David da Silva
Toda terça-feira eu encontrava Thelonius Monk no bar (do Sarau) do Binho. Ele me esperava sentado sobre as cordas das guitarras do Pedro Arnt e do Adriano Matos. Música de primeira, no segundo dia útil. Blue Monk – a melodia mais simples e mais antiga e também a mais querida do Thelonius – com seu aumento cromático de quatro notas em colcheias me dava combustível para os outros seis dias da semana.
Pelas
paredes do boteco ainda ecoavam os versos declamados na noite anterior. Restava
um pouco de palavras não ditas nos fundos das garrafas que haviam destilado as
emoções do sarau na lua passada.
Aquele bar no encontro da Rua Avelino Lemos com a Coronel Souza Ferraz não nos dava a menor chance de um mal começo semanal. Da segunda-feira ficavam poemas sobre paralelepípedos orvalhados. O melhor da poesia local em viva voz. Da noite seguinte, a audição dos gênios do jazz. Canções macadamizadas. Era ali onde Campo Limpo fazia esquina com New Orleans.
Primeira
vez que pus os pés no (bar do) Sarau do Binho um verso do poeta Luan Luando
ricocheteou pelas quinas das mesas, sumiu zunindo pela rua. E até hoje reboa
entre as costelas que me gradeiam o coração.
Quem
diz que sarau poético pode respirar longe dos balcões, aprendeu nada com a
literatura universal. Reunião literária em bares das quebradas da Grande Sampa
não corre risco de repetir aquele sarau dos Villains Bonhommes em 2 de março de
1872, quando aos berros de “merde!” Arthur Rimbaud interrompeu um colega que recitava.
O
enleio das palavras com as garrafas incomoda inquilinos do poder. Não à toa, ao
atacar a Inglaterra em agosto de 1940, Hitler mandou seus aviões da Luftwaffe
bombardearem seis cervejarias e nada menos que 1.300 pubs de Londres.
O
bar do Binho foi fechado por perseguição política camuflada de problema com
documentação. De certa forma o desfecho desfavorável aliviou-nos a alma. Era
constrangedor vê-lo às voltas com as exigências kafkianas da Subprefeitura do
Campo Limpo.
As
portas de aço baixadas serviram de trampolim para uma itinerância poética que
muito agrada aos sarausistas – incorrigíveis batedores de pernas.
A
intolerância municipal não conseguiu provocar a diáspora literária no Sarau do
Binho.
Os
criadores de versos e demais artistas da geografia poética fundada por Robinson
Padial trazem tatuada no espírito a mensagem que Thelonius Monk deixou no seu Blue
Monk: tudo é questão de tentativa e erro, perdas e ganhos. Encontrar um
lugar ao sol não vem de maneira fácil.
"Trial and error, loss and gain.
Finding your one place in the sun
Doesn't come the easy way"
Nenhum comentário:
Postar um comentário