terça-feira, 21 de agosto de 2007

Catedrais imensas e butiquins imundos

No Sarau do Binho ontem à noite, não fosse a bendita timidez, eu participaria com gosto de um “duelo de titãs”. Um dos participantes do sarau (não tive tempo de perguntar-lhe o nome. Assim que souber, coloco aqui no texto), declamou o poema “Vandalismo”, de Augusto dos Anjos – poeta afeito ao lado mórbido da existência, nascido na Paraíba em 20 de abril de 1884, e morto em Minas Gerais, aos 12 de novembro de 1914.
Na hora me lembrei que o Aldir Blanc fez a contrapartida desta bela obra, quando compôs o samba-choro “Bandalhismo”, com João Bosco. Estou certo que ficará muito legal uma pessoa declamando em tom solene o poeta da morte e do hediondo, e outra, em contraponto, recitando os versos cínicos do colossal Aldir.

Vandalismo

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos ...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!



Bandalhismo
Meu coração tem butiquins imundos
Antros de ronda, vinte-e-um, purrinha
Onde trêmulas mãos de vagabundos
Batucam samba-enredo na caixinha

Perdigoto, cachaça, tosse, escarro
Um choro soluçante que não pára
Piada suja, bofetão na cara
E esta vontade de soltar um barro

Como os pobres otários da Central
Já vomitei, sem lenço e sonrisal
Prato-feito de rabada com agrião

Mais amarelo do que arroz-de-fôrno
Voltei pro lar, e, em plena dor-de-côrno
Quebrei o vídeo da televisão


O samba-choro “Bandalhismo” está gravado no disco de mesmo nome, lançado em agosto de 1980. Com: João Bosco: voz e violão; Cristóvão Bastos: piano e arranjo; Wilson das Neves: bateria.
A gravadora também emitiu um pagamento ao rapaz que tocou cavaquinho e cantou a segunda parte desta música com o João. O recibo foi no nome de Paulo César Baptista de Faria, ou Paulinho da Viola pros mais chegados...

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