Foi meu pai quem me ensinou a gostar de solos de violão. Nas minhas férias da escola, ele me levava por este Brasil afora, e a boléia do caminhão dele (foto à esquerda), a cabine daquela carreta Scania ia toda recheada dos sons do violão do Dilermando Reis.
Foi ele também quem me apresentou à música portenha, daí que me esborracho de ouvir Carlos Gardel.
Eu nem sabia o que era dor de amor, mas minha alma de moleque já gemia na voz do Nelson Gonçalves, nos sambas-canções do Adelino Moreira, nos discos de vinil do meu pai.
Dias atrás, meu pai telefonou, e pediu que eu lhe mandasse letras das músicas do... (fiz que não tinha ouvido direito - “Letras de quem, pai?”) e ele repetiu já com um tom de censura pelo meu fingimento: “Manda aí pra mim as letras do Raul Seixas”.
Ele disse que compra CDs de tangos e serenatas na banquinha de um camelô lá em Cariacica, no Espírito Santo. O tal camelô é “maluco beleza”, e disse pro meu pai: “Ô, Geraldo, escuta este cara aqui”. E deu de presente um disco do Raul.
Agora a coisa tá assim, do avesso. Vou dar um rolê com meu pai no caminhão, peço pra ouvir um bolero, e ele me vem com: “Só quero ouvir meu rockizinho antigo que não tem perigo de ferir ninguém. Let me sing, let me sing...”
Imploro por uma valsa com Sílvio Caldas, e ele lá a plenos pulmões: “Quem vai ficaaaaaar... quem vai partiiiiiir...”.
Não sou doido de embirrar com meu pai. Ele é uma mistura curiosa de sujeito amável e turrão.
Vê só.
Tempos atrás o médico recomendou: “Geraldo, põe seu caminhão na garagem. Você já vai para 74 anos, sua pressão tem subido muito ultimamente. É arriscado continuar se soltando por estas estradas”.
“Tá bom, doutor”, respondeu ele com um laconismo suspeito.
Saiu do consultório, entrou numa concessionária, e trocou sua carreta Scania de 18 pneus por um rodotrem, caminhão com semi-reboques acoplados sobre 34 pneus... Faz o trajeto de Santa Catarina para Recife (PE), carregando 74 toneladas por viagem...
Quem vai gostar de saber que enveredaram meu pai pro rock do Raul, será meu amigo Maia, sobre quem escrevi o Retrato Falado de um Cara Bacana - quem não leu, leia aqui
Dizem que com o avançar da idade as pessoas “desenvelhecem”. A alma viajeira do meu pai é a expressão viva do verso de Manoel de Barros. “Do lugar onde estou já fui embora.”
Como falta pouquinho ainda pra eu ficar mais moço, amanhã vou bebemorar o dia dos pais com meu velho amigo Marcão, e desabotoar o peito numa seresta – quem nunca viu o Marcão, dá uma olhada nele aqui
Um comentário:
Pessoas de índole jovem jamais envelhecem.
Entenda que essa juventude está baseada na ingenuidade e possui o sabor da honestitade, dedicação, trabalho e integridade de caráter.
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