segunda-feira, 6 de abril de 2009

Adelino Moreira, Aloisio e uma micção mística


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Na segunda vez que Aloísio e eu fomos à casa do compositor Adelino Moreira, meu amigo teve uma experiência mística. E num lugar incomum, como veremos adiante.
Antes, conto duas presepadas que protagonizamos no trajeto. Ao invés de ir para Campo Grande (bairro com 300 mil moradores a oeste da cidade do Rio de Janeiro) pela Estrada de Madureira (que cruza a sofrida Nova Iguaçu) pegamos um atalho por Seropédica – a metade do caminho.
Já dentro do bairro onde Adelino morou por 83 anos – chegou ali com seus pais quando tinha apenas um ano de vida – paramos num boteco para confirmar se estávamos no caminho certo. O dono da bodega nos corrigiu a rota, e em agradecimento mandamos duas marias-moles pela garganta. Daí o botequineiro cometeu o seu palpite infeliz: “Voces vão visitar o Adelino? Ééé... ele está muito acabado agora...” Meu mano Aloísio engatou a segunda maria-mole enquanto recolhia o troco, e alvejou o comerciante: “Se ele estivesse acabado, nós não estaríamos vindo lá de Taboão da Serra pra vê-lo pela segunda vez”. Ao sair da espelunca vimos que havia um bueiro aberto bem entre as rodas do carro – nenhum de nós tinha visto o buracão antes; escapamos por milímetros...
Já perto da casa do artista, paramos em um posto de gasolina. Numa manobra descuidada, nosso carro bateu na lanterna de outro veículo. Desce uma morenaça daquelas, com um celular na mão: “Vem pra cá. Doisch paulischtasch bateram no meu carro.” Falamos pra mina que era só chamar a viatura do trânsito e fazer a ocorrência, que o seguro pagaria o estrago. “Nada de polícia. Já tem gente minha vindo pra cá”. Falei: “Aloísio, um mulherão destes numa quebrada como esta, só pode ser mulher de traficante” Rapidamente fizemos um cheque que daria para a escultura feita de carne marron fazer uma lipoaspiração, e nos mandamos pra casa do velho Adelino.
Xixi metafísico
Antes do almoço, enquanto recolhíamos mais histórias saborosas do rei da boemia, lavávamos o espírito com a cervejinha servida pela esposa do autor. Lá pelas tantas, com a bexiga cheia e a alma plena, Aloísio foi ao banheiro ao lado da varanda onde conversávamos. De pé diante do mictório, ele se pos a cismar: “Isto aqui não é um banheiro qualquer, onde qualquer cachaceiro entra. Vai-se saber quantas vezes o Nelson Gonçalves não esteve aqui, na mesma posição que eu, mijando e talvez até ensaiando algum de seus grandes sucessos... Quantas vezes o ‘seo’ Adelino não terá entrado aqui, pensando numa frase ou melodia bonita para um samba-canção?”.

Um ano depois de nossa última conversa, Adelino faleceu. Foi encontrado morto no corredor da casa, a caminho da varanda onde trocamos derradeiras palavras. Quem garante que não estava indo ao famoso banheiro?

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