quarta-feira, 20 de junho de 2007

Transas das sextas-feiras

Plínio Marcos

O moço bom saiu do trampo às seis da tarde. Como toda sexta-feira, fez uma horinha num boteco do centro; contou e escutou cascata, tomou uns uísques, pegou embalo e se picou pra casa da noiva. Pro moço bom, a vida era bela e a sexta-feira, um dia santificado: depois do trabalho, beber com os chapas, noivar até meia-noite e, depois, farrear nas bocas mais encardidas, onde as pistoleiras se badalam até de madrugada.
E viva o loque de sexta-feira, que não tem que trabalhar no sábado! Ele é a alegria do circo.
Na mesma hora, às seis da tarde, lá na Favela do Urubu com Fome - nas imediações da Barra do Catimbó, lugarzinho maldito encravado nas quebradas do mundaréu, bem onde o vento encosta o lixo e as pragas botam os ovos - a negritinha Odete Fuleira acordou seu companheiro Leléu, que estava curtindo uma retumbante ressaca, dando estrilo:
- Como é que é? Tu vai deixar a sexta-feira se esperdiçar ou vai sair pro trampo? Vê lá! A vida tá custando os olhos da cara. E não é com tu enchendo a caveira de cachaça todo dia que a gente vai adiantar o nosso lado.
Sem chiar, o Leléu escutou o quás-quás-quás, levantou, meteu o revólver na cinta e se mandou pra rua. Ele sabia que a piranha estava certa. Sexta-feira era um bom dia pra vagau escolado armar o pesqueiro.
O bom moço, por volta das oito da noite, encostou o carango na porta da casa da noivinha. Eufórico com os uisquinhos na cuca, estava ansioso pelo programa diferente de todas as sextas-feiras: jantar num restaurante bacana e depois ir ao cinema. Era o máximo, esse babado, pro moço bom e sua noivinha.
Com isso, ele calava a consciência na hora em que, no fim da farra, chegava a conta machucando o bolso, dando remorso e provocando o comentário de sempre da noivinha, lembrando que precisavam juntar dinheiro pra casar. Uma pala que deixava o moço bom ouriçado, pois ele achava que deviam aproveitar a sexta-feira, dia de comer bem, ver um bom filme, passear.
E viva o boêmio das sextas-feiras, o loque! Ele se diverte à toa, sai pra rua fazendo zoeira e gasta muito.
Mas o Leléu não estava a passeio; sexta-feira não é dia de malandro dar moleza. Juntou três vagaus meio pirados da cabeça, gente dura que não tem nada a perder, e deu o serviço:
- Vamos abafar uns trouxas. Afanamos um pé-de- borracha e saímos por aí fazendo desgraça. Quem vier nas minhas águas tem que vir pra não enjeitar quizila. A gronga que pintar na fita a gente topa. Se aparecer cana, é arrebite neles. É melhor ir falar com Deus do que com o delerusca.
A patota concordou. Então, queimaram maconha pra ganhar ferocidade. Nessa maldita fumaça, se picaram de raiva contra a humanidade. As frustrações todas subiram nas idéias. Falta de comida, falta de carinho, falta de tudo deu naquele time de gente sem faróis na vida.
Foi com essa pesada carga de sofrimento de tantos esquinapos que a curriola do Leléu, o Leléu da negritinha Odete Fuleira, saiu para desforrar num otário qualquer. A turma partiu lá da Favela do Urubu com Fome e começou a trilhar, naquela noite de sexta-feira, os estranhos, estreitos e escamosos caminhos do roçado do bom Deus.
Exatamente à meia-noite, o moço bom saiu do cinema com a noivinha. Conferiram no relógio, o sogro do bom moço era todo cheio de moral regulada por horário. Estavam atrasados e não perderam tempo: entraram no automóvel e se arrancaram. Iam chocados com o filme - eram tantos conflitos humanos escancarados que eles se entupiram - e com pressa de chegar; a moça pra evitar a bronca do pai, e o rapaz pra se mandar pra gandaia.
Porém (e sempre tem um porém), num cruzamento, o farol fechou. Na sexta-feira, ele jamais cruzava um farol fechado; é noite de bêbado e ninguém deve se fiar nos outros. O moço bom brecou. Aí, o Leléu saiu das encolhas com sua curriola. Cercaram o carango e encostaram as armas na cabeça dos dois, renderam o casal e deram as ordens:
- Abre a porta e nada de truque, senão dança.
O moço bom não era nenhum covarde, mas acreditava nas pessoas e gostava da vida. Se iludiu, certo de que podia ganhar a parada no papo. Sabia pouco sobre os lesados da sociedade. Enquanto os bandidos entravam, foi pedindo estia pra noivinha. Não teve colher de chá; foi levado com noiva e tudo pros confins das quebradas.
Os bandidos maquimbaram sua grana, seu relógio. E o pior: esculacharam sua noivinha. Aí, ele quis espernear, mas era tarde. O lugar se prestava pra um salseiro. O Leléu mandou cinco tiros no moço bom. Depois, matou a noivinha de quebra. E se espiantou com a turma no carango.
Era mais uma presepada de sexta-feira.

Nenhum comentário: