domingo, 22 de junho de 2008

Marcha Nupcial para pandeiro e cuíca


Sempre achei bonitas aquelas partituras "Sonata para violão", "Sinfonia para piano e orquesta",e coisa e tal.
Pois no Rio, uma das partituras mais executadas no momento é a do título desta postagem. Casais em fase pré-matrimonial não querem mais contratar organistas e cantores para o dia do enlace. Meu amigo Ary Marcos ficou maluco quando leu no O Globo que noivos estão contratando passistas e batuqueiros para suas cerimônias de casamento. Isto lhe inspirou a crônica:
Cenas de um casamento
Por Ary Marcos
Mestre-Sala e Porta Bandeira riscam o chão de poesia. Ao invés de padrinhos sizudos tentando disfarçar a cachaça sorvida às pressas no boteco da esquina próxima do cadafalso, são alas de padrinhos-compositores.
Nada de damas de honra, mas a ala das Baianas que trazem buquê de rosas, que exalam o perfume roubado de nós, os ritmistas, marcando com vontade os "sins" eternos do Samba do amor vivido, do amor demais ditado pelo apito do mestre de bateria.
- Mas cadê o altar? Tiraram o altar daqui? Cadê o padre? Cadê o pastor? Cadê o juiz? Cadê os padrinhos? Que absurdo!!! Como podem..
- Minha cara senhora. Estamos num terreiro..., desculpe..., de Samba, e este casamento é prá valer, é à vera. Não tem altarpadrepastorjuizpadrinho, gente enchendo o saco, só os noivos. Também não tem hipocrisia vestida de tafetá e ornamentos alugados em cima da hora. Tudo aqui é sincero e divertido, minha cara senhora, e o Samba, este também de verdade, não tem hora prá acabar, minha cara senhora.....
- Mas que absurdo...
- Ah!, e outra coisa minha cara senhora, Deus está sabendo de tudo, viu?
Todo casamento é bem melhor assim, ao som de pandeiro e tamborim, casamento sem desenganos, erguidos ao infinito da paz, celebrados em tom maior, e versados galantemente pelo compositor extasiado de sapato branco e chapéu de palha. Casamento assim é bem melhor. Casamento mancomunado com a felicidade, infectado pelo virus da vontade de amar e que não falha na hora de dizer que o amor é eterno, e dura enquanto é eterno. Casamento sem lembrancinhas, mas com lembrançonas de ressacas sinceras, de porres divinais em que os convivas descasados, ou que ainda estão por vir, derramam lágrimas de emoção, ou de saudades, saudades de um tempo que já não existe mais, dos tempos em que abandonaram seus casamentos, que juraram ser indissolúveis e acreditavam nisso.
Estarei sempre convidado para um sambamento, eternamente penetra, de fígado combalido, de alma sã, de coração não leviano. Estarei sempre presente e, permanentemente, serei testemunha de todos esses descalabros em nome da felicidade, da alegria contagiosa e anárquica. Levarei sempre para estes enlaces, não presentes, mas meu violão, cavaco, pandeiro e tamborim, chapéu de palha e espírito afinado em Tom Maior.

Ary Marcos Pero Gonçalves da Motta é músico, compositor, e criador do projeto Refúgio do Sambista.
É também produtor musical e representa vários grupos de Samba.




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