sábado, 11 de setembro de 2010

Gonzagão "garfou" a Asa Branca

A pomba-asa-branca (columba picazuro) inspiradora da canção gravada por Luiz Gonzaga em 3 de março de 1947

Na insônia de uma madrugada dessas, vi por um canal fechado a reprise do depoimento do zoólogo e compositor paulista Paulo Vanzolini na série Intérpretes do Brasil, produzida originalmente para a TV Cultura – “intérpretes”, neste caso, no sentido acadêmico, científico, de análise antropológica e cultural.
Perdi de vez o sono quando mestre Vanzolini revelou que em uma de suas andanças pelo Vale do Cariri, atrás de serpentes para suas pesquisas, ouviu uma moradora daquelas brenhas cantar algo que lhe soou familiar. Só os versos eram um tanto diferentes. Perguntada de onde conhecia tal cantiga, a sertaneja disse tê-la aprendido com seus antepassados – alguns já até mortos...
O que aquela senhora do agreste cantava era o lamento musicado, de autoria desconhecida, que deu origem à monumental toada-baião Asa Branca, registrada por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira como sendo deles.

Amanheci garimpando no Google o verdadeiro ninho da famosa canção sobre a pombinha selvagem que bate as asas e se manda do sertão na primeira ameaça de seca brava.
Há quem diga ser Asa Branca um tema folclórico recolhido e adaptado pelo médico e também compositor Zé Dantas. Como era ainda estudante de Medicina, e para não despertar a ira de seu pai, que não o queria “metido com a malandragem da música”, Zé Dantas “entregou” a toada-baião para Luiz Gonzaga, de quem ficara amigo há pouco tempo.
A cantiga era de domínio público no alto sertão do Nordeste, particularmente na zona oeste do Rio Grande do Norte.
Em 1981, o Rei do Baião declarou à TV Bandeirantes que conheceu Asa Branca pela sanfona de oito baixos de seu pai Januário; que a música era, mesmo, do folclore nordestino; que ele pediu para seu parceiro Humberto Teixeira dar “uma ajeitada” nos versos originais.
O maestro e pesquisador João Baptista Siqueira ensina em seu livro Os Cariris do Nordeste, que Asa Branca nasceu com versos primitivos na região da Borborema Ribeira Pajeú:

“Não chore não, viu?
Nem vá chorar, viu?
Que a vida é essa
Seu amor torna a vortá.
Asa-branca pequenina
Já voou do meu sertão
Por falta d’água morreu meu gado
Morreu de sede o alazão”.
Seja o médico pernambucano Zé Dantas ou o advogado cearense Humberto Teixeira o real autor da letra como Asa Branca foi gravada há 63 anos pelo Velho Lua, quem tem razão é o genial sambista d’A Volta por Cima: “Meteram a mão no bolso do povo!”, garante sem meias palavras Paulo Vanzolini.


Ouça esta versão do Toquinho para Asa Branca (gravação de 1974 - LP Boca da Noite).
Uma das mais belas obras do cancioneiro mundial, brotada diretamente da alma criadora do anônimo e sofrido povo nordestino, gigante humilde e genial.

5 comentários:

Anônimo disse...

QUEM TEM RAZÃO?
É... meu amigo, quem sou eu para participar dessa briga de gigantes...
Só acho que deveriam deixar de fora o Ze Dantas, que no meu entender não tem nada a ver com a conversa. Ele( Ze Dantas) compos a Volta da Asa branca, pois, como pode ser notado, o Humberto na canção falava da seca da miséria, e o Dantas dizia... "Já faz tres noites que pro norte relampeia / e a asa branca ouvindo o ronco do trovão, / já bateu asas e voltou pro meu sertão..." e por aí vai. O Ze Gonzaga, que nos já falamos dele(injustiçado) falou pro Assis Angelo, certa noite no programa São Paulo/Capital Nordeste, na Rádio Capital, quando o apresentador fazia uma homenagem ao Lua, eu falei:"Assis, voce pouco fala do Ze Gonzaga!"
Daí a pouco o próprio na linha , direto do Rio de Janeiro, falou para o Assis: "O Luiz não é tudo isso que falam dele. Ele só me procurava na dificuldade..."
E se referiu a esta polemica. O velho Januario já cantava esta música e o Humberto Teixeira "só deu uma ajeitadinha". Palavras do Ze Gonzaga....
abraços
Aloisio Nogueira Alves

David da Silva disse...

Meu irmão Aloisio.
Deixe de modéstia, de se perguntar quem és pra entrar nesta guerra de gigantes...
Eu já escreví certa feita que sua memória é um verdadeiro açude de conhecimentos.
E também como eu já afirmei na postagem. Vanzolini foi perfeito ao apontar que Gonzagão e H. Teixeira ficaram ricos vendendo como sua uma obra que brotou do povo.

Anônimo disse...

Qu e lindo David.
Isabel

Anônimo disse...

infelizmente é muito comum a roubalheira no meio artistico. quanto músicos bons não morreram pobres só porque tinha nececidade de vender sua música para outro gravar?
Jailton Moura – jardim Helga

David da Silva disse...

Voltando um pouco às observações do Aloisio:
A própria esposa do Zé Dantas (senhora Iolanda, a famosa letra "i" da cartinha fechada) declarou que certa feita o Gonzagão fez uma reunião em sua fazenda com Zé Dantas e Humberto. Combinaram de dividir a grana por igual entre os três. E fizeram um pacto de silêncio de nunca mais dar entrevistas sobre a polêmica autoria da Asa Branca.