sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A alma brasileira na pele de três musas do teatro independente

Foto: Ney Rodrigues
Solidão urbana, violência doméstica e homossexualismo feminino temperam a “farofa natalina” da peça Jingobel, em final de temporada no Teatro Encena



Mulher carente (Elisa, de costas) encarcera a lésbica Vanusa e a evangélica fanática Teresa em seu apartamento, em troca de companhia na noite de Natal




A atriz Flávia D’Álima escreveu no seu blog que um dos “cheiros de Natal” que ela mais gosta “talvez [seja] o da farofa, ai que delícia!”. Farofa é uma boa metáfora para sintetizar a variedade de ingredientes utilizados pelo autor teatral baiano Cláudio Simões na comédia dramática Jingobel, em cartaz no Espaço de Cultura Encena por mais duas 6ªas-feiras (essa e a próxima). Flávia divide o palco com as interpretações viscerais de Lidia Sant’Anna e Thânia Rocha.
As atrizes estavam há tempos à procura de um texto só com papéis femininos. Jingobel foi garimpada na internet por Wagner Pereira, que opera luz e som para o tresloucado trio. A montagem da peça no ano passado meio que imitou o clima atormentado em que “vivem” as personagens. “Aconteceu de tudo. Tivemos momentos de alegria, de desespero, de dúvidas. Tivemos desistências, gente que de alguma forma tentou nos atrapalhar (até isso foi positivo; nos fortaleceu) e pessoas que foram chegando só pra somar”, conta Flávia, que também assina a produção do espetáculo.

Criminosamente perdi toda a temporada anterior desta peça que estreou em 14 de novembro de 2009 no mesmo Teatro Encena – a reestréia foi em 9 de setembro último.
Neste ano paguei a dívida assistindo-a por duas vezes, e está difícil me conter para não ir mais uma.

Corneada, armada e perigosa
Flávia D’Álima está tsunâmica na pele da
violenta e carente Elisa - Foto: Marco Pezão
Escrita em apenas 15 dias (18 de janeiro a 1º de fevereiro de 1998) Jingobel preenche um a-e-i-o-u de atribulações das três mulheres encarnadas em Teresa, Elisa, Rosa e Vanusa. Calma aí que eu não errei nas contas – Rosa é personagem invisível (só seus gemidos “entram” em cena).
Estou pensando seriamente em processar o diretor da peça Walter Lins, por ele ter-me “roubado” a chance de escrever que Flávia D’Álima “transpira beleza e sensualidade em cena, mesmo com um pacote de fralda geriátrica usada nas mãos!” – escreveu Lins no texto de exaltação à reestréia. Só me resta dizer que Flávia faz uma interpretação avassaladora da suburbana Elisa crucificada à solidão, corneada pelo amante e emputecida porque a TV Globo trocou o “especial de Natal do Roberto Carlos pelo bicha do Michael Jackson”. Bote um “trezoitão” na mão duma doida dessa, e a desgraça tá feita...

Mulheres em combustão
Quando as angústias de Elisa se fundem com as de Vanusa e Teresa (Lidia Sant’Anna e Thânia Rocha, respectivamente) o resultado é o mesmo de misturar glicerina com ácido sulfúrico e ácido nítrico – nitroglicerina pura!
A primeira vez que vi a atriz Lidia Sant’Anna, em 1997, ela estava se contorcendo nas dores do parto em pleno chão do teatro Cemur – sua personagem “dava à luz” em A Inutilidade dos Decretos Inúteis. A “Vanusa” de Lidia é responsável pelo momento mais comovente (é comédia dramática, lembra?) da peça. Com uma carioquice enfeitiçante na fala, Vanusa exala por todos os poros a dor do seu suplício cotidiano pelo preconceito contra a obesidade e o lesbianismo. Nem a “crente” resiste!

Vanusa despeja seu desejo sobre Teresa
diante da ingênua arvorezinha de Natal...
Foto: Marco Pezão
Entre a fé e o fogo no rabo
Eu me criei em igreja pentecostal, e digo com conhecimento de causa que Thânia Rocha está absolutamente perfeita no papel da evangélica radical que, tentando libertar almas, é seqüestrada e se enreda nas tramas da luxúria. Thânia seria tranquilamente saudada com um “A Paz do Senhor!” se saísse à rua caracterizada como a Teresa de Jingobel.
Assim como Jacó trabalhou sete anos e mais sete para ter seu prêmio na forma de um corpo de Raquel, muitos “irmãos” dariam sete dízimos e mais sete para encontrar o paraíso na carne da fervorosa Teresa. O tom de voz de Teresa, o olhar fanatizado de Teresa derreteriam as muralhas de Jericó...
Mas Vanusa foi mais ligeira, e reavivou a seu favor a labareda que a “crente” escondia debaixo da saia.

Seja ligeira você também. Reserve seu lugar, porque a platéia é intimista (50 lugares).

JINGOBEL, de Claudio Simões. Direção: Walter Lins. Com: Flávia D’Álima, Lidia Sant’Anna e Thânia Rocha.
Figurino: Walter Lins. Cenário: Orias Elias. Cenotécnico: Jorge Jacques. Luz e som: Wagner Pereira. Produção: Flávia D’Álima - Cia de Teatro Encena.

Espaço de Cultura ENCENA – hoje (19 de novembro) e 6ª-feira próxima (26 de novembro)
Às 20h30
Ingresso promocional R$ 7,00
Espetáculo recomendado a partir de 14 anos
Rua Sargento Estanislau Custódio, 130 – Jd. Jussara
Contato/Reservas/Informações: 8336-0546 com Flávia D’Álima

Como chegar? (clique aqui)

2 comentários:

Flávia D'Álima disse...

Du caralho seu texto David.
Obrigada!
Bj

WLanz disse...

Parabens e obrigadissimo pelo texto, pelo respeito, pelo carinho.
Valeu!