O elegante Bar do Pedro, onde nos formamos
Bebíamos cerveja e chope, coisas baratas. Ainda vigorava aquela história de casco escuro, casco claro, este rejeitado. Marcas? Brahma e Antarctica, nada mais. Ou Malzbier, mas quem queria cerveja de mulher? Quando a angústia pegava, juntávamos doses de genebra. Uísque, nem pensar, era caro, caríssimo, só americano. Old Parr e White Horse eram as marcas cobiçadas, nunca tomadas. Rum era deixado para os bailinhos, misturado com Coca-Cola. Para comer havia salame fatiado, mortadela, azeitonas, tremoços, queijo prato
O bar do Pedro não existe mais. Um dia, provando a modernidade da cidade, ele foi fechado e transformado em agência da Cometa, dali partiram os primeiros ônibus para São Paulo, fazendo concorrência aos trens. A cidade mudava. Vieram lanchonetes de fórmica, padronizadas, feias, sem graça, vendendo hamburguers, toda comida junkie. Mas o bar do Pedro merece uma placa em Araraquara, na esquina da Rua 3 com a Avenida Portugal, porque várias gerações ali beberam e se formaram na matéria, aprendendo a se comportar, a saber freqüentar, a principalmente respeitar essa honorável e necessária instituição.
Camões naufragou no Adônis
Aldir Blanc
Nas tardes de verão, o Adônis enfrentava calmarias parecidas com as que jogaram Cabral em nossas praias. Um dos donos, o Sr. Arnaldo, saboreava um chope na companhia do Sr. Reis, proprietário da farmácia próxima, que também ficava a ver navios no mar da Zona Norte. Ambos eram portugueses e trocavam, igual figura carimbada, saudades da Terrinha. O Sr. Arnaldo, calmo e bonachão, ria-se muito, ao passo que o Sr. Reis emocionava-se violentamente com as conquistas ultramarinas, com as aventuras e feitos em África, às vezes até ferindo-se com os palitos do queijinho, como se flechas ou lanças o tivessem atingido traiçoeiramente.
Num desses amenos entardeceres cariocas, entre o estridular das cigarras e o bamboleio das suadas morenas regressando ao lar, o Sr. Reis deu um súbito e vigoroso soco na mesa.
- E na literatura, nós, os portugueses, temos o maior de todos! O Maior de Todos!
O Sr. José, garçom do estabelecimento, também lusitano, para profunda contrariedade do Sr. Arnaldo, estranhou:
- Tás a falar de quem, ó pá?
O Sr. Reis tornou-se arroxeado, sugerindo apoplexia a bombordo. Preocupado com a saúde do amigo e sabendo que o que mais dói na alma dos Vates é o esquecimento, o Sr. Arnaldo teve uma idéia que julgou salvadora. Improvisou com uma das mãos um tapa-olho, enquanto com a vista restante piscava para o garçom.
O Sr. José, de início, não compreendeu:
- É cisco? Pisca três vezes e reza uma Ave-Maria pra Santa Luzia.
A essa altura, os instrumentos de bordo prenunciavam tempestade da grossa. O Sr. Reis, sufocado, parecia um crepúsculo nos trópicos, tingido todo de violetas, púrpuras e lilases. Mas graças à Virgem de Fátima, o Sr. José abriu um vasto sorriso:
- Ah, entendi! Tapa-olho! É o Rum Montila!
O Sr. Reis caiu desmaiado.
Diante dos sonoros palavrões do Sr. Arnaldo, o Aureliano, natural de Feira de Santana, que guardava a caixa-registradora, balançou a cabeça:
- Seu Zé acertou de pura cagada, né? Com ele é assim: chuta e vai no alvo! Nem Vavá...
Ajuste Fiscal
Baiano, nosso ministro sem pasta pra sacanagem, deu o alerta:
- Frozô vai aparecer com material novo no pedaço.
Frozô, grande vascaíno e boêmio, cultivava o curioso hábito de exibir mulheres monumentais no buteco onde biritávamos, talvez pelo prazer sádico de nos deixar com água na boca. No mesmo buteco, fazia ponto o Come Quieto, um inimigo mortal do Frozô. Jamais entenderemos porque as mulheres dão pra certos caras!
Come Quieto tocava violão e cantava sambas com bastante sutileza, mas era baixinho, feio e sonso. Quando uma das mulheres do Frozô pedia “Toca alguma coisa pra gente”, Come Quieto era todo modéstia:
- Mais tarde... mais tarde... aqui só tem cobra criada...
E um dia, Frozô apareceu com uma criatura da gente se atirar aos pés dela pra beijar as sandálias douradas. O inusitado é que Come Quieto, escroto como já dissemos, não a olhou uma única vez. Na hora de ir pra outro programa, Frozô contornou a mesa e tacou a mão no focinho do Come Quieto com tanta força que o cara ficou desacordado. Diante da revolta geral, Frozô, com a tetéia recostada em seu amplo colo, justificou o corretivo:
- Pato muito quieto em lagoa, tá a fim do cu da gansa.
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