Ana Paula Almeida |
Pronto
desde 21 de julho, deixei este artigo para publicar em agosto porque foi o mês no
qual Machado de Assis situou Memórias
Póstumas de Brás Cubas – “expirei às 2 horas da tarde de uma sexta-feira do
mês de agosto”, diz o narrador da estória. O 21 de julho, berço deste texto, foi
data em que minh’amiga artista Ana Paula Almeida trocou sua foto do perfil no
Facebook. Posou de lado para a câmera, e nesta pose o braço protagoniza. Como
se na orquestra harmoniosa do corpo, o braço fosse o solista.
Nos
livros de Machado de Assis, o elogio aos braços femininos é uma constante. O romance Dom
Casmurro tem um capítulo dedicado a eles. Diz o narrador Bentinho:
“ [Os braços de Capitú] Eram belos, não
creio que houvesse iguais na cidade... os homens não se fartavam de olhar para
eles, de os buscar, quase de os pedir”.
No conto
Missa do Galo, Machado de Assis
mergulha o leitor numa sensualidade de alta voltagem. Uma mulher e um rapaz
conversam na sala da casa, na noite de Natal. O marido dela foi visitar a
amante. O moço está hospedado na residência do casal. Ele espera por um amigo
para irem à Missa do Galo. Conceição circula pela sala. O rapaz nota que, “embora
magra, tinha não sei que balanço no andar”. Ele com 17 anos. Ela, 30. Experiente; fêmea no total controle da
técnica de seduzir. Espeta no garoto olhos enfiados por entre pálpebras semicerradas.
Passa a língua nos lábios. Deixa cair a manga do roupão; aparecem seus braços nus.
Pede que, para não acordar a mãe dela que dorme no quarto ao lado, ele fale
mais baixo, bem baixinho. Sussurram. Depositam palavras diretamente no ouvido
um do outro. O bobalhão não se toca. Tão tonto que já na primeira linha da
narrativa diz: “Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há
muitos anos...”
Em
Memórias Póstumas de Brás Cubas,
ombros e braços da personagem feminina central reluzem pelo transcorrer de toda
a trama. Virgília desponta na vida de Brás Cubas aos 16 anos. Ele com 26. Brás
Cubas se derrete na descrição daquela que será sua amante: “era a mais atrevida
criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Era bonita,
fresca, cheia daquele feitiço precário e eterno que o indivíduo passa a outro
indivíduo, para os fins secretos da criação”.
Logo no
capítulo 37, “o nosso primeiro olhar foi pura e simplesmente conjugal”. Nos
capítulos 57 e 64, Brás Cubas refere-se aos “magníficos braços” de Virgília (“aqueles
braços que eram meus, só meus”).
Tão linda
que durante um baile uma senhora disse a Brás Cubas que ele estava enamorado de
uma escultura.
No
capítulo 130, depois de anos sem se verem, mesmo sabendo que “de dois grandes
namorados, de duas paixões sem freios nada mais havia ali, 20 anos depois”, Brás
Cubas ainda se refere a Virgília como dona do “mesmo par de ombros de outro
tempo”.
Mas em
nenhuma outra obra de Machado, e talvez da literatura universal, um par de
braços de mulher tenha sido eternizado com tamanha carga de erotismo quanto no
conto Uns Braços.
Na estória
o garoto Inácio é completamente louco, tarado, alucinado, maníaco pelos braços
de dona Severina, esposa do seu patrão. O serviço de Inácio era levar os
documentos que Borges, o patrão advogado, enviava aos cartórios. Mas o moleque
errava os endereços, trocava um escrivão pelo outro. Um inferno. Só pensava nos
braços de dona Severina. Tropeçava pelas ruas, comparando os braços de outras mulheres
com os dela. Vivia transtornado com aqueles braços impressos na memória.
Inácio
tinha 15 anos, e Severina, “27 anos floridos e sólidos”. Tanto o patrão
maltratava o rapaz que volta e meia ele pensava ir embora. Não podia. “Sentia-se
agarrado e acorrentado aos braços de dona Severina”. Não tinha sido paixão à primeira
vista. Encarou o famoso par de braços pouco a pouco. Foi descobrindo, mirando e
amando.
Um belo
dia a mulher desconfiou. Rejeitou a suspeita. “Ele é uma criança! Não pode ser”.
Mas foi recapitulando na memória o jeito aluado do moleque, seus esquecimentos,
o olhar fogoso e fixo dele nos braços dela... “Tudo eram sintomas, e concluiu
que sim”.
E
começou ela também a ter fantasias com o menino. O marido era um brutalhão. Nem
aceitava carinhos. Inácio foi tomando conta da cabeça e do corpo de dona
Severina. Ela sentia calores na frente do moleque. Chegou a sonhar com ele.
Certo
domingo o marido foi passear. Dona Severina entrou no quarto do empregado, e
deixou um beijo na boca de Inácio, que dormia. Naquele mesmo instante, ele
estava sonhando com ela.
Dias
depois Inácio foi mandado embora. Ela fez a cabeça do marido para despedi-lo. Ficou
cismada que o garoto estivesse fingindo que dormia quando ela o beijou. E podia
complicar sua vida.
O rapazinho
nunca conseguiu se livrar da visão dos braços de dona Severina. Passou o resto
da vida acreditando que apenas tinha sonhado que ela o beijou.
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