O sujeito entra no Bar do Carioca, na região do Pirajuçara, em Taboão da Serra, e entre uma birita e outra, fica encafifado com uma cabeçorra grudada na parede, de boca poderosa e duas presas pontiagudas na mandíbula inferior, feito caninos invertidos.
Botequeiro é despachado, e não demora abordar o dono do bar sobre o curioso objeto. Se o Carioca não estiver nos seus melhores dias, a resposta é uma flechada na conversa-mole:
– É uma cachorra.
E mais não diz nem se for perguntado.
Mas se o homem estiver inspirado, didaticamente apontará pra sua mais nova conquista nos rios de Mato Grosso:
- Aquilo ali é a cabeça embalsamada de um dourado-cachorra que pesquei no rio Teles Pires no final de julho.
A partir dalí e até o cliente tomar seu último trago, a conversa vai se espraiar em casos e fotos de pescarias.
Várias vezes ao ano, sem periodicidade alguma e nenhum aviso prévio, Carioca baixa as portas de aço do seu boteco, e se manda pra beira d’água. Tanto faz ir pra sua baixada fluminense ou pro Mato Grosso: “O importante é pexcárrr”, diz no sotaque de ilustre filho de Nova Iguaçu (RJ).
O peixe-cachorra que virou troféu foi fisgado em 24 de julho último. Carioca já estava em Sinop (MT) desde 29 de junho, Dia de São Pedro, padroeiro dos pescadores. Mas seu bornal de pescador ainda não tinha nenhuma história boa pra contar. Em 10 de julho ele, sua mulher Dalva e os amigos Luiz, Evanildo, Mário e Vanderlei, já tinham subido o rio Teles Pires por três dias. Voltaram para o acampamento. Em 21 de julho retomaram as tralhas, e lá se foram de novo rio acima. O barco que os levava havia conduzido campeões de um recente torneio de pesca. Três dias depois, com o sol das 10h da manhã desenhando faíscas douradas nas águas, na altura da Fazenda Pedro Mendes, Carioca viu na ponta da linha que era hora de voltar para Taboão da Serra: a cachorra de 12,800kg dava seus últimos tremeliques no anzol. Às 18h34 de 24.jul.2008 Carioca adentrou com o fantástico peixe na casa de sua cunhada Fátima, em Sinop, a 2.135km de São Paulo. Mas o peixão não cumpriu logo sua sina de comida de gente. Faltava encarar 36 horas de ônibus na viagem até a cozinha do Carioca. Salgado e secado ao sol, esperou a hora de ser levado ao fogo. Dali foi escoltado pelo vinho tinto até a mesa, e consumido tendo como testemunhas o arroz branco e uma formidável farofa.
Na natureza, a cachorra chega a um metro de comprimento, e pode engolir peixes com a metade de seu tamanho. Quando escolhe sua vítima como rango, dá um bote furioso pra cima da presa: nem dá tempo do peixinho gritar “glub!”.
Ao ser fisgado, sai num arranco irado, e dá vários pinotes cheios de agilidade e vigor para fora da água. Não é covarde: não procura vãos onde se embiocar e enroscar a linha. Mas tem fôlego curto; logo entrega os pontos. O homem branco é quem diz que este peixe tem cara de cachorra. Para os índios, ele é parente do Batman – o chamam pirandirá (pira = peixe + andirá = morcego). O rio Teles Pires nasce em duas pequenas nascentes a 800 metros de altitude na Serra Azul, no município de Primavera do Leste (MT). Até desaguar no rio Tapajós, no Estado do Pará, percorre 725 quilômetros.
Este portento fluvial (que leva o sobrenome do capitão Antônio Lourenço Teles Pires, pioneiro na exploração daquelas águas, e morto por afogamento em 1882 neste rio) está condenado a morrer. Se não cessar imediatamente sua depredação, o Teles Pires não durará mais 20 anos. Sua água azul-esverdeada está escurecendo contaminada por agrotóxicos. Seu leito está assoreado. Sua bacia de 109 mil quilômetros quadrados - a 3ª maior do MT – já está 46% desmatada...
Bar do Carioca
Praça Luiz Gonzaga, Pirajuçara - Taboão da Serra
Altura do nº. 2.375 da Estrada Kizaemon Takeuti
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