Haroldo (de óculos) com familiares |
Haroldo Borges Barcellos
Fui traído pela audácia
impensada da juventude.
Com 21 anos de idade decidi
andar na moto que pedi emprestada a um amigo, em troca do meu carro. Eu não
tinha habilitação para moto nem carro. Também não andava de moto com frequência.
Saí sem luvas nem capacete.
Surpresas da vida.
Sofri um grave acidente.
Fui levado em viatura policial até o hospital.
Aquele ato imprudente foi
minha sentença de morte.
Na noite do dia 20 de
janeiro de 1990, minha vida chegou ao fim...
Na manhã de 19 de abril de
1990, contrariando todas as previsões médicas, no quarto hospitalar minha vida recomeçou.
Acordei do coma profundo.
Agora eu tinha o estado físico de uma pessoa de 21 anos, mas sem nenhum dos
movimentos do corpo.
Cabeça ainda raspada
devido a algum ponto cirúrgico, algumas escaras. Várias cicatrizes e hematomas
espalhados pelo corpo. Estava muito magro.
Perdi a memória, perdi
minha identidade. Me esqueci do passado, de toda a história da minha vida.
Minha luta pela existência
começou.
Tinha dificuldade de
engolir minha própria saliva. Minha mãe, ou algum familiar, alimentava-me,
levando os alimentos até a minha boca.
Não conseguia controlar as
minhas necessidades fisiológicas. Um quarto da casa dos meus pais foi
modificado para dar-me mais conforto.
Com o passar dos dias
ganhei uma cama hospitalar, uma cadeira para banho e uma cadeira de rodas
alugada pelos meus pais, provisoriamente.
Eu passava várias horas do
dia deitado. No final da tarde recebia tratamento de fisioterapia na minha
própria casa. Ainda tinha dificuldade de engolir minha saliva.
Fui encaminhado para uma
clinica de reabilitação, onde recebia um tratamento diário de mais ou menos
seis horas, às vezes oito horas.
Lentamente aprendi a me alimentar
sozinho com a ajuda de uma colher, e a expressar minha vontade em palavras.
Recuperei os movimentos
dos braços. Já fazia minha higiene pessoal sem auxílio de outros.
Meu pai me presenteou como
uma cadeira de rodas definitiva.
Segundo as previsões mais
animadoras, eu nunca recuperaria os movimentos das minhas pernas.
Durante uma passagem de
Ano Novo, assistindo à Corrida de São Silvestre pela televisão, disse para as
pessoas próximas:
- Eu vou participar da Corrida
de São Silvestre.
Elas disseram-me:
-Quando esse dia chegar, iremos-nos
com você!
Minha família levou-me
para uma viagem ao Rio de Janeiro.
Lá encontrei meus primos
hospedados na casa de um parente para assistir a um show de rock. No passado eu
tinha assistido outro show ao lado deles. Mas, eu já não podia fazer parte dos
passeios do grupo.
Durante um giro de carro
pelas ruas do Rio, um primo me disse:
- Vamos deixar você aqui
na rua, para voltar sozinho para casa.
Não entendi. Acreditei que
me deixariam mesmo ali, desacompanhado. Fiquei com medo de me perder. Todos
dentro do carro riram da minha ingenuidade diante da brincadeira.
Em outra ocasião, num
passeio por um shopping em
São Paulo , ouvi uma pessoa comentar baixinho com outra:
- Coitadinho... Um rapaz
tão bonito na cadeira de rodas.
Meu irmão e minha mãe
levaram-me até o local onde eu trabalhava, para buscar documentos pessoais. Uma
antiga colega de serviço disse:
- Aqui ninguém quer te ver
desse jeito. Você precisa fazer alguma coisa da sua vida!
Voltando certa noite de um
casamento na cidade de Embu das Artes, um cachorro atravessou a pista. O carro
onde eu estava derrapou e capotou. Eu não tinha condições de avaliar o mundo à
minha volta. Entendi a gravidade do acidente.
No dia seguinte, quando
meu pai contou o fato a amigos, um deles comentou:
- Você deve ter a chave do
céu!
Todos riam.
Esses são alguns exemplos
que me estimularam, e ainda estimulam, a continuar enfrentando e superando
vários desafios.
Recuperei alguns
movimentos do corpo. Aprendi a empurrar a minha própria cadeira de rodas. Voltei
a movimentar as pernas depois de vários meses usando um aparelho ortopédico
preso a elas.
Apoiado num andador,
voltei a trocar passos.
Minha família encontrou um
grande ortopedista que expôs meu quadro durante um congresso em São Paulo. Ele
optou em operar-me. Fui
submetido a duas cirurgias ortopédicas. Durante uma delas, sofri parada
cardiorrespiratória.
Os procedimentos
cirúrgicos ajudaram-me. Fui deixando de usar cadeira de rodas, mas ainda a
utilizo com certa frequencia.
Hoje em dia já realizo
alguns sonhos de vida. Ando de Metrô e aprendi a embarcar em ônibus. Durante
este aprendizado sofri quedas no Metrô e no ônibus. Mas minha capacidade de
circular pelas ruas me livrou de ficar restrito em casa.
Prestei vestibular, e
cursei uma faculdade por seis meses.
Casei, e acompanhado da
minha esposa viajei para uma cidade praiana. Assisti ao show da Banda U2 no
estádio do Morumbi.
Realizei uma palestra em
um hipermercado da Zona Norte.
Em 2005 participei da Corrida
de São Silvestre. Fiz todo o percurso em 04h53min.
Agora me sinto feliz. Tenho
outros valores na minha vida.
Enfrento as consequências
do meu ato impensado com a moto na juventude. Sofro e convivo com dores de
cabeça constantes. Tenho limitações físicas e de movimentos nos membros do
corpo. Uso muletas para andar nas ruas
Mas deixei as lamentações
do passado. Tenho planos para o meu futuro.
5 comentários:
Haroldo, meu primo, vc sempre foi meu modelo de superação, Parabéns por ser como é...amo vc
Haroldo tantas historias ,tantas lutas ,tantas noites sem durmi ,coração aperto mas sempre com muita fé muita fé q vc ia superar tdo cada obstaculo...te amo meu irmão.....
A propósito o comentário acima foi meu, Luciana Zapparoli...
QUEIDO HAROLDO, ACHO QUE NÃO O CONHEÇO PESSOALMENTE, MAS PASSEI A CONHECER UM HOMEM DE GARRA E COM MUITA ESPERANÇAS NA VIDA. VOCÊ É UM GUERREIRO, FELICIDADES E MUITA, MUITA SORTE NESTA EXISTÊNCIA
Caro Haroldo,
fico feliz com sua garra e valorização de seu viver.Acompanhei de perto seu "calvário" como amigo de sua família e convivência na querida "Rui Barbosa". Seu saudoso e inesquecível pai fazia de tudo para mitigar suas dificuldades. Vejo, com alegria, que valeu a pena toda a luta dele e de sua família. Vá em frente com essa sua coragem exemplar para todos nós. Abraço do Fenólio
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