O garçom Josivaldo - Foto: David da Silva |
Bem no
meio da refeição, o freguês teve de se levantar pra ir ao banheiro. Era o
primeiro cliente na vida do garçom Josivaldo. “Pensei que o rapaz tinha
terminado, fui lá e levei a comida dele embora. Quando tô juntando os pratos,
vem ele bem nas minhas costas: ‘Ô, meu chapa! Deixa meu almoço aí!’. Ele tinha
pedido uma comida facinha de servir. Arroz, feijão, bife e ovo. Eu trabalhava
antes na construção civil. Nunca tinha servido ninguém na minha vida. Quis ser
eficiente demais no meu primeiro atendimento e dei aquela mancada”, relembra
entre risos.
Mas isso
já faz muito tempo.
Hoje
Josivaldo é um dos garçons mais competentes e queridos de Taboão da Serra. É
também um dos profissionais mais divertidos em seu ramo. “Não tô nem aí. Eu
brinco com todo mundo. Trabalho contente”, diz.
A
infância e juventude de Josivaldo repetem a história de milhões de migrantes nordestinos.
Nascido no município de Solânea, no agreste paraibano, a 138 quilômetros da
capital João Pessoa. Filho do senhor Josafá Ferreira da Silva e de dona Maria
das Neves.
Pouco
depois de sua chegada a São Paulo, Josivaldo foi levado por sua tia Raimunda a
morar em Brasília. “Eu era muito bom em fazer aqueles caminhõezinhos de madeira
em miniatura, e fui pra lá trabalhar numa fábrica. Fiquei lá um ano e pouco, e
saí fora”.
O
pai de Josivaldo possuía um galpão na capital federal, e cedeu o espaço para
seu filho viver do ofício de marceneiro. “Comprei duas maquininhas e comecei a
mexer com móveis usados. Fazer reformas, entendeu? Dá dinheiro, sabia? Móveis
usados pra você reformar, guarda-roupa, cômodas, mesa, cadeira, penteadeira...
Mas dá um trabalho danado, viu?”.
Certa
feita Josivaldo foi procurado pelo dirigente de uma igreja evangélica. Ele não
se lembra do nome do religioso. Só recorda que a pessoa era duma localidade
chamada Lago Azul, no entorno de Brasília. “Daí, resumindo. Lá tinha uma
igrejinha pequena, da Universal, e o pastor precisava de uma cruz grandona. Eu
fiz a cruzona pros caras. Uma cruz de uns dois metros de altura, enorme. Pra eles
pôr bem no centro da igreja”.
Os
crentes gostaram do serviço. “Daí eles falaram: ‘Vamos fazer umas cruzes
pequenas pra gente vender para os irmãos que freqüentam nossa igreja’. Aí eu me
lasquei”.
A
marcenaria de Josivaldo teve de se dedicar em tempo integral às encomendas do
pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. “Eram umas cruzinhas assim, bem miudinhas
(imita o tamanho entre os dedos indicador e polegar). Coisa de 8cm de
comprimento por 5cm de largura”.
A
semana toda inteira tomada. “De segunda e terça-feira eu cortava as
madeirinhas. Quarta e quinta-feira eu lixava todas elas. Sexta e sábado eu
colava as cruzinhas. E sábado de noite o irmão passava lá e levava embora”.
Pergunto
a quantidade da produção semanal. Josivaldo responde com a precisão típica dos
botecos: “A quantidade certa assim de cabeça não dá pra dizer quantas eram,
não. Mas era cruz que só a porra”.
Passado
o acesso e o excesso de riso, concluímos que ele vendia cerca de 1.500 a 2.000
cruzinhas de madeira toda semana para o mercador da fé.
Um
dia Josivaldo ficou sabendo por quanto o tal pastor vendia cada pequenina cruz
de madeira. “Ele me pagava uma miséria
em cada cruz. Mas vendia cada cruzinha por R$ 2,00 pros irmãos lá da igreja dele.
Um lucro de mais de mil por cento em cima do meu trabalho. Daí eu me invoquei e
parei com aquela exploração”.
Em
São Paulo Josivaldo tinha seu irmão, Francisco, empregado na construção civil. “Vim
trabalhar mais ele”.
“Um
dia eu tava pintando um restaurante aqui na BR-116, perto do Shopping Taboão. O
sobrinho do dono do restaurante me chamou pra pintar a casa dele. Era o Valmor,
meu patrão até hoje. Que eu chamo de Gauchão”.
Valmor
foi dono de um dos bares e restaurantes mais freqüentados de Taboão da Serra.
Na esquina da Praça Nicola Vivilechio com Rua Levy de Souza e Silva. Bem ao
lado do Cemur. “A gente fez amizade pelo serviço de obras que eu fazia na casa
dele. E o Gauchão perguntou se eu encarava trabalhar no restaurante dele”, diz
Josivaldo, ainda rindo muito do vexame que passou com seu primeiro cliente.
Foto: David da Silva |
Hoje
Josivaldo serve bom humor como prato principal na nova lanchonete-restaurante
do seu amigo-patrão.
Quem
vê Josivaldo naquela risadaria toda, sequer pensa ser ele um homem solitário.
Separado de dois relacionamentos, seus olhos brilham ao falar das duas filhas,
cada uma com uma mãe diferente. “Eu não tenho nada nessa vida. Só as minhas
duas filhas. A Bruna, de 17 anos, que vive com a mãe dela em Brasília. E a
Milena, de 9 anos, vive aqui em São Paulo com a mãe. Para mim, abaixo de Deus,
só elas”.
2 comentários:
Davi belíssima reportagem.Pois este são paulino é muito gente boa , um ser humano de bom coração e caráter....
Sou fã do Josi e do atendimento dele,frequentava a outra lanchonete onde ele trabalhava e agora nessa,todos de parabénsemana! !!
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