Páginas

segunda-feira, 22 de março de 2021

Prefeitura de Taboão da Serra utiliza medicamento sem eficácia contra o coronavírus

Doentes da Covid em Taboão da Serra são concentrados na UPA Akira Tada. Foto: David da Silva – 18.mar.2021

David da Silva

Pacientes com Covid-19 internados na Unidade Pronto Atendimento (UPA) Akira Tada, em Taboão da Serra, recebem o medicamento azitromicina como tratamento para evitar infecções bacterianas oportunistas”, informa a Secretaria de Comunicação da prefeitura local. Entidades médicas não recomendam o uso desse antibiótico contra o novo coronavírus que já matou 457 taboanenses, sendo 23 mortos nos últimos 16 dias.  Até as 22h de ontem, domingo 21 de março, havia 55 pessoas internadas na UPA referência para Covid no município - 36 na enfermaria, e 19 na emergência.

A médica Ludhmila Hajjar tratou do general Eduardo Pazuello quando este contraiu Covid. Sabemos que cloroquina não funciona há muitos meses, que azitromicina não funciona há muitos meses, que ivermectina não funciona há muitos meses”, diz a coordenadora das UTIs de cardiologia do InCor (Instituto do Coração) e do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Pela veemência com que ela condena o uso de azitromicina em infectados pelo coronavírus, fica evidente que o ministro da Saúde não recebeu esse medicamento enquanto se curava da Covid.

Duzentos mil comprimidos

No dia 9 de novembro de 2020 a Prefeitura de Taboão da Serra realizou pregão eletrônico para a compra de 200 mil comprimidos de Azitromicina 500 mg da marca Cimed por R$ 240 mil.

 “O tratamento com a azitromicina não melhorou o status clínico do paciente, não reduziu a mortalidade e não impactou em tempo de internação no hospital”, diz o Comitê Executivo da Coalizão Covid Brasil no estudo publicado em 4 de setembro de 2020 na revista científica The Lancet. A pesquisa sobre a azitromicina foi realizada entre março e maio do ano passado em 57 hospitais de todo o Brasil.

A azitromicina é usada contra bronquite, sinusite, faringite, pneumonia, e doenças sexualmente transmissíveis. “A eficácia dessa medicação não é contra o vírus causador, mas no controle da síndrome respiratória aguda, principal sintoma da Covid. Ela ataca bactérias, e não o vírus”, ensina Alexandre Biasi, pesquisador do Hospital do Coração-SP.  

A ação da azitromicina contra a inflamação em doentes da Covid induziu a comunidade médica a crer que ela teria um efeito benéfico no combate aos sintomas da doença. Mas, o trabalho dos cientistas brasileiros mostrou que o uso do antibiótico não deu o resultado esperado. “Recomendamos fortemente que a azitromicina não seja mais usada em pacientes graves, a não ser que esse paciente tenha alguma bactéria associada”, completa o médico Luciano César Pontes, superintendente de Ensino do Hospital Sírio-Libanês.

Moradores de Taboão da Serra aguardam notícias de seus parentes internados na UPA Akira. Foto: CNN – 16.mar.2021

Vergonha internacional

Em 11 de abril do ano passado o ex-prefeito Fernando Fernandes (PSDB) anunciou que a cloroquina seria incluida como uma das formas de tratamento nos hospitais de Taboão da Serra. “Quero informar que juntamente com a Secretaria de Saúde decidimos usar a cloroquina no tratamento dos casos de Covid-19, desde que prescrita pelo médico responsável pelo paciente e autorizado pela família”, disse

Dois meses depois de a Prefeitura de Taboão da Serra optar pela cloroquina a Comissão Intergestores Bipartite (que congrega a secretaria estadual e os secretários municipais de Saúde do Estado de São Paulo) emitiu a Deliberação CIB nº 45, de 5 de junho de 2020, recomendando que “não devam ser utilizados os fármacos cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com COVID-19 nos casos leves, moderados ou graves”.

Em novembro de 2020 a Agência Europeia de Medicamentos confirmou que existe “uma ligação entre o uso desses medicamentos [cloroquina e hidroxicloroquina] e o risco de transtornos psiquiátricos e comportamento suicida”.

A médica Ludhmila Hajjar não economiza ao falar de cloroquina em vítimas da Covid: “Isso é uma vergonha internacionalmente discutida”.

A reportagem perguntou se a Prefeitura de Taboão da Serra continua tratando doentes da Covid-19 com cloroquina. “Não. Não utilizamos cloroquina”, enfatiza a assessoria de imprensa da administração Aprígio, mas não indica se o uso da cloroquina foi suspenso pela atual gestão municipal da Saúde ou pela anterior.

Alerta do Conselho de Farmácia sobre o uso de remédio de vermes em doentes da Covid

A febre pelo carrapaticida

No mesmo Pregão Eletrônico nº E-079/2020 com que licitou 200 mil comprimidos de azitromicina em novembro último, a Prefeitura de Taboão da Serra homologou a compra de 30 mil comprimidos de ivermectina da marca Vitamedic por R$ 23.097,00.

Um artigo publicado por pesquisadores do Instituto para a Infecção e a Imunidade Peter Doherty (Austrália) em junho de 2020, mostrou que em teste de laboratório (in vitro) a invermectina teve eficácia contra o Sars-CoV-2 dentro de 24 horas. Mas, o uso desse medicamento ainda precisava ser testado em humanos. Mesmo assim a notícia provocou uma corrida em busca do medicamento em farmácias e até lojas de produtos agropecuários.

Três meses depois a febre pela ivermectina afetava o fornecimento do produto. “A empresa Inovamed Comércio de Medicamentos Ltda deixou de entregar o remédio Ivermectina 6 mg devido à sua falta por motivo da pandemia de corona vírus (sic)”, informa o despacho da assessoria técnica da Secretaria de Administração da Prefeitura de Taboão da Serra em 16 de setembro de 2020. Devido a isso foi aberta a nova licitação E-079/2020 concluída em 9 de novembro de 2020.

A Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Taboão da Serra informa que não há estoque de ivermectina no almoxarifado da Saúde.

O Grupo de Estudos do Coronavírus do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo emitiu um alerta no último dia 12 de março ressaltando que não há até o momento comprovação científica da ivermectina no tratamento ou prevenção contra a Covid, e que seu uso deve obedecer as indicações da bula, ou seja, apenas contra sarna, piolhos, carrapatos, lombrigas.

professora Isabela Aleixo, 32 anos, chorava desesperada em frente à UPA Akira Tada na 3ª-feira passada, preocupada com o estado da sua mãe Iraci de Sousa, 63 anos, e de seu pai José Neves Guimarães, 70 anos, ambos internados no local. Foto: Rivaldo Gomes | Folhapress – 16.mar.2021

Nenhum comentário:

Postar um comentário