segunda-feira, 28 de julho de 2008

A benção, João Antonio!

O dia de hoje me lembra que exatamente no mês de julho de 1968, a extinta revista Realidade foi às bancas com a segunda reportagem do jornalista-escritor João Antonio (foto acima) para aquela publicação. Antes, ele havia trabalhado no Jornal do Brasil.
Passados 40 anos, o jornalismo brasileiro jamais produziu um trabalhador dos fatos e das palavras à altura deste osasquense imortal.
João Antonio, acompanhado do fotógrafo Francisco Nelson, deu o primeiro e corajoso mergulho jornalístico no mundo amaldiçoado dos informantes da Polícia. Profundo conhecedor da alma dos subúrbios, João Antonio tocou numa das feridas mais sensíveis da periferia: o cagüeta, dedo-duro, delator, Judas, traíra, dedo-de-seta.
O trecho abaixo é um petisco da magnífica reportagem.
Vão saboreando aí, que vou correr na banquinha e fazer meu jogo-do-bicho: 28 era o número da edição da revista em que saiu esta matéria; hoje, é dia 28. É carneiro na cabeça!!!

“Onze e meia da noite no subúrbio. Num terreno escuro e baldio, cinco homens formam uma roda. Fala o crioulo Macalé:
- É hora. O Carioca ficou de passar aqui na quebrada para comprar os bagulhos.
Nenhum dos outros responde. Há um silêncio, a espera está pesando. Um dêles acende um cigarro estranho, fininho. Aspira fortemente, mais, mais, fazendo uma sucção demorada, nervosa. E passa o cigarro ao próximo. No escuro, a brasa do cigarro andando, parando, andando, é o que melhor aparece.
Chega o esperado. Cumprimenta com voz macia. Disposto, bem humorado:
- Olá, meus compadres! Estamos a bordo. Como é que é? Trouxeram os bagulhos?
O crioulo tem a seus pés duas malas de viagem. Abre uma. Lá dentro, alguns eletrodomésticos. Retira um rádio de pilha. Convida:
- Chega mais, meu camarada. Vem apreciar a mercadoria.
Subitamente, rápidos, acesos, dois homens, armas na mão, faroletes, invadem o terreno:
- Aqui é cana! Todo mundo de mão pra cima.
Os revólveres e a viatura policial se aproximando paralisam os homens da roda. Não há movimentos. Descem mais três homens da perua. Agem rapidamente, vão metendo as algemas. A porta traseira da viatura é arreganhada, num tranco. Um dos tiras investe, de supetão, aos gritos:
- Pra dentro!
O crioulo Macalé quer ensaiar qualquer coisa:
- Mas isto foi cagüetagem! Alguém aqui abriu o bico.
O tira interrompe aos safanões:
- Foi... foi uma droga. Pra frente, ô rapaz! Você vai é entrar no pau!
Os outros policiais perdem a paciência. Um, dois, três tapas estalam. Torcem braços, exigem urgência.
- Pra dentro, cambada!
Um homem, aos trambolhões, é o primeiro a ser enfiado na perua. Vai debaixo de bofetões e pontapés. É quem mais apanha, cabeça encolhida se guardando das pancadas. E aquele um que Macalé disse que ia comprar os bagulhos. É o chamado Carioca.
Mas seu nome não é Carioca.”

Gostaram?
Como o dono deste boteco imaginário “tá de boa” hoje, vejam
aqui a cópia fiel da reportagem QUEM É O DEDO DURO?

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