terça-feira, 11 de setembro de 2007

Um outro 11 de setembro que dói mais na alma da América Latina

Um cerco policial de 1500 homens deteve neste domingo 189 manifestantes e impediu que a Assembléia de Direitos Humanos do Chile marchasse até o Palácio de la Moneda, sede do governo, para homenagear o ex-presidente Salvador Allende e as vítimas do golpe militar de 11 de setembro de 1973.
Entre os manifestantes presos está a secretária-geral da Assembléia de Direitos Humanos, Mireya García.
Cerca de 6 mil pessoas se reuniram na Plaza Las Héroes para a tradicional marcha até o memorial do Preso Desaparecido no Cemitério Geral, e que inclui uma marcha até a sede presidencial.
Também participaram do protesto viúvas dos presos desaparecidos durante a ditadura de Augusto Pinochet, em sua maioria mulheres de idade avançada.
A prefeitura de Santiago não autorizou a marcha em frente ao palácio presidencial, isolando o prédio com 1500 policiais, e 189 manifestantes foram presos.


No dia 11 de setembro de 1973, quando o golpe militar comandado pelo ditador Augusto Pinochet derrubou do poder a Salvador Allende, o compositor e cantor Victor Jara foi preso com outros 600 estudantes na Universidade onde trabalhava. Levado para o Estádio Nacional em Santiago, nesse mesmo dia foi torturado e assassinado pelos militares. Dias depois, sua mulher, Joan Jara, identificou o corpo do poeta, fuzilado e com as mãos amputadas. No estádio, ele escreveu seu último poema.

Introdução de Joan Jara: "... Quando mais tarde me trouxeram o texto do último poema de Víctor, soube que ele queria deixar seu testemunho, seu único meio de resistir ainda ao fascismo, de lutar pelos direitos dos seres humanos e pela paz".

Somos cinco mil
nesta pequena parte da cidade.
Somos cinco mil.
Quantos seremos no total,
nas cidades e em todo o país?
Somente aqui, dez mil mãos que semeiam
e fazem andar as fábricas.

Quanta humanidade
com fome, frio, pânico, dor,
pressão moral, terror e loucura!

Seis de nós se perderam
no espaço das estrelas.

Um morto, um espancado como jamais imaginei
que se pudesse espancar um ser humano.

Os outros quatro quiseram livrar-se de todos os temores
um saltando no vazio,
outro batendo a cabeça contra o muro,
mas todos com o olhar fixo da morte.

Que espanto causa o rosto do fascismo!

Colocam em prática seus planos com precisão arteira,
sem que nada lhes importe.

O sangue, para eles, são medalhas.

A matança é ato de heroísmo.

É este o mundo que criaste, meu Deus?
Para isto os teus sete dias de assombro e trabalho?

Nestas quatro muralhas só existe um número
que não cresce,
que lentamente quererá mais morte.

Mas prontamente me golpeia a consciência
e vejo esta maré sem pulsar,
mas com o pulsar das máquinas
e os militares mostrando seu rosto de parteira,
cheio de doçura.

E o México, Cuba e o mundo?

Que gritem esta ignomínia!
Somos dez mil mãos a menos
que não produzem.

Quantos somos em toda a pátria?

O sangue do companheiro Presidente
golpeia mais forte que bombas e metralhas.

Assim golpeará nosso punho novamente.

Como me sai mal o canto
quando tenho que cantar o espanto!

Espanto como o que vivo
como o que morro, espanto.

De ver-me entre tantos e tantos
momentos do infinito
em que o silêncio e o grito
são as metas deste canto.

O que vejo nunca vi,
o que tenho sentido e o que sinto
fará brotar o momento..."


(Victor Jara, Estádio de Chile, Setembro 1973).

Nenhum comentário: