quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Com que roupa?

A primeira composição de Noel Rosa como profissional foi o samba Com que Roupa?, em 1927. Mas, ao contrário da preocupação expressa na letra da famosa música, Noel não estava nem aí com a vestimenta.
Em 1930, o Poeta da Vila ainda integrava o Bando dos Tangarás (com Almirante, Braguinha, etc.). E Almirante, como mestre de cerimônias do grupo, certa vez ponderou com o sambista:
- Ô, Noel. Você já está ficando famoso. Está na hora de cuidar da aparência.
Noel usava, sempre, um único terno, com listras de dois dedos de largura nos tons cinza-claro/cinza-escuro. Parecia revestimento de colchão. Noel ouviu calado, e foi-se embora.
No dia seguinte, no show no Cine Eldorado, faltava dois minutos para o conjunto subir ao palco, e nada de Noel chegar. Mesmo preocupado com a ausência – àquela época ele já era o mais requisitado pelo público – Almirante foi fazer a apresentação dos músicos. Ofuscado pela luz do refletor, vislumbrou, na primeira fila da platéia, o indefectível terno. “Será que eu ofendí o Noel?”, pensou Almirante. “Ele ficou magoado com a observação que fiz sobre sua roupa, e não subirá ao palco hoje”, lamentou.
Mas, quando abriram-se as cortinas, lá estava Noel, vestindo um terno azul-marinho com excelente caimento no corpo. Finda a apresentação, Almirante foi falar com Noel, e saber o que havia ocorrido.
- Eu troquei de terno com meu amigo Sebastião – contou Noel. – Ele queria ver o show e não tinha dinheiro. Eu tinha esquecido de arrumar uma roupa nova, conforme você me recomendou. Daí propus a ele que me emprestasse o terno, em troca de entrar de graça no espetáculo, como meu ajudante.
Dias depois, Almirante voltou a falar com Noel sobre seu visual:
- Agora que você anda de terno novo, devias engraxar estes sapatos!
Noel tinha o hábito de cruzar a perna direita sobre a esquerda, para tocar o violão quando vinha à frente do grupo fazer seus números solos. E a iluminação do palco pegava em cheio naquele sapato imundo.
Na hora do show, lá vem Noel, com um sapato brilhando, e o outro ainda enlameado.
- O dinheiro só deu para engraxar um pé – desculpou-se o poeta.
Almirante foi tirar satisfações com o engraxate.
- Qual o quê, seu Almirante! – riu-se o engraxate. – Eu pelejei com seu Noel pra engraxar os dois sapatos. Ele disse que não precisava, porque só o sapato direito é artista. O outro pé é só para apoiar...

Nenhum comentário: