quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Trilhos mortais

Uma estatística macabra me fez lembrar de uma entrevista muito louca, que li tempos atrás num blog peculiar (também com nome de bar) do qual virei freguês.
Primeiro os fatos. Nos últimos 8 dias, 5 pessoas foram mortas atropeladas por trens em 3 regiões metropolitanas espalhadas pelo Brasil. A seqüência funesta começou na tarde da 5ª-feira em Itaguaí, na baixada fluminense. Um homem de 54 anos teve seu carro enguiçado justamente quando transpunha a ferrovia. Ele conseguiu tirar a família do veículo, mas foi colhido de raspão por um trem quando empurrava o automóvel para fora da linha. Morreu horas depois no hospital.
Na noite daquele mesmo 9 de outubro, por volta das 23h30, outras duas pessoas foram atropeladas e mortas por um trem, quando atravessavam a via férrea próximo à estação Engenho Novo, também no subúrbio carioca.
Na manhã do sábado 11 de outubro, um homem de 61 anos tentou atravessar a linha do trem na região metropolitana de Fortaleza (CE) e foi esmagado por uma locomotiva.
Na tarde do domingo 12 de outubro, uma empregada doméstica de 39 anos, deficiente mental, jogou-se na frente de uma composição, na periferia de Natal (RN).
Estas tragédias trouxeram-me à lembrança uma entrevista do repórter Fausto Salvadori Filho (dono do blog Boteco Sujo) com um maquinista.


O maquinista
(publicada em 18.mai.2005)

Um tio. A quem não faltam nem o bigode e os cabelos grisalhos. E oito processos por homicídio nas costas.
Todos sem intenção (culposos, no jargão jurídico), cometidos durante os 20 anos em que pilotou os trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
— Nem são tantos homicídios assim. Dá menos de um por ano. Tem gente por aqui que já matou muito mais.
Dois de seus crimes, ele nem chegou a ver. Foram passageiros que caíram, ou se jogaram, do trem em movimento. Os outros foram imprudentes atropelados enquanto andavam sobre os trilhos. O maquinista, explica, responde criminalmente por todas as mortes provocadas pelo trem. Acaba sendo absolvido de todos, mas só depois de passar pela encheção de saco de idas ao fórum, depoimentos, juízes e audiências.
Conversamos na cabine, ele de olho nos trilhos à frente. Um cachorro nos trilhos. O maquinista buzina e consegue desacelerar a tempo de salvar a vida do bicho.
- Eu sinto mais se atropelo um cachorro do que uma pessoa.
- Por quê?
- Porque quando atropelo um cachorro não volto mais cedo para casa, rarará. Brincadeira. É que um cachorro não tem obrigação de saber que por aqui passa um trem. Gente sabe e se arrisca porque quer.
O maquinista explica que muitas mortes são inevitáveis. Os trens chegam a atingir 80 km/h, e as freadas não podem ser bruscas demais para não ferir os passageiros. Por isso, ele não sente culpa.
O jeito desencanado com que o maquinista lida com as mortes, deixou chocada uma psicóloga da empresa, com quem teve de falar após um dos seus homicídios involuntários. Ele conta o diálogo:
"- Como você se sente?
- Ué, normal.
- Mas você matou uma pessoa. O que você vai fazer agora?
- Chegar em casa e tomar uma cerveja.
- Por quê?
- Porque, quando eu não mato ninguém, faço a mesma coisa.
- Mas como você consegue dormir?
- De olhos fechados.
- Quer dizer... como fica sua cabeça?
- Em cima do pescoço.
- Ai, você é muito insensível!"
O maquinista sorri, com seu jeito tranqüilo de tio, e conclui:
- Ela me deu um daqueles... como é? Florais de Bach. Para aumentar minha sensibilidade. Eu usei, mas não deu certo.

2 comentários:

Marco disse...

Rapaz.... Que parada!
Quer dizer que aquela famosa cena de suspense, com um carro enguiçando em cima dos trilhos com um trem vindo já aconteceu? Caramba...
Esse maquinista é bem pragmático. Deve ser por conta da profissão...
Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.

David da Silva disse...

É o tipo da postagem que a gente gostaria de não fazer, Marcos.
Infelizmente, pela indiferença que o hábito gerou no maquinista, concluo que o número de mortos sobre os trilhos é bem maior do que a imprensa nos dá conta.
Evoé!!!