Luan Luando reflete lições de vida nos poemas sobre sua
infância debaixo de um céu recheado de pipas
Foto: David da Silva,
08.dez.2017
|
David da Silva
Nas publicações anteriores de Luan Luando, as pipas dividiram páginas com poesias sobre outros assuntos. Já o inédito Tá na Mão é totalmente temático. Com o novo livro, Luan fecha a
trilogia iniciada em 2011 com Manda
Busca, seguida de Rélo (2017). A obra
será lançada provavelmente no segundo semestre de 2019.
Os
títulos da trilogia referem as três mais importantes manobras na arte de
empinar pipas – ‘manda busca’ é quando
a pessoa põe sua pipa no encalço de outra;
‘rélo’ é o ato de fazer a linha de uma pipa roçar na linha da outra
cortando-a ou enlaçando-a, concluindo com a posse do objeto perseguido (‘tá na mão’).
De
ascendência baiana, filho da doméstica Aureni de Jesus e do alfaiate José Felício,
o menino nasceu em Osasco e cresceu no Jardim São Judas, zona periférica no
sudoeste da Região Metropolitana de São Paulo onde Taboão da Serra faz limite
com Embu das Artes.
Luan
passou toda sua infância “de cara pra cima atento na imensidão”, como diz em
seu poema “Dente por dente, presa por presa”. A pipa é a primeira professora de
meteorologia da criançada ensinando-lhes os recados das nuvens, e as direções
dos ventos.
Afora
o aspecto puramente lúdico, a pipa é uma metáfora da resistência cultural deste
poeta nascido em 13 de maio de 1988.
E
ninguém nasce em 13 de maio impunemente.
Do
universo das pipas, Luan Luando extrai lições sobre o lugar onde se criou, a
família (vide a pungente poesia “Papagaio de meu pai”), os amigos, o choque
social e econômico que marca a fase de crescimento dos jovens dos subúrbios
(como exposto no poema “Pipa à prova d’água”), o conhecimento amoroso (como nos
versos onde o garoto se depara com “a destemida e misteriosa pipeira”), e uma
visão filosófica da existência (refletida na poesia “O roubo dos cascos”).
Pipas de guerra e de
Arte
A
pipa já nasceu briguenta.
Em
Palmares, feitas de palha e palito, as pipas eram o sistema de alarme dos sentinelas
avançados da Serra da Barriga. Na China de 1200 anos antes de Cristo, feitas de
seda e bambu, conforme suas cores e padrões de desenho, e pelos seus movimentos
no ar, as pipas transmitiam mensagens militares nos campos de batalha.
Satélites
e drones não conseguem aposentar as pipas. Elas são usadas hoje em dia pelos
jovens da Faixa de Gaza. Com artefatos incendiários amarrados na rabiola, as pipas
palestinas são um tormento para soldados israelenses, sempre ocupados em apagar
o fogo que elas ateiam nos matos e até nas lavouras do território inimigo.
Mas
as pipas não são apenas artefatos indomáveis de arsenais aéreos. Pipa é também
fonte de inspiração de grandes mestres. Manuel Bandeira compôs “Canção da Pipa”.
Carlos Drummond de Andrade disse em versos que bom “é sentir individualmente a
pipa dando ao céu o recado da gente”. Cândido Portinari dedicou uma série inteira
a esta temática. Seu quadro “Meninos Soltando Pipas”, pintado em 1941, foi
leiloado em Nova York por 1,4 milhão de dólares em maio de 2013.
Jovens palestinos na Faixa de Gaza lançam pipas incendiárias.
Foto: Khalil Hamra, jun.2018
|
Na
Ciência a pipa também tem sua tribuna de honra como mãe do para-raios. Assim,
um dos primeiros heróis de Luan Luando foi Benjamin Franklin “o homem que
empinava pipas no meio do temporal, tentando pescar raios”.
A nação chamada infância
O
escritor Mia Couto define que “a infância não tem outra nação, se vive ali
sempre”.
O
céu cravejado de pipas tem seu próprio dialeto, seu código de condutas, e só é
acessível a quem não tenha a alma presa pelos carretéis do sistema. Qualquer
sistema. Em qualquer ponto do planeta.
Trechos
de Tá na Mão, livro de poemas
inéditos de Luan Luando
2 comentários:
David sua matéria me ajudou muito a organizar uma aula para meus alunos que terão um encontro com o autor Luan Luando . Muito grata .
David sua matéria me ajudou muito a organizar uma aula para meus alunos que terão um encontro com o autor Luan Luando . Muito grata .
Postar um comentário