terça-feira, 30 de março de 2010

Podia ter parado antes do fim

Para Nilson Latorre, in memorian
Para Luiz Bezerra da Silva, o Gonzaguinha
– aquele que entorta, mas não quebra

Tava ciscando ali pelo Largo do Taboão no comecinho da tarde de hoje, vindo de um problema e indo ao encontro da solução, quando me peguei (sem quê nem pra quê) cantarolando a música O Cidadão.
A lembrança da letra veio forte, marruda. Introjetei tanto e tão intensamente o personagem da canção, que o olhar do velhinho aqui marejou. Nunca antes na história da minha pobre vida chorei ao cantar esta música em rodas de amigos. Por quê os versos do compositor Lúcio Barbosa levaram meu peito a nocaute naquele instante, só os deuses é quem sabem...
Entrei no banco com os olhos vermelhos e úmidos de emoção. Quem reparasse com certa indiscrição, haveria de pensar que eu retirava grana do caixa pra comprar caixão de defunto prum parente ou amigo querido.
Porém (como dizia Plínio Marcos: “sempre tem um porém”) jamais canto O Cidadão até o final. Odeio aquela terceira e última parte. As primeira e segunda estrofes são esplêndidas, precisas na sua denúncia poética e melodiosa. Botaram na boca do povo versos lindos comparáveis aos do Poetinha em Operário em Construção.
Espero não ofender o bom compositor Lucio Barbosa. Não teria problema nenhum ele parar a composição na segunda parte. Tchaikovsky, Schubert, Mozart e o colossal Beethoven também deixaram sinfonias magníficas inacabadas.
Assim, na opinião leiga, mas apaixonada deste escrevinhador rabugento, a canção O Cidadão ficaria melhor enxuta daquela pieguice de elogiar o padre só porque o peão de obra pode entrar na igreja que construiu.

Ali pertinho
De cada 10 pessoas que ouvem O Cidadão, nove pensam ser composta por Zé Geraldo. Mas ele é apenas o cantor. Esta música virou sucesso retumbante em todo o Brasil em 1979, quando Zé Geraldo a gravou (ouça)
Depois, esta singela, mas consistente composição ganhou interpretações magistrais nas vozes de gente muito importante como Luiz Gonzaga e Renato Teixeira. O Cidadão atravessou fronteiras, e foi gravada em castelhano no Uruguay pela dupla Larbanois & Carrero no ano de 1980.
De novo brincando com números, de cada 100 pessoas da nossa região que já ouviram O Cidadão, 90 não fazem idéia que seu autor mora bem perto de nós, num sitiozinho de Itapecerica da Serra.
Lucio Barbosa dos Santos é poeta e músico negro nascido em Senhor do Bonfim, no sertão da Bahia. O Cidadão foi composta em homenagem ao pedreiro Ulisses, tio do artista.

Nenhum comentário: