de vários de nossos problemas, principalmente sociais, comunitários...”. (Apud Hollanda, 1979, p.62).
Acrescenta que, à semelhança de suas personagens, João Antônio estava fora do esquema, vendo-se obrigado, permanentemente, a uma luta “corpo-a-corpo” com a vida. Também ele, vivia à margem, “vivia prá lá de Bagdá” e, como suas personagens, foi herói e vítima do sistema social.
Pessoas que conviveram com João Antônio também deixaram registradas impressões pessoais sobre o escritor. Para Ellen Spielmann, ele detestava estar ao lado de quem venceu: ficava sempre do outro lado. Caio Porfírio Carneiro salienta que tudo o que rompia com os padrões estabelecidos, com a falsa moral burguesa, agradava a João Antônio. Fábio Lucas registra que a escolha do contista situa-se nos pontos em que as convenções tendem a romper-se. “Há um ataque à compostura, ao bom-tom e ao decoro burgueses.” (Lucas, 1999, p14, 76, 95).
Diversos críticos dedicaram e dedicam estudos ao escritor João Antônio. Mário da Silva Brito (1977) associa o ficcionista a Antônio de Alcântara Machado e a Damon Runyon, afirmando que, para João Antônio, “escrever é sangrar”, é um estado de determinação e sacrifício. Assis Brasil (1973) o coloca ao lado de Rubem Fonseca. Para Alfredo Bosi (1981), Malagueta, Perus e Bacanaço é ainda o melhor trabalho do escritor. Edna Savaget (Apud Bosi, 1981) afirma que jamais o submundo teve um intérprete tão eloqüente e carinhoso. Fausto Cunha, em 1970, já afirmava ser João Antônio uma das maiores revelações do conto dos últimos tempos.
Mark Scherer (Apud Nunes, 1969, p. 143) afirma que, em João Antônio, “o estilo não é o homem, mas sim, o assunto”. Da prosa do escritor emerge uma fraterna identificação com seus personagens, uma solidariedade que sabe esposar a intimidade, a essência daqueles que a sociedade marginalizava e marginaliza, deixando transparecer o gosto que tinha em olhar as pessoas anônimas e deixar acontecer por elas um sentimento atávico, uma intuição que vasculha pessoas e imagens.
Para Heloisa Buarque de Hollanda e Marcos Augusto Gonçalves, João Antônio merece um espaço considerável de discussão na imprensa e na universidade, especialmente a partir de 1975, quando, através de seu artigo Corpo-a-corpo com a vida, interfere de forma direta no conceito e debate literário, colocando-se contra o que ele denomina “posições beletristas”. O escritor acredita que há a necessidade do “levantamento de realidades brasileiras, vistas de dentro para fora”. Necessidade de que assumíssemos o compromisso com o fato de escrever, sem nos distanciarmos do povo e da terra. (Hollanda, 1980, p. 143-4).
No prefácio de Malhação do Judas Carioca, João Antônio (1975, p. 143) critica o marasmo em que se encontrava a literatura, ou seja, muita gente preocupada com “o acessório, o complementar, o supérfluo, ficando esquecidos o fundamental, o essencial”, especialmente entre 60 e 75, denunciando um distanciamento do escritor de certas realidades de nosso país, quadro este que, na visão do escritor, denuncia “o resultado de uma cultura precariamente importada e pior ainda absorvida, aproveitada, adaptada”.
Referindo-se a João Antônio, Thomas Wolfe (Apud Nunes, 1969, p.143) afirma que “só há gênio onde há energia, obsessão fanática pelo trabalho”, palavras que espelham a idéia que o próprio João Antônio possuía da literatura e do escritor. Em uma das cartas, enviada a Cassiano Nunes, com quem se correspondeu durante vinte e nove anos, o escritor revelou: “Sei que a literatura não dá dinheiro, nem nada. Não dá mais que uma cacunda, que um peso enorme nos ombros”. Não importa, já que as letras contêm “a significação maior de nossa vida”. Os “homens sérios, casados indissoluvelmente com o material, não têm um pingo de loucura e não valem sequer um diálogo de Shakespeare”, (carta de 19/11/67 a Cassiano Nunes), publicada no Estado de São Paulo, de 26/10/97.
O investimento num novo recorte para a figura do escritor, como profissional/batalhador, comprometido de peito aberto com a realidade brasileira, aparece marcadamente tanto nos textos de ficção como em artigos jornalísticos, escritos por João Antônio. Em entrevistas, o escritor reclama da falta de profissionalismo editorial. Afinal, nas palavras de João Antônio, “tudo o que um escritor ganha no Brasil é por acréscimo, nunca profissionalmente”. (1980, p. 49). Nas entrevistas promovidas por ele, enquanto repórter, a profissionalização do escritor também era assunto constantemente presente.
Duílio Gomes (1976, p. 3) afirma que João Antônio “não escreve com delicadeza, nem estilo pomposo, pelo contrário, descarna a alma do povo, mostra suas mazelas”, transcreve toda a sua gíria e angústia do dia-a-dia. Idéias estas que vêm ao encontro do pensamento expresso por João Antônio para o jornal Movimento, na entrevista Um escritor na República dos Bruzundangas, de 14/7/75, concedida a Flávio Aguiar, na qual o escritor fala desabridamente sobre a necessidade de uma literatura que se voltasse para áreas sociais e de comportamento, como futebol, umbanda, vida industrial, áreas proletárias e outras formas atuais de vida brasileira que, na opinião de João Antônio, “estão aí, inéditas, esperando intérpretes e interessados”.
Exatamente um escritor como foi João Antônio poderia nos dar lições que, na opinião de Ellen Spielmann (1999, p. 72-3), alimentam-se da profissionalidade do ofício, da inteligência, da sensibilidade, do estudo e conhecimento profundo do Brasil, refletindo in loco essas áreas sociais e de comportamento da vida brasileira.
João Antônio participou de várias equipes em jornais e tablóides alternativos como JB, Realidade, O Bondinho, EX, Panorama, Pasquim, Opinião, Movimento, Ovelha Negra, Última Hora do Rio, Crítica, Extra-Realidade, Versus, Coojornal, Paralelo, Repórter. Dedicou sua vida à literatura, conciliando (ou tentando conciliar, devido à necessidade) a vida de escritor de ficção ao trabalho jornalístico.
Mário da Silva Brito (1977) declara que, depois de o escritor andar disperso pelo jornalismo, produzindo reportagens da melhor qualidade, João Antônio retornava “ao domicílio da literatura” e afirma ser esta a sua “legítima residência”.
João Antônio foi encontrado morto, em seu apartamento, em 31 de outubro de 1996. Segundo artigo publicado na Revista Veja, morria “o craque do conto e da crônica”. Era o “fim de partida para um dos grandes ‘tacos’ da melhor literatura urbana brasileira”.
Aproveitando definição de Mário Lago (1978, p.5), acrescenta-se que, com ele, morria também “o repórter fuçador, escritor com olhos rodando 360 graus, cronista candidato a torcicolo de tanto virar a cabeça em todas as direções. Escritor continuando o repórter, repórter que passeia pela crônica como se estivesse em casa, na tranqüilidade do chinelo...”.
Concluindo essa breve apresentação do escritor, transcrevemos palavras de Fernando Paixão (1999, p. 70) que expressam, com propriedade, o julgamento e a sensibilidade que se tornam inerentes ao leitor e ao pesquisador que entram em contato com o universo criacional de João Antônio:
“Aprendo contigo, João Antônio, que a cor e o volume das pequenas coisas só chegam ao texto pelo esforço da atenção sensível – atitude cada vez mais rara em quem escreve, convenhamos.”


2. Algumas considerações: João Antônio, polígrafo

Exercer a liberdade é um ato de coragem.
(João Antônio, 1993, p.1)

2.1. O polígrafo

Para João Antônio, a “onda” de o escritor fazer de tudo não o agradava. Certa vez, declarou: “Esse movimento de o escritor ser ensaísta, poeta, crítico, ficcionista, isso é autêntico?” – questionou João Antônio – “Nós sabemos e a história literária brasileira e universal está aí: os legítimos polígrafos são raríssimos.” (apud Laurito, 1999, p.44).
Em Abraçado ao meu rancor, João Antônio (apud Spielmann, 1999, p.74) deixou, ainda, registrada a sua preocupação e reprovação quanto ao escritor ser um polígrafo:
Como vão as coisas neste país adjetivo, preferível e menos desastroso o sujeito ser apenas jornalista... Pior é, no país, o sujeito que, escritor, se mete a também jornalista. Aí perderá potencial maior – o tempo, a vergonha, o talento e o estilo ... além claro ... as deformações e vícios pequenos da classe média”.
João Antônio não concordava com essa versatilidade do escritor e não temos informações se mudou seu julgamento a respeito desse assunto. Contudo, mostrá-lo como um polígrafo é justamente o propósito central deste texto, especialmente no que concerne ao João Antônio crítico e cronista, ressaltando-se que, além de exímio escritor, foi excelente repórter, crítico e cronista.
É notório o imbricamento do João Antônio-ficcionista com o João Antônio-repórter, aspecto que pode ser constatado tanto em suas obras como em seus artigos, especialmente nos da Tribuna da Imprensa, nos quais recai nosso foco de interesse, ou seja, especificamente em sua produção de artigos para o referido jornal no período entre 1993 a 1996, veiculados na seção Tribuna Bis, totalizando os 133 artigos que constituem o corpus desse estudo.
Sem intenção de rotular, João Antônio definiu esses dois aspectos de sua atividade de escritor como aparentemente diferentes, mas que, no corpo-a-corpo de João Antônio com a escrita, não parecem divididos. As palavras de João Antônio (apud Gomes, 1965, p. 45) testificam a afirmação anteriormente proposta: “... não sei inventar coisa alguma – vivi todos os meus contos – partilhei dos sentimentos e da linguagem dos meus personagens”. É o repórter captando tudo e transformando o que viu em ficção e também é o ficcionista que se posicionou frente aos assuntos dos quais o jornalista havia de tratar.
João Antônio (apud Gomes, 1965, p. 12) deixou-nos, ainda que palidamente, a definição de sua “paixão”, ou obsessão pelo escrever, quando em entrevista declarou:
“...fui apanhado pela coisa. Só tive a opção de ir deixando que ela me fosse tomando conta ... A ficção é minha condução... Há entre mim e a ficção uma posse e uma entrega. E nesse laço ... não há nada pela metade. Jorro tudo o que tenho.”
Os depoimentos destacados a seguir servem, ao nosso ver, como demonstração de que mesmo o escritor não se preocupou em enquadrar sua produção nessa ou naquela tipologia textual, o assunto sempre emerge nas entrevistas concedidas por ele ou nos estudos referentes à sua produção escrita.
Em Evocação a João Antônio ou do purgatório ao inferno, Flávio Aguiar (1999, p. 118) registra seu ponto de vista crítico referente à escrita de João Antônio: “Um grande texto, de um grande repórter, uma crônica de mestre por um contista excepcional”. É com esse julgamento crítico que apresentamos o estilo de João Antônio que o leitor irá encontrar ao se lançar no “corpo-a-corpo” com os seus 133 artigos na Tribuna Bis.
Jesus Antônio Durigan (1986, p.6), por sua vez, em Otários & Otários & Otários, também enfatiza a particularidade de muitos textos de João Antônio serem marcadamente jornalísticos, exemplificando com Malhação do Judas Carioca e Casa de loucos. Outros, classifica como biográficos: Calvário e porres do pingente Afonso Henriques de Lima Barreto e Noel Rosa. Há, ainda, outros que se interligam e, ao mesmo tempo, ultrapassam categorias: Lambões de caçarola e Ô Copacabana, por exemplo.
Se no campo da ficção há esta interseção entre o ficcionista, o repórter, o biógrafo, o cronista, nunca esquecendo a visão crítica inerente ao escritor, é evidente que o mesmo comportamento irá ser evidenciado em seus artigos produzidos para a imprensa, desembocando no João Antônio crítico, também foco de nosso estudo.
Em Novos malandros de João Antônio, Jácomo Mandatto (1982, p.5) assim se refere a uma das obras do escritor, Lambões de caçarola: “Eu disse novela, como poderia dizer conto, reportagem ou romance.”
Ainda sobre o referido imbricamento, na entrevista João Antônio, ou A hora e a vez do anti-herói, ao ser questionado sobre a adjetivação “conto-reportagem”, atribuída a Um dia no cais, João Antônio declarou: “Nem conto, nem reportagem. Os editores para quem trabalho entenderam finalmente que eu sou escritor, mais que qualquer coisa.” (1968, p. 6).
Quanto à crítica literária referente à produção de João Antônio, Ruud Ploegmakers (1985, p.8), no seu artigo Frescuras do coração (parte do título de sua tese de mestrado sobre João Antônio), traça o perfil da crítica literária recente no Brasil, que ainda não se preocupa profundamente com a obra de João Antônio, sem desmerecer, evidentemente, algum outro crítico e não diminuindo o valor de comentários e análises feitos por críticos como Léo Gilson Ribeiro, Fausto Cunha, Antonio Hohlfeldt, Antonio Candido, Pilar Gomes Bedate, Cassiano Nunes etc.
Tanto Ruud Ploegmakers (1985) como Jesus Durigan (1986) afirmam que, na grande maioria, o que se tem em termos de crítica sobre João Antônio consiste em artigos veiculados em jornais que anunciam a publicação ou o lançamento de um livro do autor ou que dão as primeiras impressões do crítico. Assim, justificamos a bibliografia por nós utilizada como fundamentação das considerações referentes ao escritor e aos artigos por ele produzidos em Tribuna da Imprensa, considerações que talvez se ressintam de argumentos que corroborem nossas reflexões sobre a crítica elaborada pelo escritor.
Durigan afirma que a crítica auxiliou no espetáculo promocional dos livros do escritor, pretendendo muitas vezes formular grandes sínteses interpretativas de sua obra, porém de maneira insuficiente, porque não possibilita ainda a compreensão da produção literária do escritor, “camuflando a tessitura significativa da ficção de João Antônio” e impedindo, ao mesmo tempo, tanto o seu conhecimento como o lugar ocupado pelo autor no conjunto da Literatura Brasileira Contemporânea (1986, p. 2).
É imprescindível, ainda que deva ser sucinta, devido ao caráter deste capítulo, uma reflexão sobre a crítica literária, para, através desses apontamentos, tecermos nossas considerações sobre a crítica exercida pelo escritor João Antônio.

[Continua...]

Um comentário:

Unknown disse...

Salve David!
Não tenho palavras para descrever minha alegria e meu reconhecimento pela celebração dos Joões Antônios. Valeu meu irmão! Abraço. Antonio