Magela observa formação de temporal no Pq Marabá. Foto: David da Silva - 19.dez.2014 |
O Facebook
mandou me avisar que hoje é aniversário de Geraldo Magela. Líder de cortejo de
Boi-Bumbá, mestre-cirandeiro, compositor, violonista, percussionista e fundador
do Grupo Candearte. Mas ele troca todos estes títulos de nobreza por uma única
singela autodefinição: “Sou folião, e filho de folião”.
Com 7
anos de idade, desobedecendo ao pai, o menino Magela espichou os olhos para uma
Folia de Reis, lá na cidade de Barra Longa (MG) onde nasceu. Pela crendice popular,
a uma criança é vedado assistir à Folia. Pra não dar azar, o pai disse ao
garoto que ele deveria acompanhar a folia por sete anos seguidos. Chegando a
São Paulo, Geraldo quis seguir a tradição paterna. Mas a Folia não deu pé. E
ele enveredou pelo Boi-Bumbá, organizando cortejos nos finais de ano pelas ruas
do Parque Marabá, bairro onde mora em Taboão da Serra.
“No
começo o meu Boi-Bumbá só era assistido pelos bêbados, os cachorros e as
crianças. As pessoas ‘normais’ achavam que eu era maluco”. Hoje o Boi de
Geraldo Magela arrasta uma multidinha por onde vá.
O nome
Candearte do seu grupo cultural também deita raízes na infância em Minas
Gerais. “Com 6 anos de idade eu era candeeiro de boi. Aquela criança que vai na
frente do carro-de-boi ou do arado, mostrando o caminho certo pro boi seguir.
Daí que quando fui batizar meu grupo, bateu uma saudade danada da minha terra.
E resolvi homenagear todo o meu passado, e as tradições que aprendi com meu pai
e com as outras pessoas que criaram essa Cultura do nosso país”.
Além
deste alicerce sentimental na escolha do nome de seu grupo, Magela tem uma
explicação poética para o título Candearte: “De certa forma, mesmo agora com a
idade que eu já tenho de 58 anos, ainda sou um menino-candeeiro. Só que agora
eu conduzo um imaginário carro-de-boi carregado de Artes”.
Tenho o
privilégio de ser vizinho de Geraldo Magela. E privilégio maior me foi
concedido quando vi surgir, de uma conversa nossa, a música título do seu mais
recente disco ‘Minas Canções’. No
finalzinho do ano 2010, havíamos nos encontrado no bairro Jardim Roberto,
distante cerca de três quilômetros de onde moramos. Percebendo que nossa
conversa não caberia na rápida viagem de ônibus até nosso bairro, resolvemos
vir a pé, para espichar a prosa. Na caminhada brotou a inspiração para a
ansiada faixa-título do disco, lançado em maio de 2011.
Ciranda na estação Santa Cecília do Metrô. Foto: David da Silva - 29.set.2009 |
Tive também
o privilégio de filmar a primeira vez em que o Metrô de São Paulo foi palco de
uma enorme roda de ciranda, comandada por Geraldo Magela. O fato se deu na
finalização de um Sarau do Binho, realizado na Estação Santa Cecília, em setembro
de 2009. Enquanto a multidão de passageiros se escoava lentamente em direção
aos trilhos na volta para casa, a ciranda comia solta. Escrevi na época: “É
como se um trem do metrô de São Paulo fosse partir daqui direto para a ilha de
Itamaracá, um dos berços da ciranda em Pernambuco. A voz franzina deste mineiro
se agiganta quando ele coloca as pessoas para cirandar”.
Magela e
eu damos muitas risadas do período em que ele iniciou sua vida de professor
de violão aqui na região. “Eu tinha só uma menina que fazia aula de violão
comigo no projeto Arrastão [ONG situada
no limite entre o bairro Campo Limpo e o município de Taboão da Serra]. Daí
eu saia daqui do Parque Marabá, e no caminho até o local da aula, eu ia rezando
a Deus pra aquela menina não desistir do violão. Não que ela fosse ser uma
grande instrumentista. Acontece que a mensalidade dela era o único dinheirinho
certo que eu podia contar naquela época”, diz Magela, se torcendo na gargalhada
das lembranças dos tempos difíceis.
Magela e
eu temos um samba inacabado, inspirado em um acidente medonho ocorrido durante
a construção da Estação Pinheiros do Metrô. Começamos a fazer o samba em
janeiro de 2007, época da tragédia onde sete pessoas morreram soterradas. A
melodia do samba começou a brotar das cordas do violão de Magela, enquanto eu
contava a ele que aquelas pessoas não eram todas trabalhadoras da obra. Foram engolidas
pela cratera; estavam passando ao lado da construção quando a terra começou a
desbarrancar. Volta e meia Magela se aperreia e cobra: “David, cadê a letra do
samba?, rapaz...”. Mas depois ele
mineiramente filosofa: “Esquenta a cabeça, não. Paulinho da Viola e Eduardo
Gudin demoraram 20 anos pra fazer um samba, por que nós dois não podemos
demorar 40, uai!?”.
Apesar
dessa ‘privilegiação’ toda, não escrevi muito sobre Magela no meu blog
até hoje. Só uma coisa ou outra. A bem dizer, quase nada. Casa de ferreiro,
espeto de pau.
Faço
agora um pequeno resgate dessa omissão, vicejada por tanto nos vermos nas
manifestações culturais das quebradas do mundaréu. E por nos encontrarmos
tamanhas vezes na fila do banco, na porta do açougue, balcão de padaria, no
ponto de ônibus, no caminho do sacolão...
Salve, Geraldo Magela do
Brasil, meu colega de copo e de cruz
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