“A cidade mais bem cortada
Que vi, Sevilha,
Cidade que veste o homem
Sob medida”
João Cabral de Melo Neto
Que vi, Sevilha,
Cidade que veste o homem
Sob medida”
João Cabral de Melo Neto
A partir do próximo 20 de abril, a cidade de Sevilha, na Espanha, terá um novo morador. O ator Paulo Brito, nascido em Taboão da Serra, muda-se para lá com Ana Maria, a hermosa espanhola com quem se casou em Londres há dois anos e meio.
De 1999 a 2005, Paulo Brito (à esquerda fotografado por Marco Pezão) teve uma carreira meteórica no teatro de Taboão da Serra. Colheu vários troféus de melhor ator. Chegou a atuar na Capital de São Paulo. Uma crise no trabalho fora dos palcos e no primeiro casamento, entretanto, levou-o a recomeçar a vida no lado de lá do oceano Atlântico.
Primeiro palco foi a calçada da rua
Uma lâmpada acesa atraiu Paulo Brito para o teatro. Certa noite, vindo da escola pela Avenida Laurita Ortega Mari, no bairro Parque Pinheiros, onde morava em Taboão da Serra, pensou que uma sala iluminada fosse da vídeo-locadora de um vizinho de sua casa. A locadora, porém, estava fechada. Mas na sala ao lado ouvia-se um estranho “pocotó-pocotó-pocotó...”. Foi ver o que era, e deparou-se com o ambiente lotado de jovens. Um dos garotos girava pelo salão num galope imaginário. Ensaiavam a peça Lampião e sua Terrível Peleja para entrar no Reino dos Céus, de Salvador Ribeiro. Era o grupo teatral Quem Diria?, na época integrado por Cida Ribeiro, Valter Costa, Joel Macedo, e outros. “Entra!”, disse Cida Ribeiro para o maravilhado Paulo Brito, que imediatamente integrou-se à trupe.
Dias depois, um dos atores desistiu da Peleja, e coube a Paulo Brito o papel de padre. O espetáculo estreou no canteiro central da avenida em frente ao local dos ensaios, no início de 1999. Todavia, o sonho de todo ator iniciante é subir ao palco do teatro da sua cidade.
O teatro como sacerdócio
Enfeitiçado pelo palco, Paulo Brito montou um monólogo sobre a trajetória de um jovem ateu rumo à religiosidade. A coletânea de textos bíblicos e outros anônimos cruzou a ribalta como O Caminho entre o Homem e Deus. Paulo resolveu inscrever-se no festival de teatro local – fase municipal do Mapa Cultural Paulista. Seu amigo Ney Rodrigues faria a sonoplastia. Mas ao assistirem a uma das peças concorrentes, Ney amarelou. Paulo também pensou desistir. “Agora não tem mais volta. Seu nome já está na programação; o cartaz da peça está na rua; prepare-se para o espetáculo”, disse-lhe Osvaldenir Stocker, um dos organizadores da mostra.
“Dalí eu saí feito um doido, ensaiando o texto pelas ruas”, relembra Paulo Brito. A peça foi ao palco em 14 de maio de 1999. Noite de chuva, e de disputa das quartas-de-final da Taça Libertadores entre dois times paulistas.
O sonoplasta Ney Rodrigues realmente fugiu. Um funcionário do teatro, Ademir, viu Paulo Brito entregue à própria sorte. “Quer ajuda? Qual é a marcação de luz e de som?”, indagou-lhe Ademir, disposto a ser a “taboa de náufrago” do solitário ator estreante. Em menos de 30 minutos, sonoplastia e iluminação estavam ensaiadas. “Fui pro camarim me concentrar, e ouvia o tropel do público lotando o teatro”, relata Paulo Brito.
A peça classificou-se em 3º lugar, e Paulo Brito foi o melhor ator daquela fase do Mapa Cultural Paulista de 1999.
O monólogo não havia sido montado com finalidade religiosa. Mas ganhou vida própria, e passou a ser requisitado por igrejas católicas e protestantes. Além desta atuação no palco, Paulo Brito era militante da juventude católica: fazia leituras de textos para pessoas idosas.
No ano 2000, Paulo Brito (à direita na peça Boombástico) também ganhou prêmios como melhor ator coadjuvante no Mapa Cultural Paulista (fase municipal) e no IV Festival de Teatro do Trabalhador. Fez curso de teatro e obteve registro de ator profissional. No mesmo ano, foi o primeiro ator negro no papel principal da encenação da Paixão de Cristo em Taboão da Serra. (Por falar em Cristo, no próximo 30 de março, Paulo Brito fará 33 anos).
Em 2004, Paulo Brito foi selecionado para protagonizar um filme de curta-metragem. No ano seguinte, estava em um teatro paulistano, no papel principal da adaptação de Vidas Secas, de Graciliano Ramos.
O adeus aos palcos na terra de Shakespeare
“Já não sonho / Hoje faço
Com meu braço / meu viver”
De 1999 a 2005, Paulo Brito (à esquerda fotografado por Marco Pezão) teve uma carreira meteórica no teatro de Taboão da Serra. Colheu vários troféus de melhor ator. Chegou a atuar na Capital de São Paulo. Uma crise no trabalho fora dos palcos e no primeiro casamento, entretanto, levou-o a recomeçar a vida no lado de lá do oceano Atlântico.
Primeiro palco foi a calçada da rua
Uma lâmpada acesa atraiu Paulo Brito para o teatro. Certa noite, vindo da escola pela Avenida Laurita Ortega Mari, no bairro Parque Pinheiros, onde morava em Taboão da Serra, pensou que uma sala iluminada fosse da vídeo-locadora de um vizinho de sua casa. A locadora, porém, estava fechada. Mas na sala ao lado ouvia-se um estranho “pocotó-pocotó-pocotó...”. Foi ver o que era, e deparou-se com o ambiente lotado de jovens. Um dos garotos girava pelo salão num galope imaginário. Ensaiavam a peça Lampião e sua Terrível Peleja para entrar no Reino dos Céus, de Salvador Ribeiro. Era o grupo teatral Quem Diria?, na época integrado por Cida Ribeiro, Valter Costa, Joel Macedo, e outros. “Entra!”, disse Cida Ribeiro para o maravilhado Paulo Brito, que imediatamente integrou-se à trupe.
Dias depois, um dos atores desistiu da Peleja, e coube a Paulo Brito o papel de padre. O espetáculo estreou no canteiro central da avenida em frente ao local dos ensaios, no início de 1999. Todavia, o sonho de todo ator iniciante é subir ao palco do teatro da sua cidade.
O teatro como sacerdócio
Enfeitiçado pelo palco, Paulo Brito montou um monólogo sobre a trajetória de um jovem ateu rumo à religiosidade. A coletânea de textos bíblicos e outros anônimos cruzou a ribalta como O Caminho entre o Homem e Deus. Paulo resolveu inscrever-se no festival de teatro local – fase municipal do Mapa Cultural Paulista. Seu amigo Ney Rodrigues faria a sonoplastia. Mas ao assistirem a uma das peças concorrentes, Ney amarelou. Paulo também pensou desistir. “Agora não tem mais volta. Seu nome já está na programação; o cartaz da peça está na rua; prepare-se para o espetáculo”, disse-lhe Osvaldenir Stocker, um dos organizadores da mostra.
“Dalí eu saí feito um doido, ensaiando o texto pelas ruas”, relembra Paulo Brito. A peça foi ao palco em 14 de maio de 1999. Noite de chuva, e de disputa das quartas-de-final da Taça Libertadores entre dois times paulistas.
O sonoplasta Ney Rodrigues realmente fugiu. Um funcionário do teatro, Ademir, viu Paulo Brito entregue à própria sorte. “Quer ajuda? Qual é a marcação de luz e de som?”, indagou-lhe Ademir, disposto a ser a “taboa de náufrago” do solitário ator estreante. Em menos de 30 minutos, sonoplastia e iluminação estavam ensaiadas. “Fui pro camarim me concentrar, e ouvia o tropel do público lotando o teatro”, relata Paulo Brito.
A peça classificou-se em 3º lugar, e Paulo Brito foi o melhor ator daquela fase do Mapa Cultural Paulista de 1999.
O monólogo não havia sido montado com finalidade religiosa. Mas ganhou vida própria, e passou a ser requisitado por igrejas católicas e protestantes. Além desta atuação no palco, Paulo Brito era militante da juventude católica: fazia leituras de textos para pessoas idosas.
No ano 2000, Paulo Brito (à direita na peça Boombástico) também ganhou prêmios como melhor ator coadjuvante no Mapa Cultural Paulista (fase municipal) e no IV Festival de Teatro do Trabalhador. Fez curso de teatro e obteve registro de ator profissional. No mesmo ano, foi o primeiro ator negro no papel principal da encenação da Paixão de Cristo em Taboão da Serra. (Por falar em Cristo, no próximo 30 de março, Paulo Brito fará 33 anos).
Em 2004, Paulo Brito foi selecionado para protagonizar um filme de curta-metragem. No ano seguinte, estava em um teatro paulistano, no papel principal da adaptação de Vidas Secas, de Graciliano Ramos.
O adeus aos palcos na terra de Shakespeare
“Já não sonho / Hoje faço
Com meu braço / meu viver”
F. Brant – M. Nascimento (Travessia) Paulo Brito contempla a Tower Bridge, no Rio Tâmisa, Londres
“Já paguei meu preço por amar o teatro. Não volto mais ao palco”. Paulo Brito fazia a si mesmo este desabafo, ao caminhar pela Liverpool Street, em Londres, na manhã de 12 de dezembro de 2005. “Trabalho no que aparecer pela frente. Vou cuidar de mim”.
“Já paguei meu preço por amar o teatro. Não volto mais ao palco”. Paulo Brito fazia a si mesmo este desabafo, ao caminhar pela Liverpool Street, em Londres, na manhã de 12 de dezembro de 2005. “Trabalho no que aparecer pela frente. Vou cuidar de mim”.
Perguntava aflito aos transeuntes onde ficava o bairro que procurava; tropeçando no idioma, trocou Downstown por Dawnstone até encontrar-se em Dalston, subúrbio onde moram muitos brasileiros em busca da sorte na capital britânica.
Ele havia chegado na noite anterior à Inglaterra. Dormira em um alojamento com imigrantes ilegais de vários países. No cós da cueca, levava amarradas 700 libras esterlinas. Era tudo o que havia juntado em 29 anos de vida no Brasil...
O “conto” do Natal e a tentação da maçã
Aquelas minguadas 700 libras (cerca de R$ 2.300,00 hoje) não tinham sido juntadas para uma nova vida na Europa. Eram menos da metade da grana que precisava para ir bem longe do Brasil, e de certas pessoas com quem tivera o desprazer de conviver aqui.
Um político taboanense com nome de feriado religioso, a quem Paulo Brito ajudou reeleger em 2004, lhe enganou com promessa de bom emprego. Em troca, Paulo Brito foi colocado em uma sala da Divisão de Cultura da Prefeitura de Taboão da Serra, junto com outros funcionários ociosos. O premio do consagrado ator foi um salário de R$ 600,00.
O ganho era aviltante. E a sinecura não combinava com o espírito ativo do artista.
Certa manhã a vida gritou-lhe por meio de um anúncio de jornal: “Vá colher maçãs na Nova Zelândia”. Paulo Brito telefonou para o agenciador: “Me entregue R$ 5 mil que sua vaga estará garantida em uma fazenda de lá”.
O rapaz levantou-se da mesa já com andar de lavrador. “Estou indo embora para a Nova Zelândia”, disse à esposa. “É mais uma das suas idéias geniais?” – ironizou a mulher. “Vou vender minha moto, televisão, liquidificador, qualquer coisa que me dê o dinheiro pra ir colher maçãs na Nova Zelândia.”
O divórcio era inevitável. O casamento havia sido dizimado pelas pragas financeiras. Ao contrário do personagem Fabiano que Paulo fazia no teatro, ele não tinha na esposa a correspondente à Sinhá Vitória de Vidas Secas.
Uma amiga de Paulo Brito ficou sabendo do projeto neozelandês. “Por que você não vai pra Inglaterra?”, sugeriu Rosana. “Sou comissária de bordo da [companhia aérea] TAM, e coloco você dentro de Londres. Daí em diante, você se vira por lá!”.
O funcionário da alfândega olhou com desconfiança digna de Sherlock Holmes para a moça elegante acompanhada do moreno magro e alto. “Somos namorados, estamos a passeio”, mentiu a bonita aeronauta. O barulho do carimbo de autorização batendo no papel foi a trilha sonora mais linda que Paulo Brito ouviu.
O coração de Paulo estava em chamas quando ele deu os primeiros passos na capital da Grã-Bretanha a 10 graus abaixo de zero.
Um bate-boca das Arábias
O primeiro emprego de Paulo Brito em Londres foi como peão de obra, em uma firma de árabes. Por ser clandestino, só lhe pagavam três libras por dia – metade do preço praticado lá para ajudantes da construção civil. “Numa manhã eu movia areia com a pá, e senti que estava congelando”, lembra. Correu até um bocal de luz e agarrou a lâmpada. O empreiteiro arremeteu furioso:
- وستعمل ، بوم
- Quié que cê tá falando aí, seu bosta? Não vê que estou congelando? – reagiu Paulo, sem entender uma vírgula do que jorrava da boca do patrão.
- هود الفئران
- Eu sei lá o que cê tá gritando aí, corno!?
- نكح لك
- Cala esta boca e deixa eu esquentar minha mão, estúpido.
- ولد غير شرعي
Paulo Brito resolveu sair das garras daquele beduíno urbano, e largou o emprego.
A virada do placar
Ele havia chegado na noite anterior à Inglaterra. Dormira em um alojamento com imigrantes ilegais de vários países. No cós da cueca, levava amarradas 700 libras esterlinas. Era tudo o que havia juntado em 29 anos de vida no Brasil...
O “conto” do Natal e a tentação da maçã
Aquelas minguadas 700 libras (cerca de R$ 2.300,00 hoje) não tinham sido juntadas para uma nova vida na Europa. Eram menos da metade da grana que precisava para ir bem longe do Brasil, e de certas pessoas com quem tivera o desprazer de conviver aqui.
Um político taboanense com nome de feriado religioso, a quem Paulo Brito ajudou reeleger em 2004, lhe enganou com promessa de bom emprego. Em troca, Paulo Brito foi colocado em uma sala da Divisão de Cultura da Prefeitura de Taboão da Serra, junto com outros funcionários ociosos. O premio do consagrado ator foi um salário de R$ 600,00.
O ganho era aviltante. E a sinecura não combinava com o espírito ativo do artista.
Certa manhã a vida gritou-lhe por meio de um anúncio de jornal: “Vá colher maçãs na Nova Zelândia”. Paulo Brito telefonou para o agenciador: “Me entregue R$ 5 mil que sua vaga estará garantida em uma fazenda de lá”.
O rapaz levantou-se da mesa já com andar de lavrador. “Estou indo embora para a Nova Zelândia”, disse à esposa. “É mais uma das suas idéias geniais?” – ironizou a mulher. “Vou vender minha moto, televisão, liquidificador, qualquer coisa que me dê o dinheiro pra ir colher maçãs na Nova Zelândia.”
O divórcio era inevitável. O casamento havia sido dizimado pelas pragas financeiras. Ao contrário do personagem Fabiano que Paulo fazia no teatro, ele não tinha na esposa a correspondente à Sinhá Vitória de Vidas Secas.
Uma amiga de Paulo Brito ficou sabendo do projeto neozelandês. “Por que você não vai pra Inglaterra?”, sugeriu Rosana. “Sou comissária de bordo da [companhia aérea] TAM, e coloco você dentro de Londres. Daí em diante, você se vira por lá!”.
O funcionário da alfândega olhou com desconfiança digna de Sherlock Holmes para a moça elegante acompanhada do moreno magro e alto. “Somos namorados, estamos a passeio”, mentiu a bonita aeronauta. O barulho do carimbo de autorização batendo no papel foi a trilha sonora mais linda que Paulo Brito ouviu.
O coração de Paulo estava em chamas quando ele deu os primeiros passos na capital da Grã-Bretanha a 10 graus abaixo de zero.
Um bate-boca das Arábias
O primeiro emprego de Paulo Brito em Londres foi como peão de obra, em uma firma de árabes. Por ser clandestino, só lhe pagavam três libras por dia – metade do preço praticado lá para ajudantes da construção civil. “Numa manhã eu movia areia com a pá, e senti que estava congelando”, lembra. Correu até um bocal de luz e agarrou a lâmpada. O empreiteiro arremeteu furioso:
- وستعمل ، بوم
- Quié que cê tá falando aí, seu bosta? Não vê que estou congelando? – reagiu Paulo, sem entender uma vírgula do que jorrava da boca do patrão.
- هود الفئران
- Eu sei lá o que cê tá gritando aí, corno!?
- نكح لك
- Cala esta boca e deixa eu esquentar minha mão, estúpido.
- ولد غير شرعي
Paulo Brito resolveu sair das garras daquele beduíno urbano, e largou o emprego.
A virada do placar
“Everybody's talking at me
I don't hear a word they're saying
Only the echoes of my mind”
John Barry
I don't hear a word they're saying
Only the echoes of my mind”
John Barry
Paulo perambulava pela Londres gelada à busca de trabalho. Sentiu o drama de estar só, perdido no meio de pessoas que falavam o que ele não entendia. Depressão, choros, e um horizonte que não se abria.
O estádio do clube Arsenal fica a poucos metros da pensão onde Paulo Brito morava. Bateu na vidraça do porteiro: “I need job!”. O inglês nem lhe olhou na cara. Na manhã seguinte: “I need job!”, e de novo o gringo “nem tchuns”. Um dia, cansado da insistência do rapaz, o britânico deixou-o entrar.
Enquanto o Arsenal e a Juventus batiam-se em campo pela Champions League’2005, o placar da vida de Paulo Brito saiu do zero a zero. Lavar banheiros e recolher o lixo do estádio virou um paraíso para o ator retirante. A Inglaterra deixou de ser-lhe um purgatório. Londres abriu-lhe um sorriso. “Daí eu comecei a sentir o que é ganhar bem, comer bem, me vestir bem”, revela.
O trabalho bem remunerado passou a encher o bolso de Paulo Brito. Mas seu coração continuava vazio. E sua alma temerosa de ser descoberto pelas autoridades, e deportado.
O amor na beira do lago
“Talvez, quem sabe um dia
Por uma alameda do zoológico
ela também chegará...”
Maiakoviski
O estádio do clube Arsenal fica a poucos metros da pensão onde Paulo Brito morava. Bateu na vidraça do porteiro: “I need job!”. O inglês nem lhe olhou na cara. Na manhã seguinte: “I need job!”, e de novo o gringo “nem tchuns”. Um dia, cansado da insistência do rapaz, o britânico deixou-o entrar.
Enquanto o Arsenal e a Juventus batiam-se em campo pela Champions League’2005, o placar da vida de Paulo Brito saiu do zero a zero. Lavar banheiros e recolher o lixo do estádio virou um paraíso para o ator retirante. A Inglaterra deixou de ser-lhe um purgatório. Londres abriu-lhe um sorriso. “Daí eu comecei a sentir o que é ganhar bem, comer bem, me vestir bem”, revela.
O trabalho bem remunerado passou a encher o bolso de Paulo Brito. Mas seu coração continuava vazio. E sua alma temerosa de ser descoberto pelas autoridades, e deportado.
O amor na beira do lago
“Talvez, quem sabe um dia
Por uma alameda do zoológico
ela também chegará...”
Maiakoviski
Paulo Brito e Ana relatam como o amor os fisgou à beira do lago.
Foto: Marco Pezão
Foto: Marco Pezão
Paulo Brito havia arranjado um emprego extra nos finais de semana no Regent’s Park, colocando pessoas a passear de barco no lago. O amor não lhe chegou por uma alameda do zôo: estava ao alcance da sua vista, trabalhando num café à margem do mesmo lago onde ele embarcava os turistas. Ana Maria Delgado havia saído de Sevilha há cerca de seis meses para trabalhar em Londres. Tornaram-se amigos; ou mais que isto: a bela espanhola virou o anjo-protetor do brasileiro. “Sempre que surgia alguma dificuldade pra cima de mim, lá vinha a Ana: ‘Qué pasa? What is happening?’ Ficamos muito amigos, mas ainda não havia envolvimento entre nós”, conta Paulo.
Quando o amor brotou entre eles, Londres tornou-se ainda mais generosa. Paulo Brito foi trabalhar em um bar belga (foto à esq.), e Ana empregou-se na maior livraria londrina, aonde logo conquistou o posto de supervisora.
Os ganhos do casal na temporada britânica vão permitir a abertura de uma loja de artefatos em Sevilha, onde a moça nasceu.
Como disse meu amigo Marco Pezão, na casa de quem Paulo e Ana foram entrevistados: “Quem nasce artista, nunca deixa de ser”. Paulo afastou-se dos palcos para dar novo impulso à sua vida. Mas a Arte nunca o abandonou. Em Hamersmith estão expostas telas pintadas por ele durante o auto-exílio inglês.
E a Arte continuará envolvendo o casal em sua futura loja de artefatos na Espanha.
Brasileiros que vivem ou viveram em Sevilha citam muitas afinidades entre aquela cidade e o nosso país.
Mas pensas que Paulo Brito poderá esquecer aquele construtor árabe que quis engoli-lo em Londres? Sevilha foi modernizada pela invasão dos mouros. Foram eles que lhe deram o nome de Ishbiliya (árabe أشبيليّة) que derivou depois em Shbiya para terminar no nome atual.
João Cabral de Melo Neto comparou Sevilha a uma veste confortável. Que ela se abrace ao nosso Paulo Brito “como se fosse uma roupa / cortada em malha”.
À esquerda, Ana pintada por Paulo para ser fotografada nas ruas de Londres. À direita, Paulo Brito com o elenco do curta-metragem “Curta com Pipoca.Quando o amor brotou entre eles, Londres tornou-se ainda mais generosa. Paulo Brito foi trabalhar em um bar belga (foto à esq.), e Ana empregou-se na maior livraria londrina, aonde logo conquistou o posto de supervisora.
Os ganhos do casal na temporada britânica vão permitir a abertura de uma loja de artefatos em Sevilha, onde a moça nasceu.
Como disse meu amigo Marco Pezão, na casa de quem Paulo e Ana foram entrevistados: “Quem nasce artista, nunca deixa de ser”. Paulo afastou-se dos palcos para dar novo impulso à sua vida. Mas a Arte nunca o abandonou. Em Hamersmith estão expostas telas pintadas por ele durante o auto-exílio inglês.
E a Arte continuará envolvendo o casal em sua futura loja de artefatos na Espanha.
Brasileiros que vivem ou viveram em Sevilha citam muitas afinidades entre aquela cidade e o nosso país.
Mas pensas que Paulo Brito poderá esquecer aquele construtor árabe que quis engoli-lo em Londres? Sevilha foi modernizada pela invasão dos mouros. Foram eles que lhe deram o nome de Ishbiliya (árabe أشبيليّة) que derivou depois em Shbiya para terminar no nome atual.
João Cabral de Melo Neto comparou Sevilha a uma veste confortável. Que ela se abrace ao nosso Paulo Brito “como se fosse uma roupa / cortada em malha”.
À esquerda, Ana e Paulo trajados para uma festa caipira em Londres. À direita (foto de Marco Pezão) Paulo e Ana tendo ao fundo o prédio onde ele trabalhava como repositor no Supermercado Del Rey, no bairro Campo Limpo, zona sul de São Paulo.
4 comentários:
Que bom que tudo deu certo Paulo!!!Meus desejos de felicidade pra voce e sua esposa na nova vida na Espanha!
Beijos ,
Jussanam (atriz e cantora brasileira vivendo na islandia)
E-mail recebido de Jussanam (Islândia):
Oi David, gracas a Deus e a força do Paulo que está tudo bem com ele, UFA!
Eu também paguei minha cota com o teatro e sei como é isso.
Muito legal ler a história dele. Desejo felicidades para o casal!
Beijo grande ,
Jussanam
E-mail recebido de Regina Sudaia (Taboão da Serra):
Oi David, como vai?
Que bom saber notícias do Paulo Brito!
Eu imaginava poder vê-lo numa novela da TV Globo.
Não sabia que ele estava em Londres.
Acho que ele é um excelente ator.
E é uma pena tanto talento desperdiçado e não reconhecido...
Por onde andarão os "mecenas das artes"????
(devem estar dormindo "dormindo profundamente" como diria Manuel Bandeira)
abraços,
Regina
David, Paulo brito é o cara...
é legal ver que depois de muitas batalhas acabou se encontrando, mas é lamentável que tenha desistido da carreira de ator, aliás, um "baita" ator. Na ocasião do Mapa Cultural 2000 eu estava trabalhando na Secretaria com o nelson Machado e o Dejair e a organização do evento ficou praticamente por minha conta. lembro-me como fosse hoje, quando o Paulo Brito veio cancelar a participação porque o seu párceiro havia desistido. Consegui convencê-lo de que seria possível continuar o projeto, adaptando-o para um monólogo, afirmando que ele tinha potencial para tal feito, inclusive, me dispus a ajudá-lo se necessário fosse. Confesso que foi muito emocionante ve-lo atuando em palco e fui um dos jurados que, não só votou nele, como defendeu junto aos pares a sua classificação, afinal, ele tinha (e tem) tudo que um ator precisa: sensibilidade, inteligência, paixão pelo estudo da arte e o que é mais importante: coragem e perseverança. E isto fica claro no texto que acabo de ler, afinal, hoje ele atua no maior de todos os palcos, que é o mundo, e recebeu mais um grande prêmio: a Ana e a vitória num país sem platéia.
Estou tentando me lembrar se foi ele quem disse, na época, ter assistido um filme onde eu estava atuando. Acontece que eu havia filnado durante um mes para uma produção e o produtor não pagou alegando que os patrocinadores tinham cancelado os contratos, tenho isso em carta da produtora, então nesta época descobri que os caras estavam passando o filme em salas alternativas. se não estou enganado foi ele, o dia que falares com ele me confirme, mas esta é outra história, aliás, se cada artista for contar a sua: senta que lá vem história, não é?
Abraços e muita sorte para o Paulo,
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