quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Uma lágrima para Lula...

Sapatos - Vincent van Gogh (1987)
Na tarde de 3ª-feira, eu passava pelo caixa de um supermercado próximo de casa, e percebi que a operadora estava com os olhos marejados.
"Deve estar com problema pessoal", foi minha primeira dedução. Enquanto somava os valores, a moça do caixa rompeu o silêncio:
- Você trabalha na Prefeitura?
- Trabalhei – respondi.
- Você era o melhor amigo do meu irmão...
- ???

- Todas as vezes que você vem aqui no mercado, eu lembro do meu irmão...
- !!!
- Sou irmã do Luiz Carlos.
- !?!?
- O Lula sapateiro...
Minha ficha caiu acompanhada de lágrimas.
Comoveu-me mais a revelação, do que a lembrança daquele amigo que o diabetes matou.
Lula e eu varávamos madrugadas no balcão da Pizzaria Flor do Pirajú. Morávamos perto daquele balcão onde trocamos algumas confidências e milhares de desaforos. 

Quando findava o horário dos ônibus, a caminhada para casa não era longa. 
Se chovia, o dono da pizzaria, Geraldo Dias Vieira, deixava-nos pendurar as bebidas para pagar o táxi.
Eu só não sabia que o sapateiro Lula, nas reuniões de sua família, dizia que eu era seu melhor amigo. Os favores que nos fazíamos não eram lá grandes coisas, para justificar tamanha afeição. 

Tive o prazer de intermediar um emprego público para uma das irmãs dele; mas isto, para colegas de copo e de cruz, é obrigação.
Só não cumpri o compromisso de fazer uma bela reportagem sobre o pai dele. Seo Roque foi chefe dos carpinteiros na construção da Assembléia Legislativa de São Paulo. “Faz a matéria do velho, pôrra! Vai-se saber até quando ele dura!”, repetia Lula noites a fim.
Nos seus últimos meses de vida, Lula transferiu sua sapataria (que antes ficava no coração comercial do Pirajuçara) para um salão na casa da irmã que encontrei operando o caixa do supermercado. Algumas vezes fui visitá-lo. Ele já não podia beber, já não tinha muito ânimo para longos e pesados bate-papos. Mas o carinho de amigos nos envolvia ali, na ladeira do Jardim Record.


Saí do supermercado sem saber o que dizer para a irmã do meu pranteado amigo. É muito difícil você saber, post-mortem, que você significou algo na vida de uma pessoa.
Quantas lágrimas me custaram aquele meu irmão que já se foi.
Sapateiros - quadro belga sem indicação de data e autor

Um comentário:

Anônimo disse...

Você sempre me emociona...Até quando eu nem imaginava te conhecer você já preparava armadilhas ao meu coração.