quinta-feira, 24 de julho de 2008

Botequeiros de fino trato

Foto: Eduardo Toledo
O poeta Jairo, do Grupo Periafricania, em um boteco de Taboão da Serra
Imagine a cena: dois homens estão no boteco, cada qual biritando no seu canto. Não se falam.
Chega um terceiro elemento, dirige-se a um dos botequeiros, e cumprimenta-o com um formal “Boa noite”; passam a conversar cordialmente.
Entra um quarto homem, e dirige-se ao segundo botequeiro de plantão, saudando-o com sonoros “Ô!, filho-da-puta!”, “E aí?, arrombado!”, fingem que vão golpear-se, e a conversa segue entre sutis provocações.
Em qual das duplas há amizade?
Naquela em que a conversa rolou sob suposta rispidez.
Agem assim os habitantes destes oceanos de bebidas. Em aparente desconsideração.
Boteco não é lazer. Lá os caras ficam numa espécie de “câmara de descompressão”. O sujeito fica ali, entre fermentados e destilados, adiando a hora de voltar pra casa, se descontaminando da rotina.
Encomendei ao meu amigo antropólogo Enrico Spaggiari, uma lista de publicações que vamos, aqui, colocar numa prateleira etiquetada Etnologia do Botequim.
Inicio as citações sobre a vida dentro das fronteiras de um bar, como não poderia deixar de ser, com um trecho do imortal jornalista-escritor João Antonio:

“[...] se cumprimentavam aos palavrões. Quando se topavam, por malandragem ou negaça [...] se encaravam. Picardia. E quem não soubesse diria que acabariam se atracando. [...]
Então, enquanto otários não surgiam, jogo bom não aparecia e a noite não chegava, Perus e Bacanaço brincaram. Com a boca e com as pernas, indo e vindo e requebrando, se fazendo de difíceis, brincaram. Desconsideradamente, nenhum golpe. As pernas ao de leve se tocavam e se afastavam, não se entrelaçando nunca, que aquilo era brincar.
A curriola veio se encostando.
[...]
Do bolso traseiro da calça já veio aberta a navalha.
- Entra, safado.
Perus estatelou, guardou-se no blusão de couro. O antebraço cobriu a cara, os olhos firmaram. Mas Bacanaço sorriu, que aquilo era brincar.
[...]”

Se ainda não leu, compre o livro Malagueta, Perus e Bacanaço. Depois, volte aqui no boteco, procure uma mesinha no canto mais silencioso da nossa seção João Antonio/Estudos Literários, e leia uma análise desta obra por duas doutoras no assunto.

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