- Êi, David! O Joãozinho da Intercap morreu – gritou meu parceirão Ariovaldo Pinheiro da Silva, o Ari do Marabá.
O Pezão e eu estávamos no melhor da degustação da cerveja e da vitória do meu glorioso alvi-negro praiano sobre o curíntia. Pôxa!, que infarto mais sacana e fora de hora foi levar meu sócio de tantas presepadas...
De todos os episódios que convivemos, o mais marcante foi a mãe dele, dona Vitória, morrer e vir se despedir no meu sonho. Quando vi o fuscão amarelo do Joãozinho encostar no boteco do Bié, já desafivelei o peito, e entre lágrimas ele entendeu tudo: “Ela mesma já te contou, né?”
Por chamar a tudo e todos de carniça, João Gualberto dos Santos ganhou seu apelido. Sua alcunha anterior era João Rato. Isto vinha dos seus tempos de vendedor de miudezas para bares na periferia, e vocês podem imaginar o porquê.
Agora que ele é inquilino do Cemitério da Saudade, pintou muito sujeitinho à-toa de Taboão falando do Joãozinho com cara de hagiógrafo improvisado: “Ah!, ele foi meu companheiro de partido político... Oh!, lembro dele da Pastoral... Ai!, o João foi candidato a vereador na mesma eleição que eu... Ôôôô... como ele brigava nas reuniões dos amigos dos bairros...”
Hipócritas. Quase ninguém gostava do Joãozinho, assim como ele também não ia com a lata de muita gente.
Quanto à militância política, fundação de sociedades amigos de bairros, etc., fazíamos tudo isto pra infernizar. Consciência cidadã é coisa de viado. O que a gente tem de ser mesmo, é pedra no sapato dos manda-chuvas, espinho na garganta dos hóspedes do poder, carne-de-pescoço pra quem acha que pode tudo. Quando reacendemos o conselho municipal das entidades de bairros, foi porque a grande maioria dos presidentes estava (e continua) de quatro para prefeitos e vereadores. Manipulamos também muitas eleições; eu até que levava jeito pra redigir atas de assembléias que jamais aconteceram. Nas plenárias dos conselhos de segurança, só poupávamos o delegado Jacques, pois além de ser polícia verdadeiro, é leitor de Dostoiévski.
Uma vez João Carniça e eu fomos ao escritório do Mário Covas, levar um documento espinafrando o nosso prefeito da época. A intenção era queimar o filme do prefeito com os bam-bam-bans do PMDB. O teor da esculhambação chegou até o alcaide. Um belo dia, João e eu estávamos na entrada da Secretaria dos Negócios Metropolitanos, quando o iracundo prefeitinho saiu do elevador. Pôrra, o cara, apesar de não valer nada, estava investido de autoridade, e cagou em nós em público. Achincalhados pelo calhorda, fomos tramar nossa vingança entre as brahmas e a bruma do Largo da Batata.
Acho que São Pedro ia com a nossa cara, pois dias depois uma enchente vergonhosa cobriu o bairro que João Carniça presidia. A munição dos desabrigados contra o tal prefeitinho foi generosa e fartamente servida por nós.
João Carniça, seu Mané, Geraldo e eu gostávamos muito de planejar constrangimentos a políticos. A maioria destes vudús se esvanecia na cachaça e nas gargalhadas. João era o que menos (e quase nada) bebia – não precisava; ele já era atrapalhado das idéias desde a nascença. Começávamos pelo butiquim da dona Palmira, passávamos para a Padaria Auto-Estrada, e com os pés encharcados de água com sabão em pó fechávamos a noite no extinto restaurante Bom Prato. Ríamos tanto das desgraças planejadas que os ossos das costelas rangiam.
Joãozinho era tão sacana, que quando o atual prefeito de Taboão foi candidato a vereador em 1988, ele prometeu que me ajudaria na coordenação da campanha. Nunca deu as caras no comitê. Passados dias da eleição com vitória do tal político, lá vem o Carniça: “Preciso receber as despesas de boca-de-urna e combustível. Leva estas notas pro seu vereador”. O pilantra colou uma porção de adesivos do tal candidato no carro pela única vez no próprio dia da eleição, vestiu uns gatos pingados com o traje da campanha, tirou uma foto, e veio pra cima de mim com o golpe. “Ô, João! Eu até vou arrancar a grana do vereador pra você, mas você não fez pôrra nenhuma, esta foto é uma farsa”. Pagaria pra vocês verem a cara sonsa do falsamente ofendido João Carniça. Lógico que torramos aquela bufunfa toda na esbórnia.

Eu que não creio, espero que ele encontre a paz eterna pela qual tanto almejava. E se houver Céu (não posso concordar com idéia tão pueril) que ele converse bastante com meus velhos queridos amigos que também já se foram: o jornalista Waldemar Gonçalves, o líder comunitário João Clemente Alves, enquanto dona Vitória lhes prepara uns bolinhos literalmente de chuva.
Um comentário:
David da Silva, está excelente seu blogger e o nome não poderia ser outro. Como estou morando em Jundiaí, não soube que o João Carniça havia mudado de enderêço. Pois é amigo, mais uma prova que não dá para engolir a seco certos mundinhos, ou seja: só bebendo umas. mas o João dentro da sua "bugrice" encomodava muita gente com suas "verdades e mentiras".
PS.: Com relação à Márcia Ferro, não podemos deixar de lembrar que foi pioneira na arte do sexo teatral. O espetáculo que fomos assistir está marcado em minha memória, da mesma forma, que está marcado espetáculos como "Eles Não Usam Black-Tie" e "Gimba, o Presidente dos Valentes".
Estou trabalhando na Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Várzea Paulista. marca o meu e-mail: o.stocker@ibest.com.br
Abs
Gaucho
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