quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Repórter não é pra morrer, decretou Chatô, rei do Brasil

No réquiem do segundo cinegrafista da TV Band morto em ação nos últimos dois anos e quatro meses, não havemos de fazer hagiografia da profissão repórter.
Santiago Andrade morreu por imprudência com recheio de fatalidade.
Outro cinegrafista da emissora, Gelson Domingos, foi assassinado durante reportagem no dia 06.ago.2011. Em tiroteio na favela Antares. Na mesma cidade do Rio de Janeiro. Conflagrada pelo confronto do tráfico versus uma polícia acusada de corrupção, somada à ineficiência do governo estadual. Emoldurada por manifestações violentas de grupos extremistas infiltrados em demandas justas da população.
Num lugar deste, qualquer externa (jargão jornalístico para matérias feitas fora da redação) deve seguir logística de guerra.
Os black-blocs assassinos disparadores do rojão devem purgar pelo crime contra a liberdade de manifestação.
Mas fica a lição.
O jornalista inglês da BBC que socorreu Santiago estava protegido por uma parede na hora da filmagem. Equipado com colete anti-balas e capacete.

A repórter de guerras Martha Guellhorn
Entre bombas e batons
No jornalismo de guerra, minha deusa-repórter atendia pelo nome terreno de Martha Gellhorn.  
Sábado próximo, 15 de fevereiro, vão fazer 16 anos de sua morte.
Nunca trincou uma unha na cobertura de conflitos. Morreu porque quis. Suicidou-se aos 90 anos, por não suportar a dor de um câncer.
Pela câmera fotográfica e máquina de escrever de Martha Gellhorn não escapou batalha alguma nos seus 60 anos de atividade jornalística.
Repórter desde os 22 anos, Martha Gellhorn cobriu a Guerra Civil Espanhola, a invasão da Finlândia pela Rússia em dezembro de 1939, entrevistou em 1941guerrilheiros de Mao Tse-Tung antes de o comunismo dominar a China, esteve na guerra em Java, e na ocupação do Vietnã pelos EUA em 1966. Foi correspondente nas guerras de El Salvador e Nicarágua no final da década de 1980. Só rejeitou o convite de seu editor para cobrir as guerras da Bósnia e do Iraque nos anos 90, porque sentiu não ter mais saúde para a empreitada.

Humildade e paciência
Em todo o jornalismo universal de guerras, não há nome que se compare a Herbert L. Matthews.
Nos dias de hoje, talvez Lourival Sant’Anna (do jornal Estadão) chegue perto. Mas ainda há de comer muito feijão enlatado e aspirar muito cheiro de pólvora.
Herbert Lionel Matthews cobriu todos os episódios da Segunda Guerra Mundial. Antes esteve na guerra da Etiópia. Depois reportou a Guerra Civil Espanhola. Foi dos últimos repórteres a sair de Madrid antes da tomada pelas tropas de Franco.
Na Segunda Grande Guerra, esteve na derrocada francesa. Viu os bombardeios sobre Londres. Acompanhou os avanços e recuos dos aliados no norte da África. Registrou a rendição de Hitler na Itália.
Segunda-feira que vem, dia 17 de fevereiro, completam-se 57 anos do dia em que Herbert L. Mathews rompeu o cerco para entrevistar o então líder guerrilheiro Fidel Castro, no seio da Sierra Maestra.
Morreu aos 77 anos na Austrália. Nos seus últimos 10 anos de vida foi diretor de redação do The New York Times, único jornal em que trabalhou por toda a sua existência.

Quem me contou estas passagens do velho Herbert L. Matthews foi o sergipano Joel Silveira. “Sempre bem vestido mesmo em meio aos bombardeios, Herbert me ensinou: ‘Antes de tudo, um repórter deve ser humilde e paciente’”.

Quando tinha 26 anos, Joel Silveira foi chamado à sala de seu patrão Assis Chateaubriand, o popular Chatô, magnata da imprensa brasileira. Fundador dos Diários Associados e da TV Tupi. O jovem Joel seguiu à risca a recomendação de seu chefe ao ser enviado à Itália com a Força Expedicionária Brasileira cobrir a batalha final contra o exército nazista:
 - Seu Silveira, disse Chatô ao repórter Joel. - Me faça um favor de ordem pessoal. Vá para a guerra. Mas não me morra. Repórter não é para morrer. É pra mandar notícias.

2 comentários:

David da Silva disse...

Reprodução de comentário do repórter Wladimir Raeder na minha página no facebook:
"Outro profissional da Band morre durante o trabalho em condição que poderia ter sido evitada no caso do uso de equipamentos básicos de segurança. No Rio há um ano outro cinegrafista morreu pois não tinha colete balístico adequado durante um tiroteio entre policiais e traficantes em que todos sabemos da corriqueira utilização de fuzis nessas operações; nesse último caso também no Rio sequer o profissional estava de capacete. O jornalista que primeiro foi socorrê-lo era um inglês da BBC com treinamento em primeiros socorros que utilizava um capacete de absorção de impacto não balístico adequado para esse tipo de reportagem. Operar em zonas de conflito requer por parte das empresas de comunicação investimento em treinamento e a obrigatoriedade do uso de equipamentos básicos de segurança adequados para cada ação. Obviamente NADA justifica a violência contra o profissional mas na zona de conflito os desdobramentos são imprevisíveis e o cinegrafista devia estar equipado e treinado para isso pois também achei estranho o fato dele estar (além de sem capacete) em posicionamento estático sob fogo cruzado uma vez estabelecidas as escaramuças. A movimentação quando do conflito estabelecido deve ser dinâmica e sempre pelos flancos. Isso não quer dizer que você vá ficar longe do 'fato' até porque o primeiro a chegar na vítima foi o jornalista inglês que se tinha 'flanqueado' no teatro de combate e estava a alguns passos da ocorrência. Meus sinceros sentimentos à família do cinegrafista, colega de profissão." - W. Raeder, Taboão da Serra

Jussanam disse...

Com esse artigo voce resgata tambem importantes jornalistas de outrora. Maravilha de artigo. Lamento a morte do cinegrafista, lamento a morte das outras onze pessoas que morreram nas manifestacoes e que nao podem ficar esquecidas e lamento que pessoas comuns que nao sao bandidos estao sendo tratados como se fossem e que outros pelo descaso total e sem vergonha das autoridades governamentais estao se tornando completamente insensiveis e permitindo que a revolta justificada se torne um odio terrivel que vai resultar em muito mais violencia e injustica. Eu sempre temi pelo futuro do nosso Pais, mas hoje...temo muito mais!Caos!Lamentavel !