Arte: Anderson Siqueira
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David da Silva
Quando lí o imponente jornal londrino ecoando a pergunta (Where is Belchior?), ergui um brinde imaginário a dois amigos: “Nós furamos o The Guardian!!!”
O diário inglês especula que o “desaparecimento” do cantor-compositor Belchior esteja ligado ao seu projeto de traduzir e ilustrar A Divina Comédia, de Dante Alighieri.
Sei deste plano de Belchior desde novembro do ano 2000, quando fiz uma entrevista com ele para o jornal da associação dos funcionários da Prefeitura de Taboão da Serra.
A produção da reportagem foi do meu colega de copo e de cruz Aloisio Nogueira Alves.
A matéria foi ricamente ilustrada pelo desenhista-artesão-escritor Anderson Siqueira.
São eles os dois amigos do brinde imaginário do primeiro parágrafo.
Belchior e David - Foto: Aloisio Alves - novembro/2000 Jornal dos Funcionários da Prefeitura de Taboão da Serra |
A travessia
Belchior nasceu predestinado à música. Seu nome (Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenele Fernandes) é homenagem ao maestro brasileiro criador d’O Guarani: “Meu pai era humilde lavrador em Sobral, onde nasci no norte do Ceará”, contou Belchior. “Ele era apaixonado pela música de abertura do programa A Voz do Brasil” [visivelmente emocionado, Belchior solfeja trecho da abertura da ópera] “Foi por isto que ele me botou o nome de Antonio Carlos Gomes”.
“O grande sonho da vida do meu pai era ter um rádio”, continuou o cantor. “Ele ia nas casas dos vizinhos pra ouvir músicas, notícias, sempre desejando ter um rádio só dele. [Belchior dá longa baforada no seu cachimbo, talvez pra controlar a grande comoção da lembrança] Quando eu estava com uns 10 anos de idade, tinha um cara que devia um dinheiro pro meu pai. Pra ir cobrar o cara, era preciso atravessar o Rio Icaraú. Meu pai me levou junto na canoa. Lembro da emoção dele quando viu sobre a mesa do cara um grande rádio. Disse: ‘Rapaz! Voce não quer me dar esse rádio em troca da dívida?’ E lá fomos nós de volta pra casa, levando aquele grande rádio na nossa canoa.”
Perde a Medicina, ganha a Música
O primeiro contato de Belchior com a música foi pelo seu avô, que tocava flauta e saxofone. “Eu passava as férias na casa de meu avô, por onde circulavam cantadores repentistas, músicos ciganos...”
A música, porém, não impediu Belchior de cursar até o 4º ano da Faculdade de Medicina: “Fui para a Medicina por uma questão filosófica. A vocação médica está ligada à condição humana, ao sofrimento, e eu queria salvar vidas”, relata o compositor. E logo emenda uma conclusão de fina ironia: “Fui para a Medicina para salvar vidas, e saí da Medicina para salvar vidas...”
O “doutor Alka-Seltzer”
Meu amigo Aloisio, produtor desta matéria, foi aluno do Lyceu de Fortaleza onde Belchior também estudou. Lá estudava um primo de Aloisio, o frei Evaldo (que depois rompeu com a religião). Frei Evaldo comia muito, e bebia ainda mais. Belchior sempre o encontrava “empanturrado”, e invariavelmente o aconselhava a “tomar um anti-ácido da marca Alka-Seltzer”. Daí o frei colocou em Belchior o apelido de “doutor Alka-Seltzer”.“O grande sonho da vida do meu pai era ter um rádio”, continuou o cantor. “Ele ia nas casas dos vizinhos pra ouvir músicas, notícias, sempre desejando ter um rádio só dele. [Belchior dá longa baforada no seu cachimbo, talvez pra controlar a grande comoção da lembrança] Quando eu estava com uns 10 anos de idade, tinha um cara que devia um dinheiro pro meu pai. Pra ir cobrar o cara, era preciso atravessar o Rio Icaraú. Meu pai me levou junto na canoa. Lembro da emoção dele quando viu sobre a mesa do cara um grande rádio. Disse: ‘Rapaz! Voce não quer me dar esse rádio em troca da dívida?’ E lá fomos nós de volta pra casa, levando aquele grande rádio na nossa canoa.”
Perde a Medicina, ganha a Música
O primeiro contato de Belchior com a música foi pelo seu avô, que tocava flauta e saxofone. “Eu passava as férias na casa de meu avô, por onde circulavam cantadores repentistas, músicos ciganos...”
A música, porém, não impediu Belchior de cursar até o 4º ano da Faculdade de Medicina: “Fui para a Medicina por uma questão filosófica. A vocação médica está ligada à condição humana, ao sofrimento, e eu queria salvar vidas”, relata o compositor. E logo emenda uma conclusão de fina ironia: “Fui para a Medicina para salvar vidas, e saí da Medicina para salvar vidas...”
Belchior e Aloisio - Foto: David da Silva |
Divinos planos
Em novembro de 2000 Belchior me contou que já trabalhava há dois anos na tradução e ilustração da obra máxima de Dante Alighieri (amplie o recorte de jornal no fim da postagem).
Além de músico e pintor, Belchior também é calígrafo. Os tres volumes previstos para a sua edição d'A Divina Comedia estarão todos escritos em uma caligrafia especialmente elaborada pelo próprio rapaz latinoamericano que no próximo dia 26 de outubro festejará 63 anos de vida.
Quem se faz de espantado (ou tenta faturar) com o “sumiço” do Belchior, é porque não ouviu atentamente os recados que este poeta nos dá desde o início da sua caminhada.
“Saia do meu caminho / eu prefiro andar sozinho
Deixem que eu decida a minha vida”
Belchior (1979)
Deixem que eu decida a minha vida”
Belchior (1979)
NOTA DO BALCÃO - As bocas malditas já caguetaram que Belchior está devendo uma grana pra sua ex-mulher. E que a Receita Federal está na cola dele. Coisa pequena pra um artista tão imenso. E como bom poeta, vai tirar tudo isto de letra.
Belchior fez um show no Cemur em Taboão da Serra em 1995. Foi a única apresentação do artista em nossa cidade.
Belchior fez um show no Cemur em Taboão da Serra em 1995. Foi a única apresentação do artista em nossa cidade.
Clique para ampliar Trecho da reportagem publicada no Jornal dos Funcionários da Prefeitura de Taboão da Serra, em novembro de 2000. |
Um comentário:
Poxa. adorei tudo que li. Sou muito fã do Belchior.
Espero que ele regresse em breve.
Abraços.
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