Pode-se também creditar a São Paulo o berço de Formosa, outro grande sucesso de Baden e Vinicius, que começaram a compô-lo no trem a caminho da capital paulista, em 1963.
Foi ainda em São Paulo que a dupla teve sua primeira farra “fora de casa”. Após um recital no Colégio Mackenzie em 1962, Baden e Vinicius permaneceram por cinco dias de boemia ininterrupta na terra da garoa.
Sem contar que foi em São Paulo onde Baden Powell se apresentou (com apenas 16 anos de idade!) ao lado de velhos bambas como Pixinguinha, João da Baiana, Donga, etc., nos festejos do IV Centenário paulista, em 1954.
Cia. Jazzcira - Foto: Guma |
Por isto, nada mais justo que tenha partido de São Paulo a comemoração do 45º aniversário de lançamento do legendário disco Os Afrossambas, e do cinqüentenário da amizade entre o poeta e o violonista.
A Cia. Jazzcira de Repertório está em cartaz com O Amor nos Tempos de Baden e Vinicius, um espetáculo embrionário da turnê multimídia Afrossambas 45 Anos, em fase final de produção.
O Amor nos Tempos de Baden e Vinicius já percorreu os quatro pontos cardeais do município de São Paulo, com direito a uma “esticada” a Taboão da Serra, no sudoeste da região metropolitana.
Imprecisão mágica
Em Baden e Vinicius tudo é meio vago, lendário.
O poeta dizia ter conhecido Baden no início de 1962, na boate Arpège, no Leme, zona sul do Rio, após uma apresentação de Tom Jobim.
Mas Jobim já estava consagrado em 1962, e sua fama não caberia mais na Arpège. O show de Tom naquela boate foi provavelmente em 1960.
Esta última data confere com as memórias de Baden: "Era 1959, conhecia Vinicius só de nome. Uma noite, Vinicius apareceu no Arpège, em que eu só tocava boleros com um conjunto e depois vinha o show principal", declarou ao jornal "O Globo", em março de 2000.
O impacto foi forte em Vinicius: "Quando o conjunto retomou as danças, vi alguém se aproximar dos músicos e, dentro em pouco, a sala se enchia de sons de improviso de jazz em guitarra elétrica. Era Baden e ele estava com a cachorra, fazendo misérias no instrumento", contou o poeta.
Henrique Barros, produtor artístico da Cia. Jazzcira optou por 1961 como gênese da criação Baden/Vinícius, por ser a data em que seus nomes aparecem pela primeira vez em selo de disco (Um Violão na Madrugada, da Phillips).
“Profundamente marginais”
Imprecisões à parte, semanas depois de se conhecerem na boate Arpège o poeta e o violonista tiveram o primeiro “encontro de trabalho” no bar do Hotel Miramar – não sem antes Baden ter faltado aos três encontros marcados anteriormente.
Nunca sem seu violão a tiracolo, Baden sacou do bolso umas partituras rascunhadas com músicas suas. Adepto da música clássica, ele preferia o pentagrama ao gravador. Naquela mesa de bar nasceram Cantiga de ninar meu bem e Sonho de Amor e Paz.
O furor criativo da dupla prosseguiu no belo e imenso apartamento de Vinicius, no Parque Guinle. Dali brotaram clássicos como O Astronauta, Labareda, Tem dó, Só por Amor, Consolação, e outros. Tudo embalado pelo consumo de uísque “em quantidade federal” (na definição de Vinicius) e noitadas reforçadas por mexidinho de ovos com bacon.
Para evitar o cansativo trajeto Olaria-Parque Guinle, durante o qual Baden sempre desmaiava de sono e perdia o ponto de descer, o músico ficou “morando” na casa do poeta durante 90 dias e 20 caixas de uísque.
A fascinação de Vinicius por Baden era imensa. O violonista trazia dentro de si a alma suburbana de que o poeta tanto gostava. Acrescida do gosto comum pela bebida (Baden trazia no sangue o DNA alcoólico herdado do pai). A comunhão dos parceiros foi tanto mais arrebatadora porque ambos eram “profundamente marginais”, na definição da biógrafa Dominique Dreyfus.
Se Vinicius influiu decisivamente na ascensão social de Baden, foi graças a uma composição da dupla que Vinicius concretizou seu desejo de cantar profissionalmente, estreando como cantor na boate Au Bon Gourmet interpretando o então inédito Samba da Benção, em 1962.
Interpretações sólidas
O repertório do show da Cia. Jazzcira está solidamente edificado entre dois poderosos afrossambas. A apresentação começa com Canto de Xangô, e se encerra, no inevitável bis, com Canto de Ossanha.
Com personalidade vocal marcante, as cantoras Daisy Cordeiro, Paula Souto e Susie Mathias provam que, para cantar Baden e Vinícius não basta interpretar – tem de incorporar toda a paixão e alegria contidas nas composições concebidas em meio a tristeza e sofrimento.
Os cinco instrumentistas surpreendem pela juventude da qual emana a maturidade musical adequada a quem aceita o desafio de levar ao palco uma obra desta magnitude.
O diretor musical, arranjador e violonista Igor de Bruyn ratifica a sentença de Vinicius: “o violão é a música em forma de mulher ideal, nem grande, nem pequena; de pescoço alongado, ombros redondos e suaves, cintura fina e ancas plenas, relutante em exibir-se, a não ser pela mão daquele a quem ama”.
Entremeadas a consagrados afrossambas lançados em 1966, O Amor nos Tempos de Baden e Vinicius traz canções pungentes que os dois fizeram ao longo da parceria que rendeu mais de meia centena de clássicos como Apelo, Formosa, Queixa, Pra que chorar?, Tem dó, e outros.
Cabem uns “causos”
Com todas as decisões tomadas em coletivo, elenco e produção do espetáculo planejam intercalar as músicas de O Amor nos Tempos de Baden e Vinicius com bastidores da parceria.
Baden e Vinicius eram capazes de ir da alegria extremada à mais profunda depressão.
No mesmo dia de Natal de 1963, nasceram composições diametralmente opostas. Durante a preparação do peru do almoço no apartamento de Vinicius em Paris, Baden aproximou-se do parceiro. É Vinicius quem conta: “Durante o cozimento da ave, meu parceiro Baden Powell sobreviera e ali mesmo, ao pé do fogão, balançara-me um samba também saidinho do forno; um sambão todo alegria, de bocarra aberta e braços para cima. Enquanto trançávamos entre a cozinha e a sala, dando as últimas providências, a letra foi saindo...”. Baden e Vinicius certamente trocavam olhares sacanas enquanto “pariam” o samba Formosa, inspirado numa mulata de seios e bunda colossais que conheceram dias antes no trem Rio-São Paulo.
Na tarde daquele mesmo 25 de dezembro de 1963, os dois estavam abraçados no meio da sala, chorando desesperadamente ao término da composição de Velho Amigo, dedicada ao falecido pai de Baden.
No ano anterior a este fato, Baden entregou a Vinicius a melodia do que viria a ser Samba em prelúdio. O poeta refugou para pôr a letra. “Isto é plágio de Chopin”, disse ao parceiro contrafeito. Vinicius era então casado com uma pianista que conhecia Chopin “na ponta dos dedos”. Ante a negativa da mulher, o poeta tripudiou: “Então esta é uma música que Chopin se esqueceu de compor”.
Vinicius havia errado de autor, mas acertara na acusação. Samba em prelúdio é, sim, um plágio. Não do polonês soturno. Mas do brasileiro Heitor Villa Lobos. A primeira parte de Samba em prelúdio é “chupada” do Prelúdio da Bachiana número 4. O que não impediu este samba de entrar para a história como uma das mais lancinantes obras do cancioneiro brasileiro.
De norte a sul
O Amor nos Tempos de Baden e Vinicius já foi apresentado nas seguintes localidades:
- Zona Oeste - Biblioteca Alceu Amoroso Lima, Pinheiros, em 25.mar.2011
- Zona Leste - Biblioteca Cora Coralina, Guaianazes, em 29.mai.2011
- Zona Norte - Biblioteca Álvares de Azevedo, Vila Maria, em 26.mai.2011
- Zona Sul – Biblioteca Viriato Correa, Vila Mariana, em 27.abr.2011, e C.E.U. Navegantes, Grajaú, em 24.jun.2011
E como Baden e Vinicius eram “chegados num uisquezinho”, a Cia. Jazzcira também levou o show ao Bar Varal, em Pinheiros, zona oeste, em 25.jun.2011.
Elenco:
Adriana Aragão – Percussão
Daisy Cordeiro – Voz
Edson Luna - percussão
Edson Negrita – Cavaquinho
Igor de Bruyn – Violão 7 cordas
Mathias Capovilla – Trombone
Maurício Paixão – Percussão
Paula Souto – Voz
Susie Mathias – Voz
ViniBatucada – Percussão
Para contratar O Amor nos Tempos de Baden e Vinicius:
55 (11) 3784-4031 / 8435-5229 – Henrique Barros
e-mail: jazzcira@gmail.com
Vinicius e Baden em Paris - Revista O Cruzeiro, 31.out.1964 |
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