Maria Joana descansa na praça onde pede esmolas
(Foto: Paulo Liebert - Agência Estado)
Todos os anos, durante 10 meses a desempregada Maria Joana dos Santos, 48 anos, mora em sua casa humilde no bairro do Campo Limpo.
Quando chega novembro, ela junta suas tralhas e muda-se para a Praça Roger Patti, às margens da Avenida dos Bandeirantes. Daquele seu posto avançado de excluída social, Joana fica à espera da caridade cristã e do espírito natalino dos passantes.
Ela nunca pede. Confia na piedade das pessoas ao olharem para seu carrinho de catadora de sucatas, e a barraca mal-ajambrada onde cozinha e dorme até o dia do Natal. “Um me dá um quilo de arroz aqui, outro uma cesta básica ali, e assim vai”, diz.
Não volta para casa todas as noites, senão a condução come boa parte do magro dinheirinho ganho com a venda de latas e papelão.
Nesta sua temporada de pedinte, Joana consegue acumular quantia considerável de alimentos. “Dá pra comer por um tempão, e até dividir com parentes”, conta.
Neste ano, a “colheita” está mesquinha. “A Prefeitura tá fazendo muita propaganda pras pessoas não dar esmolas” queixa-se.
A perversidade dos agentes municipais também faz sua pontinha neste cenário de tristeza. “Veio uns caras da Prefeitura aqui, e disseram que iam jogar água em cima de nós, rasgar a lona da minha barraca, levar a sucata embora... Veio até polícia!”, relata Joana.
A Secretaria de Assistência Social diz que há uma grande quantidade de programas destinados aos sem-tetos permanentes ou temporários.
Todavia, ano a ano cresce o volume de seres humanos perambulando pelas ruas à busca de compaixão.
O Banquete dos Mendigos
Não pense tratar-se de uma peça de Fernando Arrabal, gênio do teatro do absurdo. É que ao citar a Secretaria de Assistência Social, lembrei-me de quando Evilásio Farias ocupou aquela pasta, como secretário da ex-prefeita Marta.
Em janeiro de 2001 Evilásio disse à imprensa que em seis meses acabaria com o problema dos sem-tetos de Sampa. Vai vendo...
Uma coisa feita por Evilásio e Marta para mendigos, e que ficou na história paulistana, foi o (falso) banquete do Páteo do Colégio. A mente luminosa destes políticos decidiu que depois da posse, o primeiro gesto da prefeita e seu secretário seria um almoço com indigentes no Marco-Zero de São Paulo.
Na hora do rango, choveu esmoleiros no pedaço. Segundo a Polícia Militar, mais de 700 pedintes boca-rica. Todos com a cuíca da fome roncando bem forte dentro dos fracos estômagos. O fuzuê ficou brabo. A fome apertando e nada de Evilásio e Marta porem a mesa.
No meio do furdunço, o pobre do diretor do Páteo do Colégio, padre Julio Fernandes, clamava aos repórteres: “E agora o que eu faço? Conto pra esse povo que não tem comida?”, enquanto esforçava-se para fechar a porta empurrando-a conta a massa famélica.
A ex-prefeita e seu secretário não admitiram o erro, mas a verdade foi uma só. Eles haviam preparado um almoço restrito para 50 líderes dos mendigos. A notícia esparramou-se pelos becos e vielas. “Êba! a loura e o barbicha vem comê com nóis!”, foi o grito que rolou pela Ladeira General Carneiro, subiu pelos cortiços do Bixiga, embrenhou-se pelos muquinfos do Glicério...
Quando a senhora-prefeita e seu secretário chegaram às 13h20, a coisa ameaçou transformar-se em grossa pancadaria naquela praça cheia de barrigas vazias. O jeito foi comprar quase mil marmitex de última hora, e distribuir à rodo para a legião de esfomeados.
Enquanto os excluídos do banquete devoraram suas “quentinhas” sentados na calçada, dentro do salão madame Marta Tereza Smith Vasconcelos Suplicy e seu secretário serviam a seus 50 convidados arroz branco, feijão, salada de alface, tomate e cebola, farofa, carne com legumes, refrigerante e, de sobremesa, frutas.
Entre uma garfada e outra, madame Marta chamava os comensais de “meu amigo” “minha amiga”. Mas a digestão empelotou com as pérolas verbais do secretário durante o repasto. Uma de suas frases deve ter tirado o Padre Anchieta de seu sono eterno. Enquanto servia mais um bocado de picadinho à madame, Evilásio trovejou: "Esse almoço indica o início do fim do calvário dos moradores de rua".
A pedinte Maria Joana que o diga, nénão?
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