Por Antonio Rodrigues do Nascimento*
Do mesmo modo que ignoramos as origens remotas de nossa genealogia, a imensa maioria dos mamelucos brasileiros desconhece a procedência da palavra usada para nomear os filhos de índios com brancos, ou, melhor dizendo, “filhos de índias com brancos”, afinal, aos guerreiros tapuias ou tupis nunca ofertaram alfacinhas portuguesas.
Outro dia descobri que a palavra “mameluco” (grafada “mamaluco” no século XVI) é originária do árabe “mamluk” (مملوك) que significa escravo, pajem ou criado. Seu uso teria se vulgarizado em Portugal, na Idade Média, “derivando do termo árabe denotativo da facção de escravos turcos” que engrossou as fileiras do exército muçulmano no Egito (Ronaldo Vainfas, A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial).
Por associação de idéias fui conduzido ao termo “mulato”, usado para designar descendentes de negras com brancos. A palavra é originária do latim “mula”, a fêmea do mulo, animal resultante do cruzamento do jumento com égua, ou do cavalo com jumenta. As mulas, é sabido, são usadas como animais de carga e são estéreis.
A incursão ligeira pelos domínios da lingüística levou-me à conclusão de que assim como é verdadeiro o fato das palavras adquirirem sentidos diversos em função das variações de tempo e espaço, verdade é também que as transformações semânticas, ao menos no nosso caso, ainda não conseguiram apagar as nódoas de origem, os estigmas etimológicos das nossas “classificações raciais”.
Nesta altura do campeonato não há como deixarmos de ser mamelucos, mulatos ou cafuzos. Assim, permito-me apostar numa mais profunda e efetiva re-significação desses termos: um processo de distribuição de renda, capaz de elevar a massa de brasileiros mestiços, pobres e miseráveis, aos padrões de consumo da chamada “elite branca” (cf. Cláudio Lembo).
Ora, direis, o argumento é simplista, reduz a questão ao viés economicista. Eu vos direi, no entanto, que em termos de inteligência, graça, beleza, sensibilidade estética e virtuosismo artístico, mamelucos, mulatos e cafuzos sempre estiveram imunes às sujidades que lhes tentaram impingir os “homens bons”, os senhores de engenho e os capitães-do-mato.
Antonio Rodrigues do Nascimento, é advogado, filho legítimo e honrado de Taboão da Serra, onde mora e se abraça ao seu ofício de manter sua cidade na senda da Justiça.
Um comentário:
Recebemos via e-mail comentário de leitora residente em Santa Catarina:
"Bom amigo Antonio,
Que legal vê-lo tratar da questão de "nossa
identidade", sempre atribuída pelos "outros".
De fato a questão étnico-racial jamais deve ser
pensada de forma separada de seu "lugar social".
Da amiga saudosa,
Adriana Biller, mestranda em Direito Indígena – Florianópolis/SC"
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