quarta-feira, 6 de maio de 2009

Recuerdos de Iporã

Reportagem sobre uma cidade do norte do Paraná veiculada na manhã de hoje pela TV, me fez lembrar uma viagem que fiz àquela região há sete anos.
Primeiro a notícia: o delegado de Polícia de Ivaiporã (PR) fez um acôrdo com os presos para evitar fugas. Como não há carcereiro naquela delegacia,
os próprios presos tomam conta das suas jaulas!
O nome Ivaiporã me lembrou Iporã, também no norte paranaense (sendo Iporã 120 km à frente) onde estive no Carnaval de 2002. O repórter da várzea Marco Pezão foi contratado pela Associação Atlética Paraná, na época patrocinada pelo Supermercado Rod-Raf, de Taboão da Serra, para fazer a matéria. E me intimou a ir junto.
A viagem de ida para mim foi um inferno. Pelos 847 quilômetros entre São Paulo e Iporã, os jogadores tocaram sem parar, numa repetição torturante, o maldito CD acústico que Bruno e Marrone haviam lançado meses antes. Eu ansiava chegar logo à cidadezinha de destino para limpar meus ouvidos com lindas guarânias, já que Iporã fica a 75 km da fronteira do Paraguai.
O que aconteceu em termos de futebol, foi registrado pelo Pezão. Quem não leu na época, é só
pedir pra ele.
O que nos interessa aqui, no nosso boteco imaginário, é o que rolou por fora das quatro linhas.
Ficamos alojados ao lado do Santuário Santo Antonio de Iporã. O salão paroquial (à direita) foi transformado em refeitório. As senhoras católicas exigiam que jantássemos na hora da Ave-Maria. Logo descolei uma vasilha, e guardava meu rango para depois de carimbar os cotovelos nos balcões do lugarejo.
Na segunda noite em Iporã, Pezão e eu mudamos o roteiro etílico. Enveredamos por uma rua de terra; os chinelões afundavam no poeirão vermelho. Deparamos com uma cena de cinema. Em meio àquele terrão, um bar de limpeza absoluta. Por todo o estabelecimento, plantas verdíssimas, que a dona da bodega espanava amiúde, e limpava as folhas com pano úmido.
O chão de cimento queimado espelhava. Nem um mísero grão de poeira em lugar algum do balcão, mesas e prateleiras. “As senhoras católicas que nos perdoem, mas vamos jantar aqui esta noite”, decidimos.
A bebida desceu em doses industriais, enquanto a dona do botequim nos preparava colossais bifes de fígado acebolado, escoltados por salada suficiente pra alimentar uma manada.
Lá pela vigésima cerveja entremeada por marias-moles, meu amigo começou a olhar a proprietária do boteco com olhos de poeta. Dona Marília (dou-lhe o nome da sua cidade natal) percebeu o arroubo lírico do meu colega de copo e de cruz, e passou a servir-nos doses mais generosas. E confessou-nos ser muito solitária em seu leito de viúva. Pezão estava prestes a compor-lhe uma ode, um soneto, um madrigal, sei lá...
Foi quando a botequineira danou-se a nos contar sua recente cirurgia. Ante nosso olhar embasbacado, ali, de pé no meio do salão, ergueu singelamente sua blusa para mostrar a extensão do corte, que descia desde o pescoço até além do umbigo, terminando onde a saia - e o constrangimento - não nos deixava ver.
Até hoje Pezão não me perdoa quando lhe pergunto o que foi feito do poema pensado para a Dona Hérnia...

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