quarta-feira, 8 de abril de 2009

Crise e dissidências na Paixão de Cristo em Taboão da Serra

A conta é simples: Taboão da Serra completou 50 anos em fevereiro último; a Encenação da Paixão de Cristo na cidade fará sua 53ª apresentação na próxima 6ª-feira, 10 de abril.
Três anos antes da emancipação do município, em 1956 o padeiro Manoel da Nova criou em Taboão da Serra a primeira encenação ao ar livre do Brasil sobre o personagem bíblico.
No início de 2009, porém, uma crise que já se arrasta há anos estourou de vez.
Insatisfeitos com o que classificam de “interferência autoritária do atual governo” municipal, os atores e diretores mais experientes se retiraram do espetáculo. E levaram sua insatisfação ao Legislativo local.Naloana Lima foi porta-voz dos dissidentes na Tribuna

Paixão desfeita

Na noite de ontem, a Câmara Municipal de Taboão da Serra tornou-se uma espécie de Sinédrio – local onde Jesus foi julgado. No banco dos réus, a administração do prefeito Evilásio Farias. Na acusação, a atriz Naloana Lima, assistente de direção da Paixão de Cristo.A atriz leu na Tribuna Popular o manifesto dos artistas dissidentes. O documento afirma que o atual grupo do poder “tomou de assalto” a organização do evento. O protesto agora será encaminhado ao Ministério Público e à Ouvidoria Municipal.

Escândalo no Calvário?

Os artistas argumentam que em 2008 a Prefeitura teria gasto mais de R$ 100 mil na Paixão de Cristo – e estranham este valor, já que os atores foram todos voluntários.
Este custo não confere com a versão oficial. Joilson Rodrigues Pires, diretor da Divisão de Cultura da Prefeitura de Taboão da Serra, diz que a encenação do ano passado consumiu “em torno de R$ 85 mil a R$ 86 mil”.
Os artistas querem que seja feita uma auditoria nas apresentações dos últimos três anos.
Dois vereadores acataram a denúncia dos artistas, e redigiram um requerimento exigindo prestação de contas da Prefeitura. Lamentavelmente o líder do prefeito na Câmara, xará do apóstolo Paulo, colocou entulho na estrada de Damasco do documento, e conseguiu adiar a votação do requerimento para 14 ou 28 de abril.
Um parlamentar assumiu o papel de Salomé, e pediu a cabeça do diretor da Divisão de Cultura.

Veteranos da Via Crucis

O ex-coordenador-geral da Paixão de Cristo, José D’Lucena, participa do espetáculo desde 1979. O ator e diretor do núcleo da Guarda Romana, Edy Santos, iniciou sua participação em 1989. Valter Costa, também ator e diretor, integrou-se à equipe em 1995. Valter reformulou os cenários e figurinos do espetáculo no ano 2000, quando foi conhecer, com seu próprio dinheiro, a apresentação realizada em Nova Jerusalém (PE).
Mas ninguém pode com a vida do ator e diretor Mário Pazzini. Ele fez o papel de Menino Jesus antes mesmo de nascer. Sua mãe estava grávida dele quando fez a Virgem Maria em 1962. Seu pai foi o Cristo daquela primeira encenação. Pazzini interpretou o personagem central nos anos de 2000, 2002/3/4/5/6. E quase morreu de verdade em um acidente na apresentação de 2005.
Junto com estes veteranos, cerca de outros 40 artistas deixaram a encenação.

“... os que têm fome e sede...”

Participar dos ensaios e outros preparativos da Paixão, era um calvário antecipado para os artistas. “Não tínhamos estrutura de transportes, alimentação, nem um lugar para descansar entre uma atividade e outra”, conta Valter Costa. Para comer, os artistas faziam “vaquinha”. Quando a Prefeitura resolveu fornecer alimento, serviram marmitex do Pronto-Socorro. “Nada contra a comida de hospital, mas pra quem estava fazendo grandes esforços físicos e mentais, refeição para doentes não nos sustentava”, relata Valter.
Quando não havia ônibus para irem embora, eles pernoitavam em um circo de lona no estacionamento do Zôo Municipal.

Rebelião no “quartel”

A primeira evasão de atores descontentes com o descaso da Administração, se deu entre os intérpretes da Guarda Romana. “Com a falta de atores experientes de encenações anteriores, a Prefeitura começou a escalar inscritos do Programa Jovens pela Cidadania (Jopec)”, revela Edy Santos. Os jovens revelaram que suas participações eram compulsórias, a mando do secretário da Segurança Pública, ao qual eram subordinados. “Estes rapazes cumpriam a ordem de atuar em um ano, e no ano seguinte não voltavam mais, simplesmente porque não tinham compromisso com o espetáculo. Só participavam naquela hora para não serem demitidos da Prefeitura”, conta Edy.
A Prefeitura também tentou escalar guardas civis municipais, mas o remendo não funcionou.

Expurgados do Gólgota

Mário Pazzini, além do sofrimento físico de incorporar o Cristo, sentiu na pele a lança das intrigas palacianas. “Pessoas ligadas ao gabinete do prefeito chegaram a dizer que eu estava bêbado na hora do espetáculo onde me acidentei em 2005”, conta. Na ocasião, o mecanismo que simula a subida de Jesus aos céus quebrou, e o ator quase foi esmagado pela engenhoca.
Para superar a constante evasão de atores e figurantes, o grupo apresentou um projeto com quantidade restrita de artistas, com incentivos. “O orçamento deles era de R$ 72 mil para atores, mais R$ 70 mil de infra-estrutura. O plano não foi aprovado”, diz Joilson Rodrigues Pires.
“Nós nunca tivemos resposta ao nosso projeto”, rebate Pazzini. “E não demos orçamento de R$ 142 mil. Era de R$ 52 mil”, corrige José D’Lucena. A idéia era trabalhar com menos atores, que se revezariam em vários papéis no decorrer da Encenação. Os artistas denunciam que a Administração passou a adotar medidas, até com ingredientes de “rixas pessoais”, que afastaram definitivamente o núcleo mais experiente. “Nós temos compromisso histórico com a Paixão de Cristo. Temos paixão pelo que fazemos. E temos vergonha na cara. Não aceitamos ser tratados sem respeito”, conclui Mário Pazzini.
Os artistas acusam a administração de Evilásio Farias de descumprir a própria Lei Orgânica Municipal, que em seu artigo 221 determina que a Prefeitura desenvolva política cultural “não intervencionista”.

MANIFESTO DOS ARTISTAS DE TABOÃO DA SERRA

Estamos aqui hoje, para falar em nome dos artistas e dos militantes das causas culturais de Taboão da Serra, tornando pública nossa insatisfação com a política cultural que vem sendo adotada pelo atual governo. Pois só cabe a nós, artistas taboanenses, gerar e dinamizar a sua cultura, a despeito da omissão ou interferência autoritária dos governantes.
Em Taboão da Serra, o governo vem cada vez mais centralizando as atividades, e assim desvalorizando os artistas regionais, os grupos artísticos e toda a produção autônoma da cidade.
Descumprindo assim a Lei Organiza do Município, conforme artigo 221, item VI, onde diz que o poder público desenvolverá política cultural NÃO INTERVENCIONISTA, visando a PARTICIPAÇÃO DE TODOS na vida cultural.
O último exemplo desta política foi a centralização do evento Paixão de Cristo que já existe há mais de 53 anos. Ou seja, é mais velha que o próprio município, sem falar que é a primeira ao ar livre do Brasil. E sempre foi realizada de forma democrática pelos artistas da região e pela sociedade civil. Porém este ano, o governo tomou de assalto , excluindo a participação de antigos organizadores do evento, permitindo a participação de quem eles querem, obrigando funcionários a organizar e participar mesmo contra a vontade dos mesmos.
Segue trecho da matéria retirada do site da Prefeitura em 09/03/2009:
“A Encenação da Paixão de Cristo deste ano vai passar por mudanças em sua 53ª temporada. A coordenação, produção e as oficinas de interpretação ficarão sob a responsabilidade do Liceu de Artes da Prefeitura de Taboão da Serra, de acordo com Joilon (diretor da Divisão de Cultura (...)”
Não cabe ao governo conduzir a produção da Cultura como está acontecendo na nossa cidade. O governo deveria atuar como indutor, fomentador e regulador das atividades, serviços e bens culturais, conforme previsto nas leis municipais que não são cumpridas: Lei 1717/2007 que instituiu o Fundo Municipal de Incentivo à Cultura; Lei 991/92 que instituiu o Incentivo Fiscal para projetos culturais [entre outras].
Assim, o Poder Público asseguraria a contin uidade de políticas públicas de Cultura, instituindo mecanismos duradouros de planejamento, validação, promoção e execução, ou seja, financiamento de programas e projetos culturais.
É inadminissível uma Divisão de Cultura, que deveria FOMENTAR o fazer cultural da cidade, tomar para si a produção e execução dos mesmos. De nada adiante termos um centro formador, que é o Liceu, se após a formação dos alunos eles não poderão produzir nada no município, pois não têm nenhum tipo de incentivo, e terão que se deslocar para outros municípios para produzir. O que adianta formar um artista de Teatro se ele não tem nenhum incentivo para montar uma peça, nem espaço para apresentá-la?
O que foi produzido e fomentado no município no ano de 2008? Talvez somente produções independentes, que não tiveram nem acesso à divulgação de seus trabalhos.
A Cultura deve ser vista como parte constitutiva de um projeto global de desenvolvimento.
Precisamos construir uma ampla discussão sobre políticas culturais, garantidno a participação massiva dos movimentos culturais da cidade, para que juntos possamos garantir a fomentação, a formação e a difusão da nossa produção.
A Cultura, como campo de políticas, ultrapassa o tempo dos governantes, ou seja, é um patrimônio da cidade, independente de quem quer que exerça o mandato no Executivo, legislativo e Judiciário.

Nota da Redação: O documento encerra requerendo Audiência Pública com o Secretário de Educação e Cultura, César Callegari, e com o diretor da Divisão de Cultura, Joilson

Valter Costa, José D'Lucena, Thânia Rocha,
Edy Santos, Mário Pazini
Foto: David da Silva - 05.abril.2009

2 comentários:

Anônimo disse...

Boa a matéria.
Que as pilastras caiam sobre esses interversores públicos!!!!

abud disse...

Ótima reportagem. Deixei também postado no site OTaboanense sobre minha indignação deste jornal em nem se quer tomar conhecimento ou expor os fatos.

Parabens pelo artigo.

Att

Hugo