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| Foto: David da Silva - 12.dez.2024 |
Todos
os dias, perto da hora do almoço elas saiam de casa pra ver o que deu no bicho,
enquanto as panelas no fogo davam origem ao nome da Rua do Arroz Queimado.
Foi
nessa rua, hoje Prudente de Morais depois de ter sido também Rua Nova, onde
nasceu, na casa de número 679, um menino a quem o escrevente do cartório de
Espírito Santo do Pinhal (SP) pelejou para registrar como Vitório. Mas o pai
manteve a vontade da esposa em dar ao filho o nome Antonio Carlos.
Antonio Carlos Fenólio é personagem
exponencial na história da Educação e Cultura de Taboão da Serra.
Os causos
que conto aqui foram falados para mim durante a viagem que Fenólio e eu fizemos
à sua terra natal em dezembro passado.
“Meu relato será fiel à realidade ou, em todo caso, à
minha lembrança pessoal da realidade, o que é a mesma coisa".
Jorge Luis Borges, O Livro de Areia
Na Prudente de Morais o jogo do bicho era
comandado pelo Dito Paulista, que teve as duas pernas amputadas por problemas
de circulação. Seu filho mais velho foi ponta-esquerda do Paulista de Jundiaí.
Antes
de me levar conhecer a famosa rua, Fenólio parou na XV de Novembro. Lá do alto,
vi uma pequena igreja (Pinhal tem 19 igrejas católicas!) e desci para vê-la,
sem saber da sua relevância na vida do amigo.
Sua
infância e juventude foi no entorno da Praça de São Benedito. Próximo dali teve
seu primeiro emprego. Cumpridas as obrigações no trabalho na escola, o resto do
tempo era com a bola nos pés “Eu era meia-direita titular do EC Bonsucesso, e
jogava também no 2º quadro do Ginásio Pinhalense, na preliminar, esfriando o
sol pros titulares”, relembra.
Nosso
companheiro de viagem Oscar Ferreira puxa da memória uma cobrança de pênalti
que Fenólio fez e virou lenda. Por um capricho da Lei da Física, a bola cruzou
a linha do gol e parou sem tocar o fundo da rede. Foi um fato isolado, mas o
técnico do time achou por bem espalhar na região que seu meia-direita tinha a
terrível habilidade de fazer isso todas as vezes que batia um pênalti.
Na
Igreja São Benedito, em 28.mar.1998, monsenhor Augusto falou um dos textos mais
bonitos já produzidos naquele lugar. Era a história de “um senhor de muletas,
paletó e gravata”, que o padre encontrava em todos os cantos da cidade quando
chegou a Pinhal. Contabilista de um grande fazendeiro, presidente da Câmara
Municipal, o homem de muletas, paletó e gravata ainda cuidou por 28 anos das
finanças da Festa de Santa Luzia. Esse homem é o pai do Fenólio.
Santa Luzia é o motivo da nossa viagem. Oscar Ferreira é devoto dela. Os dois amigos vão vê-la todos os dias 13 de dezembro. Sua importância em Pinhal supera a data da emancipação. O aniversário da cidade não é feriado. O dia da santa, é.
| Oscar e Fenólio na celebração a Santa Luzia Foto: David da Silva - 13.dez.2024 |
Nos
quase 30 anos que o velho Antonio Fenólio cuidou da contabilidade da Festa de
Santa Luzia, o menino viu a casa tomada de sacos e mais sacos de estopa estufados
de dinheiro.
As
missas de Santa Luzia em Pinhal, quando ainda era uma capela, eram conduzidas
pelo lendário Padre Landell de Moura, sacerdote, cientista e inventor.
Outro
fato episcopal importante de Pinhal é ser o berço de Sebastião Leme, segundo
cardeal da história do Brasil, e fundamental na construção do Cristo Redentor,
no Rio de Janeiro.
Na
Igreja Matriz, Fenólio me apresenta monsenhor Augusto, vigoroso nos seus 77
anos, mundialmente famoso por usar a tirolesa na abertura de uma missa em
13.nov.2017.
Na
fila do almoço fico sabendo que Fenólio, com apenas 17 para 18 anos, foi a
segunda maior autoridade de Pinhal – pelo menos na mentalidade de um sargento
do local. “Aqui neste restaurante funcionava o Tiro de Guerra. Eu estava
prestando o serviço militar obrigatório quando deram o golpe militar de 1964”,
relata.
Sargento
Darcy adorava um carteado, e ao ir para casa por volta das 21h, se esgueirava
pelo outro lado da rua para que seus recrutas não o vissem vindo do vício.
Naquela
noite não teve calçada oposta. Ele entrou imponente: “Cabo Fenólio, estourou a
revolução. Aqui na cidade eu sou a maior autoridade e você, a segunda. Não tem prefeito,
não tem juiz nem presidente da Câmara. Quem manda agora é o Exército”.
No
estacionamento do Santuário de Santa Luzia, Fenólio aponta a placa do carro de
um romeiro. “8545. Eu nasci em 8 do 5 de 1945”, conta. Daí a insistência do
rapaz do cartório em registrar meu amigo como Vitório. Em 08.maio.1945, as
forças aliadas derrotaram os nazistas pondo fim à II Guerra Mundial.
Dona
Maria deu à luz em meio ao foguetório do Dia da Vitória. Mas ela tinha
admiração por um antigo político chamado Antonio Carlos, e isso decidiu o nome
do menino.
Ser
batizado com o nome de um político traçou o destino do Fenólio. Seu pai foi
vereador de Pinhal por quatro mandatos consecutivos de 1964 a 1982, conquistou
a estação de tratamento de esgotos, presidiu a Câmara (1977-1978), e hoje dá
nome a uma rua da cidade e ao edifício do legislativo pinhalense. O ex-prefeito
de Taboão da Serra Armando Andrade viu neste DNA um bom prenúncio pra Fenólio ingressar
na política. “Meu negócio era o Ensino, fui diretor de escola, entrei na
prefeitura como diretor de Educação e Cultura, cargo técnico, não queria saber
de sair por aí pedindo votos pra ninguém”, conta.
As
artimanhas do Armando iam além dos limites geográficos de Taboão. Durante um
passeio com a família em Poços de Caldas (MG), resolveu passar por Pinhal e
tentar convencer o velho Antonio Fenólio a estimular o filho candidatar-se a
vereador.
Jogada
certeira. Em 1982, Fenólio assumiu a vaga na Câmara de Taboão – houve mais dois
mandatos.
A
centena 696 foi seu número de sorte no êxito nas urnas. Por isso a casa do
Fenólio em Pinhal tem milimetricamente esta metragem. “Eu fiz a planta da casa
dele”, explica o irmão José Eduardo Fenólio. “Tive de me virar
para acrescentar e eliminar detalhes no projeto até o imóvel ficar com área
construída de exatos 696 m²”, relata divertido.
Entramos
na Rua Antonio Fenólio, no Conjunto Habitacional São Vicente de Paula. Creio
ter ouvido Fenólio dizer “bênça, pai”. O ambiente fica muito saudoso com a
lembrança da viagem com que Fenólio presenteou o pai em 1970, um giro por
Montevidéu e Maringá.
Na
vinda para São Paulo, o jovem Fenólio contou com o apoio do amigo ator João
Acaiabe, nascido no mesmo bairro que ele, apenas um ano mais velho, porém mais
experiente nos mistérios da capital.
A
estação ferroviária desativada de Pinhal hoje é Espaço Cultural João Acaiabe. Fui
conhecer, mas estava fechado. Na antiga plataforma de embarque, o mendigo
dormitava. Ao me ver de câmera em punho, sentou no mísero colchonete e me
lançou o olhar percuciente.
Lembro
que no caminho de ida para Pinhal, ao passar por Mogi Guaçu Fenólio lembrou de
um tio seu, valente e brigão. Mas não morreu em combate com ninguém. A morte
foi buscá-lo dentro da fábrica de celulose onde morreu eletrocutado pela
máquina em que trabalhava. “O pai dele costumava dizer: ‘meu filho foi tão bom,
que até depois de morto continua cuidando da gente’, dizia referindo-se à
pensão recebida após a perda”.
Pinhal
está mudando de feição. Apesar da firme tradição cafeeira, o plantio da uva e a
produção de vinhos ganha espaço. Até na porta do Banco do Brasil naquela cidade,
o cartaz é de vinhedo, e não de cafezal.
Na
casa do Fenólio o caseiro Marcos é figura de destaque com seus grandes
conhecimentos sobre pássaros (razão pela qual foi contratado), e mais
recentemente nos vídeos-aulas que faz sobre as flores, folhagens e árvores da
propriedade junto com a patroa Vani.
No
próximo 26 de dezembro, Vani e Fenólio fazem 55 anos de casados.
Quando você ler esta crônica, Fenólio e eu estaremos na estrada de volta a Pinhal. E vai me contar em mais detalhes a história do Seu Golinha casado com Dona Tinória. “Ele tinha este apelido porque quando as pessoas perguntavam se ele queria beber alguma coisa, em vez de dizer ‘um gole de água’ele pedia: ‘me dá uma golinha de água’”. Vendia pelas ruas verduras e legumes plantados no seu quintal na Rua Prudente de Morais, antiga Rua do Arroz Queimado.
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| Foto: David da Silva - 14.dez.2024 |


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