Para Robinson Padial, o poeta Binho
e
Geraldo Magela, do Grupo Candearte
Numa 5ª-feira ensolarada do fim de julho, fui com a norueguesa Tessa Jortald dar um rolê de barco por ilhas das cercanias de Oslo. As embarcações navegam como se fossem ônibus-circulares entre Hovedøya, Lindøya, Utøya, Bleikøya, Rambergøya. Já deu pra você sacar que na Noruega “øya” significa: ilha.
Perto do atracadouro Bigdøy, vi um sanfoneiro sentado solando Summertime. A intérprete explicou: “Os romenos vêm pra cá para tocar em praça pública ou então roubar”.
Escorreguei duas moedas de 10 coroas (R$ 3,00) na sacolinha do músico pra justificar a foto. Sua mão esquerda calosa sobre as teclas pretas fazia o fole roncar denso, gostoso. A mão direita de unhas encardidas extraía das teclas brancas a melodia magnífica de George Gershwin. Como milhares de ciganos romenos, o sanfoneiro fugiu das perseguições em seu país. Vê que interessante: Gershwin compôs Summertime inspirado em uma cantiga de ninar ucraniana. E a Romênia daquele artista mambembe faz fronteira com a Ucrânia...
No sábado seguinte fui conhecer o Parque de Esculturas Vigeland. Na entrada de uma alameda, uma velhinha magrinha tocava sanfona sob o sol. A cabeça grisalha enrolada em pano imundo. Da sua sanfona desgastada escapava um fiapinho de música raquítica. Na tigelinha à sua frente, uma merreca de caraminguás.
De repente, chega perto da velha um rapaz mal encarado. Disse alguma coisa a ela, brusco, truculento. Mirei bem no sujeito: calça de tactel preta toda esmolambada, por cima um moleton branco encardido, com manchas nas costas denunciando ter se deitado no chão. O tipo continuava em torno da velha, rosnando alguma merda que eu não entendia. E a velhinha firme, sem levantar os olhos nem parar de tocar sua sanfoninha.
Na outra ponta da alameda, outro sanfoneiro, e a mesma abordagem do tipo suspeito. Matutei shakespeareanamente: “Há algo de podre no meio destas sanfonas”.
Na semana seguinte eu estava em Sandefjord, no litoral sul da Noruega. E toda vez que passava pela Aagaards Plass, a qualquer hora da manhã ou da tarde via no mesmo banco da mesma praça um mesmo sanfoneiro. Tocando sempre a mesma música.
Me caiu de vez a ficha.
O sindicato dos ladrões romenos na Noruega explora os ciganos-músicos. Cobram-lhes as passagens da fuga, e a proteção em terra estranha. Mesmo que não tenham o repertório rico e variado do cigano-sanfoneiro da foto. Mantêm-nos praticamente algemados às suas sanfonas. Os dedos famintos procuram dia após dia entre as teclas o seu pão que o diabo amassou...
6 comentários:
Triste sina a desses ciganos sanfoneiros!
Bjs,
Jussanam
Viu só, Jussanam, o rolo que deu a Madonna defender ciganos-músicos na Romênia??? Quando você for cantar lá, se cuida, viu?
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u615741.shtml
E VIVA DJANGO REINHARDT
CARO COLEGA,
EU LEIO SEU BLOG, QUE POR SINAL, É OBRIGAÇÃO PARA QUEM QUER APRENDER A VIAJAR EM UM TEXTO SUTIL, IMAGINÁRIO, INTELIGENTE E ATÉ PERNICIOSO, MAS REAL.
E VOCÊ ASSISTA A TV ATUAL?
WWW.TVATUALONLINE.COM
UM ABRAÇO
MARCIO CANSIAN
Caro David,
Você continua o craque de sempre...
Abraços.
Antonio Carlos Fenólio
Coordenador de Administração e Finanças - Subprefeitura de Vila Mariana
Caro David, vc matou a charada! Eu vi essa mesma cena pelo menos umas 20 vezes nas minha passagens pela Noruega e nunca prestei a atenção seja no centro de Oslo, em Asker ou até outra cidade como Honeffos , Parabéns!Estou aguando o complemento da matéria sobre o samba. Um brinde ao fole . Haja folego. Abraço
Ôôô meu amigo de andanças escandinavas. Faltou você assinar o nome. Senão, como vamos brindar teu comentário?
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