A maioria das sinopses da peça O Canto dos Canários Cegos sempre “vende” a ideia do espetáculo como “a passagem do naturalista inglês Charles Darwin pelo Brasil a bordo da fragata Beagle, e o seu horror diante do tratamento dispensado aos escravos africanos”.
Me soa meio que lugar-comum.
Débora Muniz (Emma) e Orias Elias (Charles Darwin) - Foto: W. Lins |
Penso que o grande mérito do dramaturgo Murilo César Dias é focar este episódio da biografia do cientista britânico, e diluí-lo sensivelmente na vida cotidiana do pai da Teoria da Evolução das Espécies.
Já confessei aqui que saí do Teatro Encena impressionado pela maneira sutil como a peça nos puxa para dentro da casa do casal Darwin no vilarejo de Downe, a 50 milhas (cerca de 80 km ) de Londres.
O espectador se torna cúmplice das atribulações domésticas de Darwin. Aquele gigante do pensamento universal encontrava alívio para suas atribulações quando Emma lia para ele clássicos da filosofia, ou quando lhe curava as dores físicas, ou ao tocar piano para ele. Emma Darwin era excelente musicista, e chegou a fazer concertos como pianista profissional.
Do texto de Murilo Cesar Dias a personalidade de Emma Darwin emerge com força, resgatada do pouco caso a que ficou relegada há séculos pela historiografia machista.
Cumplicidade amorosa e intelectual - Foto: Walter Lins |
Orias Elias (que vive Charles Darwin no palco) já tinha minha admiração pela obra grandiosa que implantou no inicialmente pequeno Espaço Cultural Encena. Agora me tem como fã da vigorosa suavidade com que nos traz um personagem imenso na sua complexidade.
Sobre Débora Muniz (Emma Darwin) já falei em postagem anterior. Mas nunca é demais repetir que é dádiva termos uma musa do cinema nacional ali tão ao alcance da nossa emoção.
Ponto alto do espetáculo são as cenas da cumplicidade carinhosa de Charles e Emma, com adoráveis pitadas de malícia recatada na observação das cópulas de minúsculos seres marinhos nas lâminas de laboratório. E a sabedoria salomônica da mulher ao salvar o marido do dilema que o atormentou quando teve de decidir como e quando mandar o livro para a publicação.
O trabalho colossal da equipe técnica faz caber no modesto palco todo o Cosmo e o planeta Terra com suas contradições humanas. Iluminação instigante, cenário econômico, projeções de imagens e uso de ilusões sonoras que levam o público a viajar pela trama.
Bem vindos a bordo do Beagle!!!
O Canto dos Canários Cegos
Todos os sábados, às 20h30
Entrada grátis
Espaço Cultural Encena
Rua Sargento Estanislau Custódio, nº. 130
Jd Jussara
Tel.: 2867-4746
Um comentário:
David, muito obrigado pelas palavras carinhosas ao nosso espetáculo. Seus comentários generosos foram lidos para todos e foi um deleite para todos nós da Cia Encena de Teatro. O Espaço Cultural Encena é para todos nós. Está e estará sempre aberto para você e seus leitores.
Muito obrigado e todo nosso carinho.
Orias Elias - Cia Encena
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