quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Triste fim de um tropicalista na Terra das Artes

A influência de José Agrippino sobre o Tropicalismo é avassaladora. “Quando ele falava, todos silenciavam”, conta Jorge Mautner.

Por David da Silva

O Profeta da Tropicália passou os últimos anos de sua vida enfurnado em um casarão da Avenida Oscar Yazbek, nº 1.640, no Embu das Artes. Morreu esquizofrênico, isolado de todos.
Não adiantava ninguém bater à sua porta. Ele não abria. Nem que o esperassem sair à rua para abordá-lo. Suas saídas foram rareando, até cessarem de todo.
Tampouco adiantava perguntar por ele na vizinhança.
- Agrippino? Ah!, é um véio doido que anda por aí de fralda – dizia o dono de uma banca de jornais próximo ao seu exílio.
José Agrippino de Paula e Silva foi um festejado escritor, cineasta e dramaturgo dos anos 1960 a início dos anos 70. Sua influência sobre a obra de Caetano Veloso e todos os demais tropicalistas é patente.
No último verso da sua antológica canção “Sampa”, Caetano faz referência a PanAmérica, romance de José Agrippino lançado em 1967.
A consagração literária de Agrippino se deu já no primeiro livro Lugar Público, de 1965. O jornalista e escritor Carlos Heitor Cony foi entusiástico e não poupou palavras na ocasião do lançamento: “Estamos diante do que de mais moderno existe em matéria de ficção”.
Paulistano nascido em 1937, era filho do advogado Oscavo de Paula e Silva. Sua mãe, Claudemira Vasconcelos, era professora de História. Agrippino optou pela arquitetura, e ingressou na FAU/USP. Com a morte do pai em 1957, muda-se para o Rio de Janeiro e retoma a prancheta na UFRJ até 1964.
Em 1965, de volta a São Paulo, encontra-se com aqueles que mais tarde dariam origem ao Tropicalismo: Jorge Mautner, Caetano, Gil, e Os Mutantes, para quem fez o roteiro do show de estréia.
Mas, o fato principal de sua vida foi conhecer, naquele mesmo ano, a bailarina Maria Esther Stockler, sua futura companheira e mecenas.
Maria Esther – bela, altiva, dona de enfeitiçadores olhos verdes – provinha de família paulista quatrocentona. Era herdeira do forte grupo financeiro Haspa.
Em 1968, Agrippino dirigiu o filme de média-metragem Hitler Terceiro Mundo. Em um dos papéis de destaque, Jô Soares. Em 1969, monta com sua mulher Rito do Amor Selvagem – no elenco, Stênio Garcia. O espetáculo lota o teatro no Rio, até o dia em que foi censurado.
O casal veio morar em uma casa no Pacaembu. Lá, recebiam amigos para festas memoráveis. A Polícia começa a dar em cima. Faz várias batidas na casa, à cata de drogas. Nunca encontraram nada. Mas a foto de José Agrippino algemado, na capa do jornal Última Hora o deixa chocado.
Ali deve ter-se desencadeado seu processo esquizofrênico. Ele afirmava a todos, apavorado, que esta sendo perseguido, e que queiram mata-lo. Foge para viagens longas pela África, Londres, Nova York, e mais um giro por toda a Europa.
De volta ao Brasil, vai morar na Bahia, próximo à ilha de Itaparica. Lá, nasce a filha do casal, Manhã. Logo depois, vem mais uma das separações do casal – a última.
Maria Esther vai para o Rio. Agrippino volta a São Paulo, e tenta viver na casa da mãe. Os surtos violentos, e os delírios de perseguição tornam-se cada vez mais insuportáveis.
Agrippino refugia-se no casarão em Embu das Artes.
Sintoma maior de seu total alheiamento à vida, deu-se em 1992. Sua filha Manhã, então uma lindíssima aspirante a atriz, morreu em acidente automobilístico.
- Cuide disto pra mim – disse Agrippino ao irmão, e voltou o rosto para a parede.
Em novembro de 2003, recebeu pela última vez uma equipe de reportagem. Seu cérebro encontrava-se na mais completa desordem. Passado, presente e futuro estavam emaranhados de forma irremediável. “Maria Esther está lá na [avenida] Angélica falando com Caetano. Ela gosta de sair. Eu prefiro conversar com Jô Soares na [rua] Augusta sobre livros”, disse aos espantados e comovidos repórteres.

Só comia arroz integral, e passava o dia envolto em lencóis.
Ao morrer, em 4 de julho de 2007, vítima de infarto fulminante, deixou cerca de 500 grandes cadernos lotados de anotações para o seu romance que findou inédito: Os Favorecidos de Madame Estereofônica. “Ele será encenado pelas atrizes da TV Cultura”, contou Agrippino, em um de seus derradeiros devaneios.


Foi encontrado morto na cama, pelo único irmão que o visitava a cada 15 dias, para levar-lhe roupas limpas.

6 comentários:

Anônimo disse...

Só agora, um ano depois foi que li seu artigo e soube da morte do Agripino. Conheci ele e a Ester quando ela fazia a coreografia de O&A no TUCA em 67. Eu fazia a sonoplastia da peça. Depois, saí e perdi o contacto com todos. Foram tempos duros. A foto que voce publicou como sendo dela em 65 é de outra pessoa... Se tiver a foto dela na época por favor me envie ou poste no blog. Olhando a foto da Ester já envelhecida ainda vejo a Ester de 1967.

Um abraço

luixtutti.arroba.gmail.com

David da Silva disse...

Pena que você tenha sabido da perda do profeta tropicalista pelo nosso boteco. Por outro lado, que bom poder preservar a memória dos verdadeiros renovadores da cultura nacional. Voltarei a escrever sobre o Agrippino em breve - estou colhendo novo material (quero, inclusive ir até a casa onde ele viveu seus últimos dias, pra ver o que restou).
Quando à foto da Ester, reproduzí de uma matéria sobre o casal no Estadão.
Um abraço, e até mais.
David

Anônimo disse...

Eu pagava o carnet da HASPA!

Anônimo disse...

Uma pequena correção: a foto da linda moça à direita, é de sua filha Manhã. O ano em que ela faleceu foi 1994.

Ricardo Lua disse...

Em meados dos anos 80 eu morava numa casa térrea na esquina da Zaparás com Miranhas (a continuação da Wizard que muda de nome quando sai da Vila Madalena). A casa tinha uma cerca alta de lanças de ferro bem afiadas e os portões estavam sempre trancados. Eu estava na cozinha preparando um tardio café da manhã de domingo quando ouvi a porta da cozinha se abrir e entrar um vulto magro e altivo de mulher trazendo uma baguete. Ela me fitava esperando uma reação. Pareceu uma eternidade o tempo que levei para reconhecer Maria Esther. No início dos anos 60 ela havia me ensinado os rudimentos da pintura em aquarela. Eu estava na adolescência e era colega de classe de seu irmão temporão cuja casa eu frequentava. A beleza dela me deixava desacorçoado. Quando terminei o ginásio perdi o contato com a família. Reencontrei-a en passant no 2º Fest-Rio, uma mulher altiva e serena bem diferente da imagem de retirante nordestina que estava na minha cozinha. Ela apareceu mais algumas vezes e depois sumiu.

Unknown disse...

tive algum contato com ele aqui em Embu das Artes quando tive um sebo de livros usados ele veio trocar alguns livros seus por livros de Ficcao Cientifica ate me presenteou com o livro de Torquato Neto Os Ultimos Dias de Pauperia.