Primeiro os fatos. Nos últimos 8 dias, 5 pessoas foram mortas atropeladas por trens em 3 regiões metropolitanas espalhadas pelo Brasil. A seqüência funesta começou na tarde da 5ª-feira em Itaguaí, na baixada fluminense. Um homem de 54 anos teve seu carro enguiçado justamente quando transpunha a ferrovia. Ele conseguiu tirar a família do veículo, mas foi colhido de raspão por um trem quando empurrava o automóvel para fora da linha. Morreu horas depois no hospital.
Na noite daquele mesmo 9 de outubro, por volta das 23h30, outras duas pessoas foram atropeladas e mortas por um trem, quando atravessavam a via férrea próximo à estação Engenho Novo, também no subúrbio carioca.
Na manhã do sábado 11 de outubro, um homem de 61 anos tentou atravessar a linha do trem na região metropolitana de Fortaleza (CE) e foi esmagado por uma locomotiva.
Na tarde do domingo 12 de outubro, uma empregada doméstica de 39 anos, deficiente mental, jogou-se na frente de uma composição, na periferia de Natal (RN).
Estas tragédias trouxeram-me à lembrança uma entrevista do repórter Fausto Salvadori Filho (dono do blog Boteco Sujo) com um maquinista.
O maquinista
(publicada em 18.mai.2005)
Um tio. A quem não faltam nem o bigode e os cabelos grisalhos. E oito processos por homicídio nas costas.
Todos sem intenção (culposos, no jargão jurídico), cometidos durante os 20 anos em que pilotou os trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
— Nem são tantos homicídios assim. Dá menos de um por ano. Tem gente por aqui que já matou muito mais.
Dois de seus crimes, ele nem chegou a ver. Foram passageiros que caíram, ou se jogaram, do trem em movimento. Os outros foram imprudentes atropelados enquanto andavam sobre os trilhos. O maquinista, explica, responde criminalmente por todas as mortes provocadas pelo trem. Acaba sendo absolvido de todos, mas só depois de passar pela encheção de saco de idas ao fórum, depoimentos, juízes e audiências.
Conversamos na cabine, ele de olho nos trilhos à frente. Um cachorro nos trilhos. O maquinista buzina e consegue desacelerar a tempo de salvar a vida do bicho.
- Eu sinto mais se atropelo um cachorro do que uma pessoa.
- Por quê?
- Porque quando atropelo um cachorro não volto mais cedo para casa, rarará. Brincadeira. É que um cachorro não tem obrigação de saber que por aqui passa um trem. Gente sabe e se arrisca porque quer.
O maquinista explica que muitas mortes são inevitáveis. Os trens chegam a atingir 80 km/h, e as freadas não podem ser bruscas demais para não ferir os passageiros. Por isso, ele não sente culpa.
O jeito desencanado com que o maquinista lida com as mortes, deixou chocada uma psicóloga da empresa, com quem teve de falar após um dos seus homicídios involuntários. Ele conta o diálogo:
"- Como você se sente?
- Ué, normal.
- Mas você matou uma pessoa. O que você vai fazer agora?
- Chegar em casa e tomar uma cerveja.
- Por quê?
- Porque, quando eu não mato ninguém, faço a mesma coisa.
- Mas como você consegue dormir?
- De olhos fechados.
- Quer dizer... como fica sua cabeça?
- Em cima do pescoço.
- Ai, você é muito insensível!"
O maquinista sorri, com seu jeito tranqüilo de tio, e conclui:
- Ela me deu um daqueles... como é? Florais de Bach. Para aumentar minha sensibilidade. Eu usei, mas não deu certo.
2 comentários:
Rapaz.... Que parada!
Quer dizer que aquela famosa cena de suspense, com um carro enguiçando em cima dos trilhos com um trem vindo já aconteceu? Caramba...
Esse maquinista é bem pragmático. Deve ser por conta da profissão...
Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.
É o tipo da postagem que a gente gostaria de não fazer, Marcos.
Infelizmente, pela indiferença que o hábito gerou no maquinista, concluo que o número de mortos sobre os trilhos é bem maior do que a imprensa nos dá conta.
Evoé!!!
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