Conto inédito de HUGUERA
- Ah! Pega uma cervejinha, lá, pra gente ficar mais inteligente, vai? Num é você mesmo quem diz: “Nada como 250 ml de sabedoria”!?
Porra, Katiane, esse cheirinho do óleo que você passa no cabelo me deixa maluco!
- Semente de uva, gatinho... - ela sempre fala... gostosa! Se soubesse o poder que o tal do ólinho de semente de uva tem... viiixi!
- Tá bom, vou lá pegar a cerveja! Mas, só por causa desse seu cheirinho, hein? Digamos que é pelos velhos tempos!
- Semente de uva, gatinho! - E riu gostoso...
- Pra gente ficar mais inteligente... - falei baixinho no caminho pra cozinha. Eu já tô inteligentáááço! É hoje que você vai ver o tamanho da minha inteligência, Dona Katiane, é hoje!
Noooossa Senhora, se eu fosse contar a quantidade de bronha que eu já descasquei pensando na Gostosa da Katiane... o meu conta-giros de punheta dava a volta no mundo!
Nos tempos da escola, pra molecada da turma do fundão, ela era a Katiânus... por motivos óbvios! Para os caras mais velhos, que colavam no colégio na hora da saída, e que gostavam de levar as menininhas pra dar rolê de moto, ela era a Putiane... pura maldade! Para mim, ela sempre foi a Gostosa da Katiane: menina maliciosa e sabedora da sua gostosice! Desfilava com as amigas pelo pátio, na hora do intervalo, sem dar a menor ligança para os moleques que comiam ela com os olhos. E se ria... E a risadinha dizia tudo:
– Podem me comer, cabaçada! Isso... me comam com os olhos, que eu adoro... Mas só com os olhos!
Era a mensagem subliminar. Catorze anos, a sabida da Katiane! Lembro-me de como ficava puto-da-vida imaginando os maluquinhos de moto, só na conversinha mole e no cheiro de gasolina, mandando brasa nas meninas mais gostosas da escola! Na hora da saída, ficar de "H" no portão era a maior neurose! Nunca sobrava nada pra nós! O negócio era ir rasgando pra casa e matar a vontade na mão! E dá-lhe 5x1... só de raiva!
- Posso colocar uma musiquinha, gatinho? - ela gritou do quarto, enquanto eu tirava as cervejas do congelador. - Tim Maia das antigas é tudo de bom!
- Pode, lindinha, hoje você pode tudo! - safado!
O lance da "perda do cabaço" é uma prova de que as mulheres são mesmo superiores aos homens. Porque, salvo raras exceções, as meninas escolhem: o cara, a hora e o local da primeira trepada. "A hora de fazer amor pela primeira vez", me corrigiria a gostosa da Katiane. Pra nós, meninos, o negócio é pegar a primeira louca que estiver disposta, na hora em que ela estiver bem bêbada e no lugar mais escuro e deserto possível. Pronto, agora é só rezar pra ela não vomitar em cima de você e pra não aparecer nenhum estraga-prazeres no local. Rolou? Então, sorte sua! Agora, é só agradecer a Santo Expedito pela graça alcançada!
A minha graça devo à Gorete, prima do Isael, aqui da vila. Chegada num molequinho mais novo, a Gorete! Nos trinta dias de férias que passou aqui, fez o "mutirão arranca cabaço"; e a molecada andava com um sorriso de orelha a orelha! Eu, que era bobo, mas tinha sorte, entrei no meio... literalmente! Adorava um meninho a Gorete! Essa, quando morrer, vai direto pro céu... com certeza! Todo moleque daqui tem uma história dela pra contar... Santa Gorete, padroeira dos cabaços! Fez milagres por aqui! Vou perguntar pra Katiane como foi a primeira vez dela...
O que eu sei, é que logo depois que a gente terminou a oitava série, engravidou de um daqueles carinhas das motos. Esperto pra caramba o maluco! Vivia de conversinha com uns tipos estranhos que colavam por aqui! Na semana, só chegava na área na hora da saída do colégio; e no final de semana, esbanjava dinheiro lá, no Frango Frito. Com os coleguinhas e com Dona Katiane e suas amigas gostosas. A gente, nessa época passava a noite inteira com uma garrafa de vinho comprada no boteco da vila. E se a boa fosse em algum lugar mais legal, o dinheiro só dava para a entrada; o drink da minha rapaziada era água de torneira... sem gelo! Enquanto esperávamos a hora dos ônibus começarem a rodar pra gente poder ir embora, os carinhas das motos já tinham ido ó, faz tempo! Acompanhados, é claro! Cada casalzinho seguia - em uma motoquinha - a caminho do motel mais próximo. O tempo na madrugada é diamante! "Menina de família tem que chegar em casa antes das 5!", era o discurso corrente. Então, a sacanagem tinha que começar mais cedo! Pra eles, fim de noite no motel. Pra gente, fim de noite na casa do Gordinho, jogando vídeo-game e esperando o sol nascer... fazer o quê? Cada um tem o fim de noite que merece!
Ouvi dizer que o pai do filho da gostosa da Katiane morreu numa troca de tiros com a polícia, lá em São Bernardo do Campo. Só sei que sumiu. Sumiu também a Dona Katiane. Com uma barriga de oito meses e fazendo, sabe lá Deus, o que da vida pra sobreviver! Voltou, agora, faz pouco tempo, e dessa vez, com um molecão de dez anos! O tempo não anda de moto, ele voa! Por aqui, a rapaziada cresceu... O Isael casou com a Claudinha e teve um filho. Arranjou emprego no banco e comprou um apartamento bem pequenininho... mas, do outro lado da ponte! O Gordinho se formou em educação física e trabalha fazendo "personal trainning" pra um povo metido a rico que mora no condomínio de casas aqui do lado. O Cacau, o Café e o Nenê morreram, de bobeira. O Bicudo tá preso já faz uma cota, e o Rony, seu irmão, virou crente! Parou de trabalhar na boca e largou a Gaviões... queimou tudo o que tinha do Corinthians! E ora, todo santo dia, pra que o irmão fique preso por mais um tempo. "Assim, ele fica vivo, varão! Porque quando sair, tem um monte de gente querendo a sua cabeça..." Tá até falando difícil o Rony! Você sabe o que é varão? Num vale sacanagem, hein? O Tico trabalha com jogo-do-bicho e a Glendinha se casou com um gringo e foi morar na Suécia. "Lugar frio da porra! Não podia ser em Fortaleza?", diz o Seu Manoel, pai dela. Eu também tive a minha filha, mas não casei, e penei um bocado pra conseguir pagar as contas! A doença da música? Bom, essa não curou, e hoje, eu coordeno a parte de música lá, no Centro Comunitário. A Prefeitura é quem paga o meu salário! Putz! Falando nisso, era hoje a apresentação do grupo de teatro de lá e eu disse que ia, sem falta...
- Até que enfim, hein, gatinho? Metade do CD já rolou e você nem estava aqui pra dançar comigo!, disse a Katiane, já pegando na minha bunda, a safadinha!
- Ô, Flor, é que eu dei uma passadinha lá na sala, pra pegar aquela foto que a gente tirou no dia da formatura, você se lembra? - mulher adora se sentir importante!
- Nooossa! Você tem essa foto, lindo! A gente foi o casalzinho mais bonito da formatura, num foi, Kabê? Ah! Se naquela época eu soubesse das coisas... ái, Kabê, às vezes, eu tenho a impressão de que tomei o ônibus errado na vida, saca?
- Que é isso, bebê, a viagem tá bem longe do final, e além do mais, a gente forma um casalzinho bem mais bonito agora! - agarrei a Katiane, com uma mão cravada no bundão dela e a outra no cangote... agora vai!
– Kabêêêê! - gritaram o Tico, o Gordinho e o Claytão, lá da rua!
– Você ia sair com os meninos? - perguntou a Dona Katiane, com a mão boba cheia...
– É que hoje tinha uma festa lá na sédinha, linda, e eu tinha prometido pra molecada que daria uma passadinha por lá! - falei, assustado. - Mas era só uma passadinha, num pega nada... hoje, a minha presença não é indispensável! - respondi de pronto.
- Então, fala pros meninos que, hoje, num vai rolar... - e a malícia na boca! Ê, Dona Katiane...
Lá vai Seu Kabê pra janela, dizer pros parceiros, gesticulando, como quem corta o pescoço com a mão:
- Rapaziada, mandem um salve pra comunidade... mas é que... hoje não dá!
2 comentários:
Adorei!
Suzi
18-08-07
aÉ de levar fé a pena desse Huguera.
Da estufa do boteco tá saindo papa fina... Antonio
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