sexta-feira, 29 de junho de 2007

O Manco

Por Plínio Marcos


O Manco era gamado em futebol. O único papo que ele sabia levar era a respeito de bola. Dispensava quás-quás-quás sobre mulher, fumo e os cambaus. Não queria nem saber. Se o assunto era bola, ai, sim, ele se ligava. E não dava colher de chá, queria saber mais do que todo mundo. Só que nunca tinha vez... era manco, e não podia bater na redonda... isso entornava o caldo. Dava apenas pra torcer, e na bronca. Quando o bate boca engrossava, sempre alguém saía pela tangente:

- Tu não entende bulhufas. Nunca foi de bola, é perneta. Só sabe cartear. De fora é mole, no campo é que se pode ver.

Aí o Manco se fechava em copas, se enrustia. Mas de cuca fundida, todo picado de raiva, a cachola só batendo num jeito de calar a boca da curriola que não botava fé nele. Matutava, matutava e sempre batia com a fuça na parede.

Entrava pra tudo quanto era diretoria de time de bairro, com a intenção de chegar a escalador de time. Mas não dava pedal: a negada só queria o Manco pra cobrar recibo. Ele costumava segurar as pontas como cobrador uns tempos e depois, aos poucos, ia se assanhando, metendo o bedelho na distribuição de camisa e tal e coisa e coisa e loisa. Logo estourava um salseiro, e era sempre o Manco que ia a escanteio.

Foi numa dessas que ele se tocou que só ia poder botar banca quando fosse o dono do time. Partiu pro pau. Devagar, nas encolhas, sem se abrir com ninguém.

Um dia o Manco apareceu com um jogo de camisas. A moçada desconfiou: o Manco sempre foi pé-de-chinélo, nunca teve grana; vivia mal paca, com um emprego mixuruca, salário mínimo e olhe lá. Sem dar pala, o Manco azucrinou o pessoal:

- Com essas camisas só joga cobra.

A negada xeretou, o Manco apareceu com um saco de chuteiras e meias; logo surgiram os calções. O pessoal gozou a fuça do bruto:

- Vai jogar sozinho? Camisa não ganha jogo...

O Manco tirava de letra. Encostava nos bons de bola, cochichava e deixava andar.

Não tardou, o Libertador estava sem centroavante, o Flor do Norte sem goleiro, o Beira-Mar sem ponta-esquerda, o Bacia sem seus trunfos, o Santos Dumont sem meio time. Então, o Manco chegou ao boteco onde o Santa Cruz tinha tabuleta e botou pra quebrar:

- Vamos lá, valer um caneco?

Em campo, o time do Manco entrutou o Santa Cruz: cinco a zero. E não parou mais, foi pegando os timões da várzea santista e dando pau. Aurora, Aquário, Praia, Vasquinho, Santa Cecilia fizeram fila e entraram no couro. Com um time que só tinha bolão, o Manco mostrando ser grande escalador, ganhou fama de cara que entendia. O time era uma seleção! Virou honra jogar contra o Manco e seus cupinchas; jogar no quadro dele era glória. Além do mais, tinha come-quieto. Tinha disso: o Manco pagava bicho de vitória. Com essas e outras, o timão ficou um ano invicto.

Um ano sem perder! Um ano inteirinho, jogando todo domingo, com sol ou chuva. Pra comemorar o feito, o Manco arranjou um festival. Enfeitou o campo com bandeirinhas, comprou uma pilha de taças e convidou todos os melhores times da várzea pra se pegarem. Pra prova de honra contra seu time, convidou o misto do Jabaquara.

Foi lenha. No dia do festival, os leões se comeram. Quando chegou a hora do pega-pra-capar, time do Manco contra o Misto Jabaquara, teve um esquinapo. Mal o time do Manco pisou em campo, a enorme torcida que juntou pra ver o racha se assustou: do outro lado do campo, a policia entrou com tudo, pra valer. Só o Manco entendeu; quis cair fora, mas não deu: foi em cana. Nem teve jogo.

A moçada foi pra delegacia buscar o dono do time, mas não teve arrêglo. O delerusca explicou: “A gente estava na captura desse manco há muito tempo. Ele é ladrão. Só hoje pudemos ferrar o lalau”.

Na prensa, o Manco se entregou, justificando:

- Poxa!, como é que eu ia manter o time?

Nenhum comentário: