terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Valdir, o parceiro da noite

Todo boteco que se preza tem a sua figura-símbolo.

No Bar Fecha Nunca do Largo do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, o principal personagem das madrugadas é o Valdir.

Todas as noites, de janeiro a janeiro, faça chuva ou faça lua, Valdir está lá, firme no seu posto na ponta do balcão.

Devido a uma doença de nascença, ele não pronuncia palavras. Emite sons retorcidos, fiapos de sílabas. Sua fala é feita de elipses, síncopes e elisões.

- Que horas você acorda, Valdir?

- Ûa óa – informa com o sorriso vadio de quem começa a biritar às 8h da noite e só pára quando a coruja vai dormir.

Ele chega ao boteco invariavelmente após as 22h, depois que a padaria de frente fecha. Demora certo tempo para sair de seu automóvel Gol azul. A moléstia infantil também lhe afetou a coordenação dos braços e pernas. Se aboleta no balcão, e vara a madrugada inteira movido a pinga com limão em doses que leva uma eternidade para sorver.

Valdir nasceu na Mooca há 45 anos. Quando tinha três anos e meio sua família mudou-se para a região do Campo Limpo. Filho de mineiro casado com paulistana, é o terceiro de uma escadinha de cinco irmãos. Com o mesmo problema de Valdir, nasceram sua irmã Maria e outro irmão. Se seguir as pegadas dos pais, Valdir terá muitas luas pela frente: sua mãe dona Elza morreu aos 78 anos, e seu pai, aos 72.

Apesar de não dizer as palavras, Valdir é alfabetizado. Frequentou o curso primário com crianças sem deficiências. É dotado de senso de humor agudo e ouvidos de vira-lata: capta até o cochicho mais sussurrado do outro lado do salão. Sua impossibilidade de falar, nos priva das muitas histórias que ele presenciou nas noitadas.

Como disse a escritora Clarice Lispector: “as pessoas precisam tanto poder contar histórias delas mesmas”... Talvez um dia os lances que Valdir traz aprisionados na memória possam ser contados.

Enquanto isto não chega, os ponteiros do relógio avançam rumo ao amanhecer. O Gol azul de Valdir espera seu dono na porta do boteco, como se fosse o cavalo insone de um cowboy boêmio.

Valdir conta seus “causos” ao colega de balcão

Fotos: Binho

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