domingo, 6 de setembro de 2015

Sem-teto mora em árvore no Largo do Campo Limpo

João Pereira na "porta" da sua residência. Foto: David da Silva - 06.set.2015
Uma árvore da espécie sibipiruna com 7 metros de altura. Esta é a “casa” do andarilho João Pereira, que completou 51 anos no último dia 4 de junho. Faz 19 anos que ele vagueia por ruas e rodovias. Três semanas atrás João veio parar nas quebradas do bairro Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Construiu sua morada a 3 metros do chão, amarrada entre os galhos da frondosa residência. Seu CEP é o canteiro central do início da Avenida Carlos Lacerda. A “porta” da habitação dá de frente para o Bar Fecha-Nunca no Largo do Campo Limpo.
João não troca sua cabana aérea por albergue:
"Gosto de privacidade". Foto: David da Silva - 06.set.2015
Falando um português sem gírias, flexionando corretamente os verbos, João Pereira conta que se largou vida afora aos 32 anos, quando o seu lar desmoronou sacudido por uma desilusão amorosa. Jardineiro profissional, não deixa secar a semente da esperança em seu coração. “Meu sonho é adquirir meus equipamentos de jardinagem, e trabalhar em alguma chácara onde eu possa morar. Tenho curso de jardineiro, fui montador de máquinas de cortar grama, e também faço pintura residencial”, diz ele, com a expressão do rosto refletindo o estrago que a existência errante lhe causa.
Mas a tristeza não ocupa muito espaço no seu jeitão sarrista de levar as coisas. “Vai dar um trabalhinho pra desarmar isto aí”, conta dando gargalhadas como seu abrigo levou uma semana “em obras”.
“Quando cheguei aqui no Campo Limpo eu dormia ao lado de uma escola. Depois vim morar ali [no canteirinho lateral do galpão onde funcionou por algum tempo o mercado Mil Graus]. Mas dormir no chão é perigoso. Na verdade a gente nem dorme. É um olho fechado, outro aberto. Tem muita maldade por aí. Como eu não uso drogas nem bebo cachaça, comecei a analisar as árvores daqui da região, pra manter minha privacidade lá em cima”, relata.
Após uma pesquisa detalhada durante três dias, encontrou a sibipiruna da qual agora a Prefeitura quer lhe tirar. “Desconfio que no máximo até 4ª-feira eles mandam eu espirrar daqui. Daí eu vou morar debaixo daquele pé de coqueiro ali”, diz apontando para a árvore vizinha do seu atual endereço.
A árvore-casa. Foto: David da Silva - 06.set.2015

Sem destino
Nascido em Garça, no centro-oeste paulista onde trabalhou na roça de cana, tomate, café, mandioca e abóbora a 415 km da capital, João Pereira mudou-se aos 14 anos para Diadema, na Grande São Paulo. Morava com o irmão Moisés. Aos 18 anos, casou com Francisca, 10 anos mais velha. Quinze anos e dois filhos depois, o casamento se desfez. “Ela me botava galha, me trocou por outro cara. Mas eu não quis assinar, e ela conseguiu a separação judicial”, explica. Os filhos Josué e Giovani, hoje com 17 e 16 anos respectivamente, vivem com a mãe em Diadema.
A casa de João e Francisca era alugada no nome da mulher. “O contrato era assinado por ela, porque a aposentadoria que ela recebe dava garantia para as imobiliárias. Com a separação ela me botou pra fora. Eu estava numa fase ruim, sem serviço. E fui morar debaixo de um viaduto”.
Sozinho no mundo (sua mãe Selvina Alves Pereira, 90 anos, mora em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, capital do Paraná) João perambulou pelas estradas. “Fui pra Campinas, depois Ribeirão Preto, Bauru, Rio de Janeiro. A pé. Sempre a pé. Levei quatro meses pra chegar no Rio. Fiquei ali pelas praias. Depois fui andando até Minas Gerais, e voltei para Diadema. Na sola”, narra.

Tarzan urbano
A sibipiruna do Largo do Campo Limpo não é a primeira árvore na vida de João. Em Diadema, onde viveu até alguns dias atrás, ele também dormia pendurado em galhos. Já tem tecnologia nestes abrigos dignos de um Tarzan suburbano.
A "suíte" de João iluminada pela luz da rua, na
madrugada de sábado para domingo.
Foto: David da Silva - 05.set.2015
“Pra fazer uma mansão (risos) igual essa minha aqui, primeiro precisa escolher uma árvore com galhos com espaço bom entre eles. Daí pega um cobertor bem grande, amarra as quatro pontas, uma em cada galho. Dá nó bem firme, estica o cobertor, e começa a fazer a estrutura por baixo dele. Vai trançando fios, cordas, pedaços de ferro, pedaços de cabo de aço. Eu falei pra moça [assistente social] que vai dar trabalho tirar isso aí da árvore”, sorri.
A proposta de ir para um centro de acolhimento é rejeitada pela alma cigana de João. “Nunca morei em abrigo. Sou tímido. Não gosto de dormir onde tem muitas camas. Tira a minha privacidade”.

Na árvore de João não moram vizinhos com asas. “Passarinho aqui não tem, não. Mas tem formiga. Muita formiga. Daquelas vermelhonas assim, ó”, mostra o couro cabeludo e os braços ferroados pelas tenazes saúvas.
Devido a sério problema de apendicite, João prefere fazer sua própria comida. Mostra a ‘cozinha’ num desvão do muro de contenção entre as duas pistas. “Se acaso eles [prefeitura] me expulsarem de lá, vou vir morar aqui debaixo do coqueiro”.

Marqueteiro das próprias virtudes, João se despede da reportagem do blog com um teaser: “Se você quiser fazer uma outra entrevista comigo, vou te mostrar uns desenhos que eu faço. Daí você divulga, a gente vende e ganha um dinheiro”, gargalha novamente, fazendo os gestos que lhe valeram os apelidos de Ninja e Samurai.
João ao lado da sua árvore. No fundo à esquerda, o Bar Fecha-Nunca do Campo Limpo.
Foto: David da Silva - 05.set.2015

5 comentários:

Paula disse...

Parabéns pela matéria grande David!

O brasileiro antes de tudo é um ser criativo e forte mesmo! Resiste a tudo, até a vida ingrata.

gonzagapropaga disse...

Ótima matéria.
Ninja mesmo este camarada, andar na sola até RJ e MG, não é pra qualquer um.
E viver com humor, essa é a maior lição de vida!
E ainda desenha a vida!

Anônimo disse...

Meu caro Davi, vou te contar um fato que impressionou-me muito na minha meninice: no inicio da década 60 no bairro JardimHelena, no Taboão da Serra, uma senhora baiana, que não tendo onde morar, se instalou em cima de uma árvore e, lá foi o seu abrigo. Foi então que um senhor, o saudoso Walter Beliski, tesoureiro municipal, fez um abaixo assinado, e munido desse documento, procurou o dono do loteamento, para saber da possibilidade da doação de um pequeno terreno, naquele lugar.O benemérito proprietário, o doutor Moacyr, num gesto sobre humano, doou um lote de terreno para a família flagelada. Não sei como anda a solidariedade nos dias atuais, mas, se nem os animais estão vivendo em árvores, um ser humano merece respeito. Acordem autoridades. Pelo menos uma vez na vida, abram seus imensos cofres, e ajudem a quem precisa. Por humanidade ajam sem malhadad!

David da Silva disse...

Comentário importante esse. Gostaria de conhecer a família que recebeu esta bênção. Se puder fazer contato eu agradeço.

Anônimo disse...

Meu amigo, gostaria de dar uma informação correta das pessoas que foram beneficiadas com a doação de um lote de terreno, no Jd. Helena de Taboão da Serra, na década de 60. Quem sabia bem disso, era meu pai, que infelizmente já nos deixou. Eu tinha 10 anos, sinceramente, não sei informar. Talvez, quem sabe, algum morador antigo desse bairro, poderá dar alguma informação . O que disse no relato, é verdade. Meu pai foi funcionário da Prefeitura daquele tempo. É o que posso dizer! Mas, vamos torcer para que esse nosso amigo, consiga sair dessa situação de morar em uma árvore. Isso não é humano!