Grande
parte do elenco é de Taboão da Serra, cidade onde foi gravado o maior número de
cenas
O sol
bate forte na cara do vagabundo Rony. Arruinado de sono e de fome, ele se arrasta pra fora do finíssimo
colchonete, prostrado no piso de um cubículo imundo. O barulho do despertador é um punhal em seus ouvidos. Espalhadas pelo chão da
maloca, latas de cerveja vazias. Em vão cavuca o cigarrinho salvador no maço amassado
de Hollywood. O jeito é salvar do cinzeiro uma bituca, acender a guimba, e se
mandar para as ruas, ver no que vai dar.
Clayton Novais é Rony, em A Sombra do Fogo |
Essa a
primeira cena do trailer oficial do filme A
Sombra do Fogo, do diretor Jean Grimard, que estreia na próxima 4ª-feira no
Canal Brasil.
A
população de Taboão da Serra vai se reconhecer no longa-metragem, nas cenas
onde Rony (Clayton Novais) bate pernas pela cidade, numa viração sem fim. A noite é o seu habitat. É das ruas
mergulhadas no abandono que Rony arranca a sobrevivência. Onde às vezes se dá
bem (mulheres, ou um dinheirinho à toa encontrado na sarjeta, ou um trambique
aplicado com sucesso). E onde também pode se dar mal.
Além das
locações em Taboão da Serra, o filme foi gravado no centro da Capital de São
Paulo e no litoral sul do Estado.
Outra
forte identificação dos taboanenses com o filme é o ator principal Clayton
Novais. Conhecido do grande público pela sua atuação como personagem central da
Paixão de Cristo – ele interpretou
Jesus nos anos 2007, 2008, 2013, 2014 e volta ao papel na Sexta-Feira Santa deste
ano.
A famosa
frase “luzes, câmeras, ação” n’A Sombra
do Fogo foi dita pela primeira vez na noite fria de uma 2ª-feira, 30 de
julho de 2012.
O
segundo dia de gravação, no domingo 19.ago.2012, levou a equipe para a Praça da
Sé.
O
roteiro mete o personagem Rony em várias confusões. Muitas bem engraçadas. Mas
o próprio elenco não escapou de situações cômicas.
O
trambiqueiro Rony tem como fiel parceiro de marotagens os vários personagens
vividos pelo ator Luis Bezerra.
Na
primeira noite de filmagem, Luis Bezerra interpretava o travesti Rosana. E não
é que um transeunte se engraçou com o travéco? Tão convincente estava Luis
Bezerra no papel, que o cidadão passou-lhe logo uma cantada.
Já na
Praça da Sé, a dupla Clayton Novais (Rony) e Luis Bezerra (aqui fazendo o personagem
Jonas) aplicava dois de seus melhores golpes para extorquir dinheiro das
pessoas de boa fé: passar-se por pastores evangélicos ou cegos pedindo esmolas.
Quando pararam de gravar como cegos, um policial deu o enquadro: “Mas vocês nem
são cegos de verdade? Sabem o que pode acontecer se forem pegos? Vocês vão me
dar trabalho?”. O PM não tinha se ligado que aquilo era uma cena de cinema.
A
espontaneidade desempenhou papel importante na concepção e realização d’A Sombra do Fogo. A gênese da obra foi
revelada dias atrás pelo diretor Jean Grimard em sua página no Facebook: “Primeiro
diálogo do roteiro - Jean: ‘Clayton,
tá a fim de fazer uma espécie de teaser
para um projeto de longa?’. Clayton: ‘Demorô’.”
Delegado Paschoal (Wlad Raeder) e Janete (Dora Nascimento) |
Na
sua danação diária para levantar dinheiro na moleza, Rony vai estabelecendo
contato pessoal e contratos de malefícios com vários personagens da fauna
urbana. Além dos já citados Jonas/Rosana, surgem em seus descaminhos Sandra
(Márcia Nunes) mulher festeira viciada em drogas; a possessiva Janete (Dora
Nascimento) que contrata Rony para assassinar uma garota, e o mendigo Sem (Zhé
Gomes) que ensina Rony como sobreviver nas ruas.
Em
uma das “etapas de vida” do malandro Rony, ele se torna um próspero pastor
evangélico.
Mas
mesmo cercado de tanta gente “boa”, ele logo se dá conta que dinheiro fácil =
vida difícil.
Os
personagens criados por Jean Grimard e Clayton Novais se aproximam bastante do
universo dos livros de João Antonio. Pessoas postas à margem do Brasil urbano e
industrial. Vagando sem cessar entre o mundo do trabalho e a vadiagem. Feito
pêndulos desregulados entre as regras sociais e a vida largada, sem eira nem
beira. Como definiu o próprio João Antonio: “em andanças aluadas e cinzentas...
malandros, viradores, quebrados, quebradinhos pela noite de São Paulo”. Num
angustiante ganha aqui, perde ali.
Os
personagens são condenados a uma circularidade onde se misturam a vontade/obrigação
de um sacanear o outro, mas também por vezes se irmanarem num ambiente
fraterno, amoroso, embora a violência sempre ronde por perto. Naquilo que o
crítico literário Antonio Cândido definiu como a “dialética da malandragem”.
Kawan Mattos com Apolo e Clayton Novais |
Se Rony
e seus comparsas se esgueiram pelas beiradas da sociedade, Jean Grimard e
Clayton Novais também tiveram de se virar por fora do sistema. O filme não
conta com nenhum incentivo de governo. Foi bancado por toda a equipe envolvida.
“Tratamos
com naturalidade fatos que uma boa parte das pessoas não está acostumada a
enxergar. Mostramos a realidade com humor cáustico, mas não ofensivo. Enfim:
Rony é um solitário que redime o público de seu próprio riso”, diz a dupla de
diretor e ator co-roteirista.
Raul e Pedro Bezerra |
Imerso
na sordidez dos falsos sentimentos e das más intenções, o filme, no entanto,
conta com sadia estrutura familiar por trás das câmeras. O ambiente das
filmagens foi contagiado pela alegria juvenil dos atores mirins Kawan Mattos, e
os irmãos Raul e Pedro Bezerra, filhos do ator Luis Bezerra.
Até
mesmo o cachorrinho do ator Clayton Novais foi para a frente das lentes – o cão
Apolo “interpretou” a cadelinha Pimba.
A
afinidade pessoal também cimentou a convivência entre a equipe técnica, o
elenco e o grupo das participações especiais. São todos “cúmplices” da cultura
periférica. Dividem o cotidiano da arte alternativa em Taboão da Serra, Campo
Limpo e região.
Alexandre Souza, Alberto Jorge, Babi Soares e Léo Santiago |
Com oito
jornadas de filmagens até outubro de 2012, as gravações foram retomadas em
janeiro do ano seguinte.
A
esperada cena da praia foi concluída em uma única empreitada no 22º dia de
filmagens em Peruíbe (SP), já no mês de abril de 2013.
Mas
antes disso, a equipe já tinha passado por uma locação de filmagem prazerosa. O
19º dia de gravações foi no aconchegante Bar do Alemão, na Vila Iasi, Taboão da
Serra.
Zhé Gomes interpreta o mendigo Sem |
E
como o personagem Rony é uma espécie de “vira lata humano”, bicho solto no
mundo, nada mais natural que essa figura tomasse as rédeas de como sua história
seria contada.
“A
ideia inicial do roteiro era escrever um drama. A história do marginal Rony que
tinha dificuldades, que fazia os seus trambiques, e que vivia a vida noturna, a
vida boêmia de São Paulo. Mas à medida em que a gente foi escrevendo, fomos
percebendo que algumas situações estavam ligadas mais ao humor do que
necessariamente ao drama”, conta o diretor Jean Grimard.
Assista
o trailer aqui
A Sombra do Fogo – O Filme
(Longa
metragem da Cult Pictures, 2013)
Estreia
nacional 4ª-feira, 21 de janeiro, às 22h
Canal Brasil
Reapresentações:
23 de janeiro às 04h00, e 27 de janeiro à 01h30
Também em transmissão online:
Com: Clayton
Novais, Luis Bezerra, Márcia Nunes, Dora Nascimento, e Zhé Gomes.
Os "fiéis" da igreja do pastor Rony |
Babi
Soares, Wladimir Raeder, Alexandre Souza, Léo Santiago, Alberto Nogueira,
Natália Romeiro, Rogério Gonzaga, Luciana Bejar, Mariano Martins, Loretta
Puttini, Carolina Vanigli, Guilherme Alves, Lâina Silveira, Flávia D’Álima,
Daniel Diez, Vera Diez, Walter Lins, Cláudio Bovo, Pedro Bezerra, Raul Bezerra,
Jeff Mendes, Kawan Mattos, Renato Gomes, Diógenes Silva, Devaki Duslei, Adelmo
Fernandes, Angela Maria, Desiréé Lindquist, Marco Pezão
Produção: Dora Nascimento
Direção: Jean Grimard Gauthereau
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