Não foi
apenas o laudo técnico emitido em outubro de 2013, exatos dois anos antes da
catástrofe.
Carlos Drummond de Andrade (31.out.1902 - 17.ago.1987) |
Também
foram ignorados os sucessivos alertas do poeta Carlos Drummond de Andrade sobre
a prática predatória das companhias exploradoras de minérios nas entranhas do
Estado de Minas Gerais.
Dois
dias antes de falecer, o poeta disse ao repórter Luiz Fernando Emediato: “Minas
foi um lugar especial. Hoje não é” (entrevista publicada em 15 de agosto de
1987 no jornal O Estado de São Paulo).
Em 1939,
quatro anos depois de se mudar de Minas para o Rio de Janeiro, Drummond escrevia
em uma de suas mais importantes obras:
“De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil”;
Pelotas de ferro extraídas do lugar da catástrofe |
e expunha a simbiose entre as pessoas e o ferro
arrancado do subsolo de sua terra natal:
“Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas”.
(Confidência do Itabirano)
Minério e destruição
Era pelas
páginas do jornal O Cometa Itabirano
que Carlos Drummond despejava suas mais lancinantes preocupações com o destino
de sua terra escalavrada. Em 1984 ele publicou no jornal da cidade de Itabira,
onde nasceu:
Estátua de Drummond em Itabira (MG). Ao fundo, as montanhas arranhadas pela exploração do ferro. |
“O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição”
Em
dezembro do ano anterior, Drummond já tinha enviado ao Cometa Itabirano sua poesia mais profética sobre a exploração e a
espoliação pela companhia Vale do Rio Doce (veja abaixo à direita a folha original datilografada pelo próprio Drummond).
Lira
Itabirana
I
O
Rio? É doce.
A
Vale? Amarga.
Ai,
antes fosse
Mais
leve a carga.
II
Entre
estatais
E
multinacionais,
Quantos
ais!
III
A
dívida interna.
A
dívida externa
A
dívida eterna.
IV
Quantas
toneladas exportamos
De
ferro?
Quantas
lágrimas disfarçamos
Sem berro?
Sem berro?
“Essa serra tem dono (...)
Cassetetes e revólveres me barram a subida
Não mais a natureza a governa (...)
proibido viver a selvagem intimidade destas pedras
que se vão desfazendo em forma de dinheiro.”
(Triste Horizonte, publicado em 14 de agosto de 1976).
Cidade-monstro
Drummond vaticinou um futuro sombrio para a sua terra natal, espoliada pelas mineradoras |
No dia
13 de maio de 1984, em depoimento ao programa Diálogo, da extinta TV Manchete, Drummond desabafou:
“[Minha
cidade de Itabira está] hoje transformada pela Cia. Vale Rio Doce. Acho que é
uma cidade “meio-monstro”, né? Ela tinha 4 mil habitantes, agora tem mais de
100 mil, sendo que dez mil estão desempregados. À espera de que a Companhia
Vale Rio Doce dê a eles um trabalho qualquer. Está se retirando de Itabira, transferindo-se
para Carajás [no Estado do Pará] e vai fazer a mesma coisa que fez no interior
de Minas. Vai despojar a terra de sua riqueza e vai exportar isso. Nem sequer
aquilo beneficia o Brasil. Beneficia a empresa! E, depois, abandona aqueles
buracos!”
Materialização da metáfora
“Mar de
lama” é expressão criada em 1954 pelo jornalista e político Carlos Lacerda
sobre a corrupção que assola o país. Os 62 milhões de metros cúbicos de lama e
água despejados pelo rompimento das barragens Fundão e Santarém transbordam os
limites dessa metáfora.
O crime
ambiental cometido pela mineradora Vale e sua sócia australiana matou o Rio
Doce. E com ele o ecossistema dos 40 municípios banhados por este rio – 29 cidades
em Minas Gerais e 11 cidades no Estado do Espírito Santo. O lodaçal assassino
está chegando ao litoral capixaba, levando desolação a 60 km por hora.
Tão
terrível quanto a agressão à natureza, foi o comportamento da classe política.
O governador de Minas provou ser lacaio da empresa. A entrevista coletiva
oficial não se deu no Palácio do Governo; ocorreu no escritório da
multinacional. A presidente da República demorou sete longos dias para fazer
breve sobrevoo na área devastada. Aplicou uma multinha de R$ 250 milhões. A
própria Vale estima que vá gastar R$ 2 bilhões em medidas mitigadoras da
matança humana e do meio ambiente. A multa governamental é, portanto, de
míseros 25% sobre o estrago causado. Uma ação entre amigos.
A
omissão da presidência do Brasil não ficou sozinha na parada. O senador mineiro,
principal adversário do governo nas últimas eleições presidenciais, também não pôs
o pé na lama. Limitou-se a balir: “Não é hora de apontar culpados”...
Em 1973
Drummond publicou o poema A Montanha Pulverizada. Nele o autor revela a angústia
de ver as montanhas de Minas Gerais “britadas
em bilhões de lascas deslizando em correia transportadora”.
Três
anos depois o poeta romperia definitivamente com a capital do lugar onde
nasceu:
“Porque não vais a Belo Horizonte? a
saudade cicia
e continua branda: Volta lá.
Anda!Volta lá, volta já.
E eu respondo, carrancudo: Não.
Não voltarei para ver o que não
merece ser visto...”
Mar de lama liberado pelas barragens da Cia. Vale é o maior crime ambiental da história do Brasil |
2 comentários:
Desde o tempo colonial, que o estado de Minas Gerais foi bastante explorado. Já levaram quase todo o ouro, pedras preciosas, diamantes e minério. Porque que Tiradentes foi sacrificado? Porque ousou reclamar disso tudo. A roubalheira sempre foi intensa, o ouro de Minas já serviu para reedificar Lisboa e, até para fazer uma esplendida carroça para a rainha de Portugal a " Maria- A louca",para desfilar sua "maluques". Mas pelo jeito nada vai se modificar... Os mineiros vão ter que aguentar essa insensatez por muito tempo, porque os irresponsáveis continuarão "mandando" e os incautos aceitando tudo, como se fosse tudo natural essa espoliação secular.
E o presidente atual acha que empresário no Brasil sofre muito, e que o cuidado com o meio ambiente é mimimi, que atrapalha a economia...
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