segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Uma foto, um poema, muitas reflexões

Esta é a foto mais reproduzida da História. Feita pelo fotógrafo publicitário e retratista Alberto Dias, o Korda (1928-2001), mostra Ernesto Che Guevara durante uma homenagem às vítimas de uma explosão em Havana, no dia 5 de março de 1960.

Na sua homenagem a Ernesto Guevara Lynch de la Serna, Serginho Poeta revela o homem suburbano fragilizado pela violência que assola a periferia. E o quanto lhe faz falta um ideal revolucionário a seguir.



San Ernesto de La Higuera

Serginho Poeta


Por que meu corpo não estava à frente
Do tiro que irrompeu a tua carne?
Poderias, com muito mais capacidade,
Enfrentar o mal que ronda a minha casa.

Vejo, da minha janela, o escuro lá fora.
Ouço os gritos e me acovardo!
A ave de rapina pilha o ninho vizinho,
Enquanto eu conto ao meu filho a tua história.
Falo do que fizestes; da bravura que tivestes.
Só temo que ele me pergunte o que eu faço.

Devo dizer que temo o bicho-papão?
E se o mal invadisse a minha casa
Nesse exato instante em que te escrevo?
Me esconderia debaixo da cama?
De certo que não. Mas então eu me pergunto:
Por que não enfrento o monstro, lá fora?
Longe da minha casa e da minha cria?

Tua foto está ao lado da dele, Ernesto.
É como se eu pedisse proteção.
eu retrato na parede
É como uma corrente de alho
Que espanta os maus espíritos.
Me ajoelharia diante do teu quadro,
Onde olhas para o horizonte
E faria uma prece por tua ajuda.
Mas sei que não seria do teu agrado.
Não ensinastes ninguém a se curvar.

Então, se me ouves,
Ainda que, hoje, sejas apenas história,
Inspira-me com tua coragem revolucionária!

Estaria disposto a morrer esta noite,
Enquanto escrevo este desabafo,
Se a minha morte
Trouxesse um novo sol para o meu povo.
Não aquele, de 8 de outubro
Na Quebrada del Churo,
Onde foras alvejado por uma bala cega.
Mas um como o da tarde de Havana em 1959.

Se a minha morte valesse um sorriso
De um índio peruano,
De uma criança na Nicarágua,
De um negro do Haiti!

Se o meu sangue afogasse
O imperialismo ao norte do continente
E a minha carne fosse a última
A servir de alimento
Ao bico afiado da águia,
Certamente não me arrefeceria a alma,
Atitude tão engajada nos teus conceitos.

Depois, Ernesto,
Acenderíamos um bom charuto
Numa pedra em Higuera.
E, sobre o horizonte,
Para onde olhas na fotografia
Veríamos o entardecer no céu da Bolívia,
E, então, poderíamos descansar em paz.


Sergio Mesiano, o Serginho Poeta, nasceu na Favela da Cachoeirinha, na capital de São Paulo. Rejeitado pelo pai ex-policial militar, foi criado pela mãe Cely
e a avó Nelsina.
Quando Serginho contava dois anos de vida, o cabeleireiro e militante comunista José Mesiano assumiu-o como filho. Vem desta herança o caráter contestador de sua obra.
O batismo de Serginho Poeta aconteceu em 2001, na Comunidade Samba da Vela, ao ler o seu “Negro, Poeta da Esquina”.
Serginho Poeta é integrante do Sarau do Binho e do Sarau da Cooperifa.
O poema dedicado a Che Guevara integra a coletânea Donde Miras, lançada em parceria com o poeta Binho.

Pedidos do livro pelo fone: 3451-9563

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