Perto de alguns distintos amigos, sou um joão-ninguém pra falar sobre o tema buteco. Se tenho, por um lado, uma considerável litragem percorrida, o mesmo não se pode dizer da variedade de ambientes em que já cravei meus cotovelos nos balcões. Nessa praia sou um caseiro, não um desbravador; gosto (mais) de beber onde me sinto em casa. E são pouquíssimos os bares que apresento e me orgulho. Chego, às vezes, a parecer o dono da birosca. Ora, a alguns clientes é dada a liberdade de expulsar otário do estabelecimento e pagar quando der. Num buteco decente há uma comunhão – assim como discussões - entre os frequentadores, tal qual uma torcida pelo mesmo time; há a sensação de prazer e empatia pessoal e intransferível que cada bar proporciona, consequencia das experiencias bebidas, comidas, batucadas ou conversadas madrugadas adentro. Há, enfim, uma cortina invisivel que se abre quando chega o primeiro cliente e se fecha na despedida do último bêbado. Porém, há perversidade em jogo; as voadoras que a tradição e a simplicidade tomam dos afetados marqueteiros comprometem tudo e aí o bar já era. Por isso é que estou, sempre, nos meus três bares. Mas prefiro, sempre à minha singela maneira, contar um belo causo de buteco(s).
São dois bares numa Rua da Casa Verde que agregam, do jeito mais autêntico possivel, todas as qualidades indispensaveis para se afirmar que são grandes butecos. Até hoje não cheguei à conclusão se o que me fascina ali é a Rua ou se são os Bares. Porque a Rua, essa sim – e mais até que os bares -, tudo nela me comove; o movimento de veículos quase zero, se não fosse pelos frequentadores dos dois pés-sujos; entre os sobrados, casas humildes sem nenhum acabamento, com tijolo à vista; criançada de pé no chão empinando pipa, jogando bola e soltando balão chinesinho; jovens batendo papo em volta de uma fogueira no meio da rua, inevitavelmente dividindo um garrafão de vinho vagabundo; e a morena mais linda de toda a zona norte. Tudo isso junto me causa - particular subjetivo - um súbito arrebate em que regresso pra não sei quando.
A Rua me enfeitiça, mas o motivo que me leva pra lá é o Bar. Quando cito o bar falo de dois, o portentoso bar do Mauro e o acolhedor bar do Tuca. Em determinados momentos os bares se confundem porque, por incrível que pareça, os clientes são os mesmos, o que faz com que se um bar está cheio uma coisa é certa; o outro está vazio. Estou exagerando. Não precisa nem o bar estar cheio. Basta ter dois ou três caboclos recostados no balcão do Mauro e a lei prevalece; Tuca vazio. Aí reside o que há de mais místico na Rua, embora haja – e tentarei explicar – uma base racional para tal efeito. O dois Bares ficam um de cada lado da Rua, que é pequena (uns 300 metros). No meio da Rua tem um canteiro que a divide e o único caminho pra se chegar é entrando primeiro do lado da Rua em que fica o bar do Tuca. Vantagem pra ele? Não. Um misterioso consenso é elaborado do único jeito possível para o bom funcionamento dos dois estabelecimentos; o bom senso. Entre os clientes é decidido qual o bar agraciado do dia e, consequente, da noite. O primeiro bêbado a chegar é quem decide. Porque o segundo vai beber com o primeiro e assim vai e pronto. O outro bar fica relegado às moscas, mas jamais fecha as portas, numa belíssima demonstração de altruísmo. Já teve dias em que o pessoal estava todo no Mauro e o Tuca faturou zero. Nadica de nada.
O que mais impressiona é que até os aniversários dos frequentadores é comemorado - sempre aos Sábados - alternadamente. O faturamento sobe; por isso é cada aniversário num buteco, sem choro nem vela. Peninha cuida da costela no bafo, Zé Augusto puxa samba das suas azul e branco (Portela e Peruche), Galo conta piada pra delírio do Sardinha, Grapete, com seu gingado, tira a nega pra dançar (aos Sábados as mulheres vão), Cadina conta suas milhões de histórias, Dilnei organiza o jogo de tranca e Mané desafia na Sinuca. Tudo isso presidido moralmente pelo grande Basílio, o Pé-de-Anjo e efetivamente pelo grande Zulu, que tudo vê e pouco fala, como os bons malandros devem ser. A negrada do Cruz da Esperança marca presença e a merda tá feita. Coisa linda! Eu sou um dos três ou quatro menores de 50...
Tudo isso é muito bonito, mas quando algum evento interrompe o bom andamento das coisas, o caldo entorna. Principalmente quando o “evento” é o dono do moquifo. Aconteceu no Carnaval deste ano e provocou, assim como um El Niño, uma rápida alteração no clima e a modificação nos padrões naturais estabelecidos. Demorou um mês pro mar se acalmar e a maré baixar.
O Sábado de Carnaval amanheceu e o Mauro estava fechando as portas, assim como o Tuca. Não tinha jeito, dali a poucas horas teriam que reabrir. É certo que chegaria gente pra beber antes do meio dia. E não deu outra. Onze da manhã chega o Zulu e toca a campainha do Mauro (vejam que beleza: o Mauro mora em cima do próprio bar!). Depois de dez minutos, a esposa do Mauro bota a cabeça pra fora da janela. Zulu já estava acompanhado de dois ou três sedentos. “O Mauro já está descendo”, disse ela. Após quarenta minutos e a certeza de que Mauro não apareceria (nem abriu o bar naquele dia), não teve jeito; os já dez cachaças atravessaram a rua e espreitaram o bar do Tuca; ninguém lá dentro. Um deles entrou no carro e foi até a casa do homem, ali pertinho. Três toques na campainha e o Tuca aparece, todo inchado de sono e com uma puta cara de maracujá:
- Joga a chave do bar!
- Peraí... Toma! Olha, o bar tá todo sujo.
- A gente limpa.
- Tá certo. Vai marcando o que vocês beberem que eu chego daqui duas horas. Preciso dormir mais um pouco.
Resultado: Mauro serviu, durante um mês, as moscas!
São dois bares numa Rua da Casa Verde que agregam, do jeito mais autêntico possivel, todas as qualidades indispensaveis para se afirmar que são grandes butecos. Até hoje não cheguei à conclusão se o que me fascina ali é a Rua ou se são os Bares. Porque a Rua, essa sim – e mais até que os bares -, tudo nela me comove; o movimento de veículos quase zero, se não fosse pelos frequentadores dos dois pés-sujos; entre os sobrados, casas humildes sem nenhum acabamento, com tijolo à vista; criançada de pé no chão empinando pipa, jogando bola e soltando balão chinesinho; jovens batendo papo em volta de uma fogueira no meio da rua, inevitavelmente dividindo um garrafão de vinho vagabundo; e a morena mais linda de toda a zona norte. Tudo isso junto me causa - particular subjetivo - um súbito arrebate em que regresso pra não sei quando.
A Rua me enfeitiça, mas o motivo que me leva pra lá é o Bar. Quando cito o bar falo de dois, o portentoso bar do Mauro e o acolhedor bar do Tuca. Em determinados momentos os bares se confundem porque, por incrível que pareça, os clientes são os mesmos, o que faz com que se um bar está cheio uma coisa é certa; o outro está vazio. Estou exagerando. Não precisa nem o bar estar cheio. Basta ter dois ou três caboclos recostados no balcão do Mauro e a lei prevalece; Tuca vazio. Aí reside o que há de mais místico na Rua, embora haja – e tentarei explicar – uma base racional para tal efeito. O dois Bares ficam um de cada lado da Rua, que é pequena (uns 300 metros). No meio da Rua tem um canteiro que a divide e o único caminho pra se chegar é entrando primeiro do lado da Rua em que fica o bar do Tuca. Vantagem pra ele? Não. Um misterioso consenso é elaborado do único jeito possível para o bom funcionamento dos dois estabelecimentos; o bom senso. Entre os clientes é decidido qual o bar agraciado do dia e, consequente, da noite. O primeiro bêbado a chegar é quem decide. Porque o segundo vai beber com o primeiro e assim vai e pronto. O outro bar fica relegado às moscas, mas jamais fecha as portas, numa belíssima demonstração de altruísmo. Já teve dias em que o pessoal estava todo no Mauro e o Tuca faturou zero. Nadica de nada.
O que mais impressiona é que até os aniversários dos frequentadores é comemorado - sempre aos Sábados - alternadamente. O faturamento sobe; por isso é cada aniversário num buteco, sem choro nem vela. Peninha cuida da costela no bafo, Zé Augusto puxa samba das suas azul e branco (Portela e Peruche), Galo conta piada pra delírio do Sardinha, Grapete, com seu gingado, tira a nega pra dançar (aos Sábados as mulheres vão), Cadina conta suas milhões de histórias, Dilnei organiza o jogo de tranca e Mané desafia na Sinuca. Tudo isso presidido moralmente pelo grande Basílio, o Pé-de-Anjo e efetivamente pelo grande Zulu, que tudo vê e pouco fala, como os bons malandros devem ser. A negrada do Cruz da Esperança marca presença e a merda tá feita. Coisa linda! Eu sou um dos três ou quatro menores de 50...
Tudo isso é muito bonito, mas quando algum evento interrompe o bom andamento das coisas, o caldo entorna. Principalmente quando o “evento” é o dono do moquifo. Aconteceu no Carnaval deste ano e provocou, assim como um El Niño, uma rápida alteração no clima e a modificação nos padrões naturais estabelecidos. Demorou um mês pro mar se acalmar e a maré baixar.
O Sábado de Carnaval amanheceu e o Mauro estava fechando as portas, assim como o Tuca. Não tinha jeito, dali a poucas horas teriam que reabrir. É certo que chegaria gente pra beber antes do meio dia. E não deu outra. Onze da manhã chega o Zulu e toca a campainha do Mauro (vejam que beleza: o Mauro mora em cima do próprio bar!). Depois de dez minutos, a esposa do Mauro bota a cabeça pra fora da janela. Zulu já estava acompanhado de dois ou três sedentos. “O Mauro já está descendo”, disse ela. Após quarenta minutos e a certeza de que Mauro não apareceria (nem abriu o bar naquele dia), não teve jeito; os já dez cachaças atravessaram a rua e espreitaram o bar do Tuca; ninguém lá dentro. Um deles entrou no carro e foi até a casa do homem, ali pertinho. Três toques na campainha e o Tuca aparece, todo inchado de sono e com uma puta cara de maracujá:
- Joga a chave do bar!
- Peraí... Toma! Olha, o bar tá todo sujo.
- A gente limpa.
- Tá certo. Vai marcando o que vocês beberem que eu chego daqui duas horas. Preciso dormir mais um pouco.
Resultado: Mauro serviu, durante um mês, as moscas!
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