Moleque de 13 anos à
sombra do pé de amora, lendo A História
Universal da Infâmia.
Só podia dar nisto aqui
que você tá vendo.
A escrita do argentino
Jorge Luiz Borges me chupou a mente feito um zoom logo alí naquela curva do
final da infância.
Ontem, ao saber do papa
argentino, minha memória fez catapult!
Me veio inteirinho o conto de Borges onde ele brinca com a ambição de um deão – cargo logo abaixo de bispo – que busca em um bruxo a ajuda para pegar o atalho para
o trono púrpura do Vaticano.
Borges publicou este conto
em 1935, portanto 78 anos antes de um argentino chegar ao topo do comando do
catolicismo.
Algo profético, por supuesto.
O Bruxo Preterido
Em
Santiago, havia um deão que cobiçava aprender a arte da magia.
Ouviu
dizer que Dom Illán, de Toledo, conhecia-a mais do que ninguém, e foi a Toledo
procurá-lo.
No
mesmo dia em que chegou, dirigiu-se à casa de Dom Illán e o encontrou lendo em
um cômodo afastado.
Este o recebeu com bondade e lhe pediu que adiasse o motivo
de sua visita até depois de comerem. Mostrou-lhe o alojamento fresco e disse
que sua vinda o alegrava muito. Depois de comer, o deão contou a razão daquela
visita e rogou que lhe ensinasse a ciência mágica. Dom Illán disse que
adivinhava ser ele deão, homem de boa situação e belo futuro, por quem temia
ser logo esquecido. O deão prometeu e assegurou que jamais esqueceria aquela
mercê, e estaria sempre às suas ordens.
Resolvido o assunto, explicou Dom Illán que as artes mágicas não se podiam
aprender senão em lugar apartado, e tomando-o pela mão levou-o a um quarto
contíguo, em cujo soalho havia uma grande argola de ferro. Disse antes à criada
que preparasse perdizes para o jantar, porém que não as pusesse para assar
senão quando lhe ordenassem. Juntos levantaram a argola e desceram por uma
escada de pedra bem lavrada, até que ao deão pareceu terem descido tanto que o
leito do Tejo estava sobre eles. Ao pé da escada havia uma cela e depois uma
biblioteca e depois uma espécie de gabinete com instrumentos mágicos.
Examinavam os livros, e nisso estavam quando entraram dois homens com uma carta
para o deão, escrita pelo bispo seu tio, na qual lhe fazia saber que estava
muito doente e que, se quisesse encontrá-lo vivo, não demorasse. Ao deão contrariaram muito essas novas, primeiro pela enfermidade do tio, depois por
ser obrigado a interromper os estudos. Optou por escrever uma desculpa e
mandou-a ao bispo. Três dias depois, chegaram alguns homens de luto com outras
cartas para o deão, nas quais se lia ter o bispo falecido, que estavam elegendo
o sucessor e esperavam, com a graça de Deus, que fosse ele o eleito. Diziam
também que não se incomodasse em voltar,
posto que parecia muito melhor que o elegessem em sua ausência.
Passados
dez dias, vieram dois escudeiros muito bem vestidos, que se atiraram a seus
pés, beijaram-lhe as mãos e o saudaram como bispo. Quando Dom Illán viu essas
coisas, dirigiu-se com muita alegria ao novo prelado e lhe disse que agradecia
ao Senhor que tão boas novas chegassem a sua casa.
Depois
pediu-lhe o decanato vacante para um de seus filhos. O bispo fez-lhe saber
que havia reservado o decanato para seu próprio irmão, mas que sempre
havia determinado favorecê-lo, e que partissem juntos para Santiago.
Foram
para Santiago os três, onde os receberam com honrarias. Seis meses depois,
recebeu o bispo enviados do Papa que lhe oferecia o Arcebispado de Tolosa,
deixando em suas mãos a nomeação do sucessor. Quando Dom Illán soube disso,
recordou-lhe a antiga promessa e pediu-lhe o título para seu filho. O arcebispo
fez-lhe saber que o havia reservado para seu próprio tio, irmão de seu pai, mas
que havia determinado favorecê-lo, e que partissem juntos para Tolosa. Dom
Illán não teve outro remédio senão concordar.
Foram
para Tolosa os três, onde os receberam com honrarias e missas. Dois anos
depois, recebeu o arcebispo enviados do Papa que lhe oferecia o capelo de
Cardeal, deixando em suas mãos a nomeação do sucessor. Quando Dom Illán soube
disso, recordou-lhe a antiga promessa e pediu-lhe esse título para seu filho. O
Cardeal fez-lhe saber que havia reservado o arcebispado para seu próprio tio,
irmão de sua mãe, mas que havia determinado favorecelo, e que partissem juntos
para Roma. Dom Illán não teve outro remédio senão concordar. Foram para Roma os
três, onde os receberam com honrarias,
missas e procissões. Quatro anos depois, morria o Papa e nosso Cardeal foi
eleito para o papado pelos demais. Quando Dom Illán soube disso, beijou os pés
de Sua Santidade, recordou-lhe a antiga promessa e pediu-lhe o cardinalato para
seu filho. O Papa ameaçou-o com o cárcere, dizendo-lhe que bem sabia ele que
não era mais do que um bruxo e que em Toledo tinha sido professor de artes
mágicas. O miserável Dom Illán disse que voltaria à Espanha e lhe pediu alguma
coisa para comer no caminho. O Papa não acedeu. Foi quando Dom Illán (cujo
rosto havia remoçado de modo estranho)
disse com uma voz sem tremor:
–
Pois terei que comer sozinho as perdizes que para esta noite encomendei.
A
criada apresentou-se a Dom Illán e este deu ordem para que as assasse. A essas
palavras, o Papa se encontrou na cela subterrânea em Toledo, apenas deão de Santiago,
e tão envergonhado de sua ingratidão que não atinava como desculpar-se. Dom
Illán disse que bastava essa prova, negou-lhe sua parte nas perdizes e o
acompanhou até a rua, onde lhe desejou feliz viagem e se despediu com grande
cortesia.
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