Quando Eddie Ferraz, Joselito Gazza e Sérgio Carozzi festejaram oito anos do espetáculo Soltando o Verbo, abrimos uma garrafa aqui
Esta trinca de ases do teatro da nossa região estreou Soltando o Verbo na noite de uma quinta-feira, dia 10 de maio de 2001, no Cemur (Centro Municipal de Recreação e Cultura) de Taboão da Serra. Hoje já somam mais de 600 apresentações para aproximadamente 120 mil pessoas. O trio levou o espetáculo a espaços importantes do cenário cultural paulista como Memorial da América Latina, Teatro Paulo Eiró, Centro Cultural Amácio Mazzaroppi, Sesc, e se apresentou até em favelas.
Sacudindo o respeitável público
É nesse cenário espartano que os três atores conduzem a plateia a uma viagem alucinante pelo reino encantatório das palavras.
Carlos Drummond de Andrade nos manda penetrar “surdamente no reino das palavras”. Desobedecendo o poeta, os três protagonistas de Soltando o Verbo penetram com estardalhaço nos domínios da fala humana.
A entrada do elenco em cena se dá por trás da plateia. Os atores vêm batucando desde longe, fora da sala do espetáculo. Irrompem teatro adentro num batuque infernal por entre os espectadores, e quando sobem ao palco o público já está arrebatado.
Nesta entrevista, o trio resgata sua trajetória nos últimos nove anos, e conta como o teatro entrou na vida de cada um deles.
Como e quando vocês se depararam com a peça Soltando o Verbo?
Joselito Gaza – o interesse começou quando um grupo de Ribeirao Pires trouxe uma montagem desta peça aqui no Cemur, em Taboão da Serra, numa fase regional do mapa cultural paulista. Depois disto, o Luciano Santiago, que dirigiu as nossas primeiras montagens da peça, e o ator Paulo Brito, que já tinham convidado o Serginho para encenar, foram na minha casa. Me deixaram o texto. No verso do papel eles já me intimaram escrevendo: “Passo aqui tal hora pra te pegar”. Fizemos a primeira leitura da peça num apartamento da tia de uma colega de teatro, no conjunto Inocoop, no Parque Pinheiros.
Sérgio Carozzi – Parece que são vários os destinos. Na época, aqui em Taboão a gente já tinha uma tradição com a comédia por causa do Amaury [Alvarez, coordenador do Projeto Ademar Guerra de formação teatral, em 1997]. Só que o Amaury fazia com a gente um estilo de comédia de gabinete, tradicional, com textos de Martins Penna, Lauro César Muniz, e tal. E tinha uma vontade já, do Joselito, do Paulo Brito e minha, de trabalhar com um elenco menor e um texto mais contemporâneo. Quando vimos o Soltando o Verbo com a trupe lá de Ribeirão Pires, vimos ali um caminho. É uma peça sem cenários, sem personagens. Só tem elementos, coisas mais simples, móvel, pode ser encenada em qualquer lugar... Permite uma troca direta com a plateia.
Eddie Ferraz - Quebra a quarta parede.
Quanto tempo durou esta etapa de ensaios com Paulo Brito, Joselito e Sérgio?
Joselito Gaza – Ficou mais ou menos uns dois meses.
Como foi a escolha dos papéis?
Sérgio Carozzi – Foi na moeda, porque uma das falas era para atriz.
Joselito Gaza – A peça foi concebida para dois atores e uma atriz, e a fala da mulher caiu para mim. Soltando o Verbo foi escrita pelo Zé Carlos de Andrade em 1996. É um exercício teatral escrito originalmente para dois atores e uma atriz de Osasco.
Onde vocês ensaiavam?
Joselito Gaza – Na época o Luciano Santiago trabalhava na Prodesp, e conseguiu um espaço bacana pra gente ensaiar lá todas as noites.
Eddie, como é que você veio parar nesta encrenca aqui?
Eddie Ferraz – O Paulo Brito teve de parar com a peça porque foi fazer curso de teatro e trabalhar como assessor na Câmara de Vereadores.
Enquanto o Joselito e o Sérgio quebravam cabeça pra achar um substituto pro Paulo Brito, o que você estava fazendo?
Eddie Ferraz – Eu tinha acabado de fazer A Morte do Imortal, e dava aulas de comunicação e expressão para internos da Febem tendo o teatro como base. Paralelamente estava na produção da Paixão de Cristo.
Sergio Carozzi – Daí me veio a idéia de chamar o Eddie pro Soltando o Verbo.
Joselito Gaza – Ficamos na expectativa: “Será que ele aceita?”
Sergio Carozzi – Tinha outro lance. A gente pensava: “O Eddie, mano? O cara é relaxado, vagabundo, não vai em ensaios..."
Joselito Gaza - … mas é um grande ator, o mais premiado de Taboão e isto definiu nossa escolha. Aí o Paulo, o Sérgio e eu fomos na casa do Eddie. Fizemos o convite e fizemos uma cena da peça lá na sala da casa dele.
O que você achou?
Eddie Ferraz – Foi engraçado, eles encenaram pra minha família. Na sala estavam minha mulher, meu filho, minha filha e eu. E eles lá fazendo um trecho da peça para nossa pequena plateia. Logo de cara fiquei lisonjeado pra caramba pelos caras terem lembrado de mim. Mas não fechei nada logo de cara. Eles têm razão de dizer que sou mesmo vagabundo, gosto de tomar minhas brejas. Disse que iria conversar com minha mulher e na semana seguinte daria a resposta. Eu estava ressabiado, porque o Luciano Santiago falou em cifras, coisa de R$ 5 mil reais... Minha mulher falou: “Se for tudo isto mesmo, você larga a Febem e vai fazer a peça”. Mas eu sabia que não era tudo isto. Mas como eu só trabalhava três dias por semana na Febem, passei a ensaiar com eles todas as noites.
Na Prodesp?
Eddie Ferraz – Não. Minha primeira leitura com eles foi numa escola particular, o Colégio Maria Rosa, na Avenida José Maciel. Quando eles deixaram o texto em casa, eu senti que tinha uns personagens que dava pra fazer sotaques. Eu tenho facilidade pra fazer brincadeiras com idiomas, espanhol, italiano, e tal, e fui pra este primeiro ensaio de mesa com eles. Quando chega na cena do espanhol, eu falo no sotaque e os caras começaram a rachar o bico. Foi a partir daí que foi amadurecendo o processo.
Joselito Gaza – Rachamos o bico e sentimos que o Eddie pegou de primeira
Sergio Carozzi – Tinha uma proposta do Luciano de encenar com gestos exagerados, nada interiorizado, uma pegada circense... Coisa própria para levar a espaços alternativos.
Joselito Gaza – Isto que o Eddie falou aí das cifras, é porque desde o início a idéia era mesmo trabalhar profissionalmente. Porque até então a gente estava só nas oficinas de teatro, participando de festivais...
Desde os ensaios de mesa até a estreia, o que exigiu mais de vocês?
Sérgio Carozzi - O próprio texto. Do texto original do Zé Carlos de Andrade, a gente adaptou pelo menos 50% dele.
Como o autor reagiu quando vocês disseram que iam mexer no texto?
Eddie Ferraz – Na verdade, a gente nem avisou. Montamos do nosso jeito. Depois de uns quatro meses que já estávamos levando a peça, fomos participar de um festival no Teatro Fernando de Azevedo, e chamamos o Zé Carlos pra assistir.
Todos com o coração na mão...
Joselito Gaza – Na preparação da montagem a gente tinha pedido autorização dele para mexer algumas coisas no texto, mas não dissemos o quanto ficou diferente... (gargalhadas)
Sérgio Carozzi – Cortamos cenas inteiras, acrescentamos coisas de outros autores, inventamos cenas que o autor nem previa. Por exemplo: a cena do [Pedro Álvares] Cabral não existe no texto original, a cena da galinha também não...
Eddie Ferraz – Na cena do Cabral, o Zé Carlos de Andrade sugeria que se lesse a Carta de [Pero Vaz de] Caminha. A cena com a bandeira do MST [Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra] também não tem. E ele não gostou.
Sergio Carozzi – Se a gente não tivesse uma certa proximidade com o autor, ele até poderia dizer pra gente montar o espetáculo com outro nome, porque aquilo que está no palco não é mais dele.
Eddie Ferraz – Ao término do espetáculo ele realmente diz isto. “Vocês zoaram meu texto”. Na parte que a gente entra com a bandeira do MST, ele sugeria que se cantasse Morte e Vida Severina [música de Chico Buarque para a peça homônima de João Cabral de Melo Neto].
Sergio Carozzi - Também foi nossa a decisão de incluir um rap do Gog. Ele disse: “Me divertí bastante, só não gostei da adaptação. Mas façam aí”. Isto nos fechou algumas portas. Porque o Zé Carlos de Andrade tem muitos contatos, presidiu várias entidades teatrais e nós poderíamos ter conseguido muito mais espaços pra encenar se ele tivesse abraçado a nossa adaptação. Mas arriscamos, e assumimos levar o espetáculo do nosso jeito.
Joselito Gaza – Não que o Zé Carlos de Andrade tenha adotado uma atitude contrária à nossa montagem. Ele nos deu a opinião sobre a montagem, mas não num tom de bronca.
Eddie Ferraz – O Zé Carlos é acima de tudo muito ético. Ele participa de muitas bancas de seleções de projetos que buscam patrocínio oficial. Quando cai projeto nosso na banca dele, ele se retira e pede que outra pessoa faça a avaliação, para que não levem em conta o fato dele ser o autor da peça.
Sergio Carozzi – A gente bancou o risco pelas mudanças no texto. Avaliamos que se fosse o texto na íntegra, não ia dar o resultado que alcançamos.
Joselito Gaza – Importante é que nós temos uma relação bastante cordial com o Zé Carlos. Entro sempre em contato com ele por e-mail, tratamos do repasse dos direitos autorais. Ele nos parabenizou pela semana de comemoração pelos nove anos em cartaz com o Soltando o Verbo.
Vocês tinham expectativa com a reação do autor. E com a reação da plateia?
Sergio Carozzi – A gente está sempre repensando o espetáculo. Aliás este espetáculo foi bastante moldado assim para os vários públicos que temos: as escolas, como dialogar com os jovens, a questão das intervenções.
Cada encenação é adaptada para determinado público?
Eddie Ferraz – Antes de entrar em cena a gente já conversa. Se a plateia é de gente mais idosa ou mais jovem, se é de funcionários de empresas...
Sergio Carozzi – Segura o freio, se o público é molecada, tem uma mudança sutil, mas tem.
Joselito Gaza – Algumas brincadeiras de certas encenações não são feitas em outras, dependendo do tipo de público.
Foto: David da Silva |
Eddie, Carozzi e Joselito no boteco da Praça Nicola Vivilécchio onde há nove anos deram a primeira amostra de Soltando o Verbo durante encontro cultural que a Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia) promovia no local às 5ªs-feiras (Quinta Maluca).
E o dia da estreia no Cemur, há nove anos?
Sergio Carozzi – Estávamos todos muito ansiosos, mas também muito entusiasmados. Uma semana antes da estreia, fizemos um trechinho da peça num sarau que a Cooperifa fazia toda quinta-feira no boteco ao lado do Cemur. Ali sentimos a reação das pessoas, e ficamos ainda mais confiantes para encarar um público grande no Cemur.
Eddie Ferraz - No Cemur fizemos uma estreia atípica. Não colocamos cadeiras pra plateia. Colocamos mesas. Houve um coquetel antes do espetáculo. A gente tinha uma expectativa de umas 200 pessoas, e vieram mais de 600. A empresa patrocinadora foi a CTI, escola de informática. O patrocinador ficou louco com o Luciano Santiago, porque faltou coquetel para tantos convidados (risos).
Qual foi o lugar mais caótico que vocês já levaram o Soltando o Verbo?
Eddie Ferraz - Um dos mais embaçados foi em 2005 ou 2006, não lembro a data, na favela do Jardim Saint Moritz [bairro de assentamento de famílias de baixa renda de Taboão da Serra]. A encenação foi numa esquina. Fomos lá a convite da Prefeitura de Taboão, num projeto artístico chamado Circulação. Não tinha público esperando. Tivemos de sair pela rua batendo, daí foi aparecendo gente e o espetáculo rolou. Antes deste, um outro difícil foi numa comunidade do Jardim Ângela [zona sul da capital São Paulo/SP]. Tivemos de fazer um cortejo por dois quilômetros até o local do espetáculo. Saímos batendo, batendo, batendo pra chamar até uma quadra de futebol, onde fizemos a peça. Isto foi em 2003 ou 2004.
Sergio Carozzi – Teve estes lugares complicados, mas também teve uma consagração no Memorial da América Latina logo em 2001, ano da nossa caminhada. A gente olhava prum lado, tinha gente, pro outro, tinha gente, umas 600 pessoas olhando para nós.
Eddie Ferraz - Em 2001 estávamos com todo o gás, e levamos esta peça para tudo quanto foi lugar.
Eles por eles mesmos
Sergio Carozzi – Estávamos todos muito ansiosos, mas também muito entusiasmados. Uma semana antes da estreia, fizemos um trechinho da peça num sarau que a Cooperifa fazia toda quinta-feira no boteco ao lado do Cemur. Ali sentimos a reação das pessoas, e ficamos ainda mais confiantes para encarar um público grande no Cemur.
Eddie Ferraz - No Cemur fizemos uma estreia atípica. Não colocamos cadeiras pra plateia. Colocamos mesas. Houve um coquetel antes do espetáculo. A gente tinha uma expectativa de umas 200 pessoas, e vieram mais de 600. A empresa patrocinadora foi a CTI, escola de informática. O patrocinador ficou louco com o Luciano Santiago, porque faltou coquetel para tantos convidados (risos).
Qual foi o lugar mais caótico que vocês já levaram o Soltando o Verbo?
Eddie Ferraz - Um dos mais embaçados foi em 2005 ou 2006, não lembro a data, na favela do Jardim Saint Moritz [bairro de assentamento de famílias de baixa renda de Taboão da Serra]. A encenação foi numa esquina. Fomos lá a convite da Prefeitura de Taboão, num projeto artístico chamado Circulação. Não tinha público esperando. Tivemos de sair pela rua batendo, daí foi aparecendo gente e o espetáculo rolou. Antes deste, um outro difícil foi numa comunidade do Jardim Ângela [zona sul da capital São Paulo/SP]. Tivemos de fazer um cortejo por dois quilômetros até o local do espetáculo. Saímos batendo, batendo, batendo pra chamar até uma quadra de futebol, onde fizemos a peça. Isto foi em 2003 ou 2004.
Sergio Carozzi – Teve estes lugares complicados, mas também teve uma consagração no Memorial da América Latina logo em 2001, ano da nossa caminhada. A gente olhava prum lado, tinha gente, pro outro, tinha gente, umas 600 pessoas olhando para nós.
Eddie Ferraz - Em 2001 estávamos com todo o gás, e levamos esta peça para tudo quanto foi lugar.
Eles por eles mesmos
Foto: David da Silva |
Como o teatro entrou na tua vida?
Joselito Gaza – Me despertou o interesse pelo teatro quando eu já tinha uns 20 e poucos anos. Fui assistir uma peça profissional em São Paulo, com o Grupo Ornitorrinco, do [ator e diretor] Kaká Rosset, era a Comédia dos Erros, do Shakespeare. Fiquei encantado.
Antes dos 20 anos você não teve contato com o teatro?
Joselito Gaza – Não. Na escola eu tinha pavor de fazer teatrinho. Uma vez participei de um teatrinho na Escola Maria Catharina Comino onde eu estudava. Fiquei muito constrangido, não queria me expor, era extremamente tímido.
E como é que você foi parar lá no teatro pra ver o Ornitorrinco?
Joselito Gaza – Foi a primeira vez que fui assistir uma peça pagando ingresso. Escolhi o espetáculo na programação de teatro de um jornal. Ali me despertou. Fiquei pensando como seria estar no palco fazendo aquilo, com técnica, bem ensaiado. Vi que ali poderia estar um caminho pra eu me soltar mais. Eu estava com este desejo de me livrar da timidez. Pensei: “O teatro pode me ajudar”.
Quando o teatro te despertou, o que você fazia?
Joselito Gaza – Meus pais são comerciantes, eu trabalhava com eles. Procurei um curso de teatro para iniciantes, pra começar do zero e ir me soltando aos pouquinhos. Encontrei este curso em um espaço em Pinheiros, e ali foi meu primeiro contato com o teatro. Eu adorei. Me vi fazendo coisas ali que eu não imaginava que eu pudesse.
E o seu primeiro palco?
Joselito Gaza – Isto foi aqui no Taboão. Antes daquela vez da Comédia dos Erros que paguei para assistir, eu já tinha visto alguns festivais de teatro no Cemur. Sabia que na cidade tinha grupos de teatro como o do senhor Daniel Diez [do Grupo de Teatro Tesol] e tal. Mas eu não sabia como encontrá-los. Até que eu resolvi telefonar para a divisão de Cultura da Prefeitura. Procurei o número, encontrei, liguei, uma pessoa lá me atendeu, falei que queria saber sobre grupos de teatro de Taboão. Daí esta pessoa disse: “Tem uma pessoa aqui que pode te passar esta informação”.
Quem era?
Joselito Gaza – Era o Ednaldo [nome de batismo do ator Eddie Ferraz] quem estava ali e me falou: “Olha, a gente está ensaiando a peça Este Ovo é Um Galo, domingo estaremos no Cemur. Aparece lá”. Eu fui, claro! Eles estavam às vésperas do espetáculo com a direção do Amaury Alvarez. Por estarem às vésperas da estreia, o elenco já estava completo. E ficou assim, só na base do contato. Uns tempos depois fiquei sabendo que estavam procurando pessoas para a encenação da Paixão de Cristo.
Quem te deu o toque da Paixão?
Joselito Gaza – Eu li isto num jornal daqui. Puseram uma notinha chamando pessoas a estarem no domingo pela manhã para a seleção. Fui selecionado, e a Paixão de Cristo foi meu primeiro palco, interpretando uma pessoa do povo.
Quantos anos você prosseguiu na Paixão de Cristo?
Joselito Gaza – Fiquei 10 anos consecutivos fazendo a Paixão de Cristo. No segundo ano eu fiz Gestas. A partir do terceiro ano fiz Judas Iscariotes durante seis anos consecutivos. Depois fiz Herodes por dois anos.
Fora este tempo todo da Paixão, no que mais você atuou?
Joselito Gaza – Participei do projeto Quatro Vezes Martins Penna. As oficinas de teatro montaram quatro peças do Martins Penna, para dar conta de tanta gente que entrou para o curso. Eu atuei no Judas em Sábado de Aleluia. Nesta peça fiz o meu primeiro protagonista, tremenda responsabilidade.
Quais prêmios você colecionou nesta trajetória?
Joselito Gaza – Com Judas em Sábado de Aleluia peguei meu primeiro prêmio de ator revelação em 1999 no festival do Fepama, no Teatro Fernando de Azevedo. Também ganhei como melhor ator no Festival de Teatro do Trabalhador, no teatro Amácio Mazzaroppi, no bairro do Brás.
Depois do Judas...
Joselito Gaza – Daí veio A Torre em Concurso. Essa peça juntou todo o pessoal das quatro peças do projeto Martins Penna, e pôs todos num espetáculo só. Um elenco grande, mais de 20 pessoas. Era uma comédia musical do Joaquim Manuel de Macedo com direção do Amaury [Alvarez]. Ficamos um ano em processo de ensaio. Depois da Torre, veio o Soltando o Verbo.
O que o teatro significa para você?
Joselito Gaza – Pra mim o teatro existe como entretenimento e também para fazer pensar. Eu tenho a preocupação com a mensagem que a peça passa para o público. Particularmente gosto do teatro como missão de conscientização.
Foto: David da Silva |
Sérgio Carozzi Marçal é o “caçula” da Cia. Soltando o Verbo de Teatro. Cinco anos mais novo que os outros dois marmanjos da trupe, Carozzi manifesta, no entanto, uma agradável maturidade teórica sobre a Grande Arte. Leitor atento de Walter Benjamin, o ator circula com desenvolta eficiência entre o humor e a seriedade das condições de vida do povo pobre do subúrbio. Quem o vê arrancando gargalhadas de gentes de todas as idades, nem imagina o moleque tímido que nem na hora do recreio tinha coragem de sair da sala de aula pra ir fazer xixi no banheiro... Amanhã, no Espaço Clariô, Sérgio Carozzi vai acender a brasa para churrasquear os 33 anos que ele completou em 21 de maio.
Como o teatro te puxou pra ele?
Sergio Carozzi – Eu sempre fui muito tímido, maior vergonha de tudo. Na escola, eu nem saía da sala na hora do intervalo pra ir no banheiro. Muito quieto, mesmo. E a forma de me expressar foi muito no desenho. Tanto que a primeira coisa que eu fiz aqui no teatro em Taboão foram cenários para as peças do projeto que o Amaury Alvarez dirigia. Paralelo a isto eu trabalhei de office-boy, trabalhei em restaurante. Depois fui fazer Faculdade de Artes Plásticas.
Mas, e o teatro? Quando foi e como foi o primeiro impacto?
Sergio Carozzi – Eu tinha uns 19 anos e fui assistir uma peça chamada Mambembe, no Teatro Popular do Sesi, na Avenida Paulista. Quando começou a peça entrou o ator bem assim na minha frente. Pensei: “Nossa, meu. Que doideira. Que bagulho louco!”. Daí comecei a assistir muito teatro, muito teatro mesmo. Todos os finais de semana eu ia ver espetáculos.
Como você chegou na turma do teatro em Taboão?
Sergio Carozzi – Ah, isto foi coisa de um amigo que fala pra outro amigo do amigo de outro amigo, eles falavam: “Tá tendo teatro lá!”. Cheguei fazendo os cenários. Me deram também um personagem pra fazer. Fizemos Este Ovo É um Galo, depois A Morte do Imortal, e veio o Soltando o Verbo.
Como foi sua experiência com a Paixão de Cristo?
Sergio Carozzi – Eu fazia um soldado, o legionário romano Longinus. Isto logo na primeira vez que eu fiz Paixão. Na hora de crucificar o Cristo, a encenação é interrompida e o padre começa a falar, e falar, e falar, começa a fazer discurso e mandar o povo erguer as mãos... baixar as mãos... virar prum lado, virar pro outro. E eu vestido de legionário romano lá em pé, esperando o padre terminar pra eu pendurar o Cristo na cruz. Decidi: “Mano, nunca mais eu faço este papel!” Apesar de ser teatro de rua, de ser emocionante estar ali com aquela plateia enorme, eu pensava: “Mano do céu, acho que teatro é mais que isto!” Foi a partir deste momento que eu fui atrás de buscar, refletir mais sobre a ligação da política com o teatro. O significado da intervenção teatral, qual a dimensão que isto tem.
Teatro engajado?
Sergio Carozzi – Não. É uma discussão maior do que isto.
Seria um teatro panfletário?
Sergio Carozzi – Acho que pode até ser chamado disto. Porque a novela de televisão também é panfletária. Então eu acho que se pode também fazer teatro panfletário contra algumas coisas que a gente vê por aí.
Pra você o teatro tem uma missão de conscientizar?
Sergio Carozzi – Não é o caso deste grupo aqui do Soltando o Verbo. Mas eu estou estudando bastante isto, e gosto de fazer teatro engajado.
E o circo? Como ele te envolveu?
Sergio Carozzi – Faço circo com o meu irmão Joel Carozzi. Formamos a Trupe Lona Preta. Tem a ver também com esta discussão da arte engajada. Em 2005 eu estava numa militância social, num acampamento de sem-tetos aqui em Taboão. Ali eu conheci um palhaço, o Fernando, e ele passou pra gente algumas coisas. Daí começamos a trabalhar com circo dentro deste acampamento de sem-tetos no Jardim Helena. Hoje trabalhamos esta discussão da arte com engajamento, e com humor, porque o humor é muito próximo da reflexão. Uma piada pode fazer a pessoa pensar.
O que você pensa fazer depois de Soltando o Verbo?
Sergio Carozzi – Eu estou militando alí na região do bairro Guaraú, onde eu nasci [no limite de Taboão com São Paulo, próximo à região do Pazini]. Ali está havendo uma série de despejos. Estamos indo nas comunidades, fazendo saraus. Não fazemos parte do Movimento dos Sem-Teto. Somos um grupo de pessoas que acompanha esta realidade social, junto com a reflexão da arte engajada. Mas teatro não é missão, não é catequização. Teatro é essa capacidade que o ser humano tem de ver a sí próprio em ação. Se olhar fazendo alguma coisa. Talvez antes disto ele tenha visto num espelho d'água ou nos olhos da mãe, ele se vê fazendo alguma coisa. E teatro também é conflito. Você não vai ver uma peça de teatro que abre a cortina, tem uma mesa lá com uma garrafa em cima, e as pessoas ficam assistindo isto. Necessita do ser humano e tem de ter um conflito, uma ação. E eu quero falar deste conflito de classes, dessas questões sociais.
Foto: David da Silva |
O nome de Ednaldo Dutra Santos quase estreou em um Boletim de Ocorrência Policial aos 13 anos de idade. A infância vivida no subúrbio violento da Região Metropolitana de São Paulo colocou desde cedo o garoto em contato com o crime. Foi literalmente salvo pelo teatro. Formado em comunicação social, pós graduado em Artes, e com 38 anos a completar no próximo 26 de novembro, hoje Eddie Ferraz é o ator mais premiado da região sudoeste da Grande Sampa.
Você nasceu no Jardim Ângela e passou sua infância no Pirajuçara e na Favela Paraisópolis. Todos “quebradas bravas”. Por que você não seguiu a carreira de bandido, pra hoje ter mais dinheiro que ator de teatro?
Eddie Ferraz - Eu até tentei. Sai pra fazer uns assaltos, mas não deu certo. Quer dizer, meu primeiro assalto até deu certo. Foi na Avenida Ibirama, perto de onde hoje tem o Hospital Regional. Na hora que a gente tomou o dinheiro da vítima, um senhorzinho, ele começou a chorar. Falei pro meu comparsa: “Devolve a grana dele!”. O comparsa chiou: “Cê tá loko?”. Insisti: “Se você não devolver o bagulho do cara, te dou um tiro”.
Quantos anos você tinha nesta empreitada?
Eddie Ferraz - Eu estava com uns 13 anos, por aí... Eu já tinha saído do Jardim Ângela pra morar em Itapecerica, depois morei uns tempos com meu pai na Bahia, onde meus pais nasceram, morei no Pirajuçara e também no Paraisópolis.
Por que vocês saíram do Jardim Ângela?
Eddie Ferraz - A casa onde a gente morava foi derrubada por uma ventania muito forte. Era mal construída. Deu até reportagem no Estadão. Saiu neste jornal uma foto minha, eu com três anos de idade deitado num canto, a minha mãe com a perna quebrada.
Antes de tentar ser assaltante, como era sua vida de moleque aqui em Taboão.
Eddie Ferraz - Quando eu tinha uns sete pra oito anos, nós moramos de favor na casa de uma tia no Pirajuçara. Minha mãe saia pra trabalhar, não tinha quem tomasse conta de mim, e ela tinha de me deixar sozinho trancado dentro de casa. Era um desespêro. Não tinha televisão, não tinha porra nenhuma. As outras crianças brincando na rua, e eu trepado num banco olhando por uma daquelas janelinhas que tem em certas portas.
E o seu vestibular no crime?
Eddie Ferraz - Quando eu morava no Paraisópolis, eu sempre vinha aqui pro Pirajú. Daí saem uns malucos comigo e falam: “Meu, vâmo aí fazer uma fita”. Falei: “Firmão!”. Aí aconteceu aquele assalto que eu já contei. Depois disto três caras me chamaram pra fazer um assalto em Pinheiros. Não fui, nem sei porque. Os três foram presos porque roubaram o toca-fitas de um carro, e o carro era de um policial. Em outra vez eu estava no meio da mata, testando um revólver, e o cão [pequena peça acima da coronha, que trava e destrava o gatilho] quebrou na minha mão. Falei pra mim mesmo: “Parei!”
Como e quando você escapou destas ciladas do destino?
Eddie Ferraz - Em 1987 conheci uns outros caras. Um deles tinha chegado de Rondônia, e morava perto da minha casa no Jardim Santo Onofre [bairro da região do Pirajuçara, em Taboão da Serra]. Ele me chamou pra ir no grupo de jovens da igreja católica do Jardim Flórida (bairro do Embu, no limite com Taboão da Serra]. Isso foi num Dia Nacional da Juventude. “Vou fazer o quê lá, meu?”, eu disse. Aí os caras falaram que tinha “uma pá” de menininhas bonitas lá.” Eles me ganharam na idéia. Eu fui. E neste Dia Nacional da Juventude este grupo de jovens do Jardim Flórida foram visitar os jovens do Jardim Ângela, onde eu tinha nascido e morado por duas vezes! Na volta de lá, catei a mina mais bonita do grupo. Pensei: “Não saio mais daqui!”.
E você se converteu numa boa?
Eddie Ferraz - Que nada!!! Não tinha muita paciência praquilo, não. Sete horas da manhã tinha de ir pra missa. Eu chegava tarde da balada, e ia dormindo pra missa. Pensei em sair do grupo. Daí em 1988 começaram a montar a encenação da Paixão de Cristo. Toda a galera daquele grupo de jovens do Jardim Flórida: o Zé Maria [José D'Lucena, ator e diretro teatral, coordenou a Paixão de Cristo em Taboão da Serra por vários anos], o Adauto, Fábio, Miguel, Sérgio, Dú, Queiró, Galdino... E me colocaram pra fazer o quarto soldado. Eu sabia todo o trâmite dos soldados. Do começo ao fim do espetáculo, eu fazia todos os soldados que organizavam as cenas. Porque na época eu não entendia porra nenhuma de teatro e falava assim: “Chama aqui o cara que conhece todo o espetáculo e coloca ele de capitão de cenas”. E eu mesmo fiquei de capitão de cenas com soldados.
Este 1988 marca seu nascimento para o teatro...
Eddie Ferraz - É. Mas eu continuava sendo o mais torto do grupo, o cara mais zoeira de toda a turma. Mas já trabalhava como office-boy, e tal. Em 1989 o Serginho chega pra mime propõe que eu seja presidente do grupo de jovens. Eu disse que ele estava louco. Mesmo assim acabei virando presidente, com o Adauto como meu assistente. E o grupo de jovens começa a ter uma média de 70 a 80 jovens dentro da igreja por final de semana.
Mas seu barato era o teatro ou evangelizar?
Eddie Ferraz - A gente montava peças evangelizadoras dentro da igreja. Em 1993 a gente monta o grupo teatral Deixa Comigo. Nesta hora a gente decide sair um pouco da igreja, vamos montar um pouco mais de teatro...
Quem injetou estas ideias no grupo?
Eddie Ferraz - O Zé Maria [José D'Lucena]. Ela tinha saído da igreja pra fazer o curso de teatro Macunaíma. Quando ele voltou pro nosso grupo, veio com um monte de novas informações. Ele trouxe alguns exercícios que a gente achou que não dava pra fazer na igreja. Nossos ensaios eram no salão da igreja. Então ali não dava pra fazer aqueles exercícios dos atores passando um por cima do outro, passando a mão na bunda do outro... Resolvemos sair da igreja. A primeira montagem do grupo Deixa Comigo foi Um Barco sem Pescador, para participar de um festival no Cemur, em 1993. Montamos um espetáculo horrível, ruim pra caralho.
O primeiro fracasso abalou muito?
Eddie Ferraz - Ficamos 1994 inteiro sem montar nada. Mas sempre estudando, pesquisando, para voltar com uma montagem mais estruturada.
Quando foi a volta por cima?
Eddie Ferraz - Em 1995 montamos Jesus Homem, do Plínio Marcos. Fomos pedir autorização para a montagem, e o cara pediu um barão pra liberar a autorização pra gente. Daí decidimos: “Vamos mudar o nome do texto”. A peça ficou como Atos dos Homens, e ganhou o Festival de Teatro de Taboão da Serra. Eu interpretei o primeiro-sacerdote, um cara anti-Cristo. Foi meu primeiro prêmio de melhor ator.
Não era só o seu personagem que era anti-Cristo... Você também planejou uma crueldade contra o Jesus, não foi?
Eddie Ferraz - Na estreia combinei com o Zé Maria uma trama. “Mano, tõ com vontade de fazer um negócio com o Cristo. Na hora que eu for interrogar ele, vou dar uma cusparada na cara dele. O que cê acha?”. E o Zé: “Não conta nada pra ele, não”. Na hora da cena, enchi a cara do ator de cuspe. Ele sem esperar... com a mão pra trás... Daí se limpa. A peça arregaça. A gente ganha o primeiro lugar, e fomos representar Taboão da Serra em Ribeirão Pires.
Vocês mudaram o nome da peça pra escapar dos direitos autorais. Ninguém se tocou desta manobra? Eddie Ferraz - Quando fomos nos apresentar lá em Ribeirão Pires, conhecemos o Ênio Gonçalves. Ao final da nossa apresentação, o Ênio chega pra nós: “Parabéns. Só que este espetáculo não se chama Atos do Homens. É Jesus Homem, do Plínio Marcos, e eu já fiz o Jesus nessa peça. Vocês fizeram errado...” e blá-blá-blá, comeu o nosso rabo. O Zé Maria quase teve um derrame. Saímos de lá todos cabisbaixos
Quando foi seu primeiro susto no palco?
Eddie Ferraz - Em 1996 montamos Xica da Silva, um texto de Luiz Alberto de Abreu. Eu fazia o personagem principal, um tal de Luis Fernandes. No meio do espetáculo esqueci o texto inteiro. Deu branco. Daí chamei o Cabeça [personagem do Zè Maria] pro Zé me soprar o texto. Só que o Zé me sopra uma fala da cena final!!! Mas daí me volta o texto, e a peça segue...
Como começou a fermentar o projeto da União Teatral Taboão?
Eddie Ferraz - Em 1997 a gente começou com esta idéia de formar a UTT (União Teatral Taboão). Não se tinha ainda esta ideia de nome. Mas a gente chama o Zé Maria, eu, o Luciano, Tânia, Cidinha, Silvio, Valter, Adauto e Klebão e monta um grupo que se chama Quiprocó. Eu achava que era uma zona aquilo. Com o Quiprocó montamos A Inutilidade dos Decretos Inúteis. Daí ganhei outro prêmio de melhor ator.
Em 1997 Taboão sediou pela primeira vez o Mapa Cultural Paulista. Quantos grupos de teatro existiam na cidade?
Eddie Ferraz - Tinha o nosso Quiprocó; tinha o Grupo Tesol, do Daniel Diez, na região do Pazini; o Só de Raiva, do Reginaldo, no Inocoop do Parque Pinheiros; o grupo Quem Diria, na região do CSU/Pq Pinheiros...
E o lance da união?
Eddie Ferraz - Isto começou um pouco antes. Em 1996 o Daniel Diez, com seu Grupo Tesol, foi representar Taboão da Serra em um festival em São Paulo. Os caras lá avaliam que o espetáculo dele tinha como crescer, mas precisava de estrutura. Resolvem mandar aqui pra Taboão o Projeto Ademar Guerra, que o Amaury Alvarez veio para coordenar.
Foi o Amaury Alvares quem fez o trabalho de parto da UTT?
Eddie Ferraz - Não. Foi o Dejair Martins [ex-diretor da Divisão de Cultura da Prefeitura de Taboão da Serra]. Ele sugere que se faça um grupo único. Daí começamos com 45 pessoas. Dessas 45 ficam 25 pessoas, com quem formamos as quatro oficinas de teatro. Neste grupo inicial o Amaury Alvarez tem como base o Zé Maria, o Adauto e eu. Nós fazíamos a administração do grupo, enquanto ia-se ensaiando a peça Este Ovo é Um Galo, do Lauro César Muniz. Daí vem tudo aquilo: Projeto Martins Penna, a montagem do Corpo Municipal de Teatro.
E sua galeria de troféus? Você falou de dois prêmios, e os outros?
Eddie Ferraz - De 10 festivais que participamos com a UTT, eu ganhei oito e fui indicado para outros dois.
Qual a sua concepção teórica sobre o teatro?
Eddie Ferraz - A monografia que eu fiz para a minha pós-graduação fala sobre o engajamento, o teatro como instrumento de inclusão social. Eu acredito no teatro como conscientizador para a transformação social.
Soltando o Verbo - Uma comédia que mexe com a língua
Direção de Mário Pazini.
Para contratar o espetáculo ligue:
(11) 4701-2356 e (11) 7495-0633, com Joselito Gaza.
E-mail: joselitogaza@ig.com.br
2 comentários:
Perfeita a reportagem com os atores da peça "Soltando o Verbo". O texto muito bem elaborado me fez viajar no tempo e entender melhor a vida desses talentosos atores.
Adorei.
Roseli Cansian
Eu gostaria muito do texto da peça ,Soltando o Verbo , para uma apresentação escolar , onde posso obtê-lo ? Conhecem um site que disponibiliz
e?
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